Projeto de mapeamento de Recursos Educacionais Abertos (REA) em português e espanhol para ensino básico na América Latina recebe 25 mil dólares da Fundação Hewlett para iniciar desenvolvimento. O grupo é coordenado por Tel Amiel (NIED/Unicamp) em parceria com Open Knowledge Brasil, Instituto Educadigital/REA-Brasil e EPSOL, no Equador.
Histórico
Na última década, muitas iniciativas relacionadas a REA foram criadas em diferentes países, o que é destacável e bem-vindo. No entanto, este processo tornou mais difícil a compreensão do movimento como um todo e a conexão entre suas diversas redes de ação. Observando este fenômeno, a UNESCO e a COL realizaram, em novembro do último ano (2013), três semanas de discussão com o seguinte tema: podemos criar um mapa global dos REA?
O argumento é que mapas são efetivas ferramentas para comunicar uma mensagem e, sendo assim, podem ser valiosos para explicar a acionistas o que são REA. Além disso, também são capazes de facilitar a conexão e a troca de experiências entre grupos que atuam nas mesmas áreas, lidam com problemas e soluções parecidos, mas não têm conhecimento um do outro.
Tais conversas ocorreram sobretudo na rede OER (Open Education Resources, ou seja, REA em inglês) da Universidade de Athabasca, auto-denominada “universidade aberta do Canadá”. Houve mais de 900 contribuições, o que refletiu o grande interesse da comunidade global em definir as melhores estratégias e metas para este mapeamento.
A Fundação Hewlett, que há tempos investe esforços e recursos em REA, honrou os princípios orientadores que possui e determinou que apoiaria esta missão. Avaliada em US$7.74 bilhões e tendo investido mais de 350 mil dólares em doações somente em 2012, publicou uma chamada aberta ao mundo todo para propostas de desenvolvimento do mapa global de REA.
O objetivo era selecionar 3 projetos que receberiam 25 mil dólares cada para a chamada Fase 1, isto é, para o desenvolvimento de um protótipo do modelo de mapa que propõem. Dentre as 20 propostas enviadas dentro do prazo e algumas outras não contabilizadas, foram premiadas as seguintes três: Hochschulbibliothekszentrum des Landes NRW, Institute for Knowledge Management in Education (ISKME) e nós, da OKF Brasil, por estarmos hospedando o projeto liderado e desenvolvido por Tel Amiel, atuando como plataforma de um iniciativas alinhadas à nossa missão.
Estas 20 propostas advinham de 9 países diferentes, mas apenas Alemanha, Estados Unidos e Brasil/Equador terão projetos patrocinados, o que configura a doação como uma celebrável conquista. É possível notar certo alinhamento de lógica entre as propostas premiadas, como o fato de que todas elas prevêem o uso de mapeamento livre e a publicação em licenças livres.
Entre a data de publicação da chamada e o prazo para apresentação dos protótipos na reunião dos beneficiados, não haverá sequer 5 meses. Conforme afirmou Susan D’Antoni, assessora do presidente para iniciativas de REA na Universidade de Athabasca, “Os coordenadores dos projetos estão dispostos a serem contatados por colegas interessados, mas com a advertência de que estão bastante pressionados pelo curto tempo para completar seus trabalhos”.
O projeto
Inicialmente, haverá duas áreas de atuação, sendo o objetivo da primeira delas fornecer um mapa de até 5 dentre as mais relevantes iniciativas relacionadas a REA em cada um dos seguintes 24 países: Argentina, Chile, Guatemala, Colômbia, Guiana, México, Belize, Haiti, Nicarágua, Suriname, Bolívia, Costa Rica, El Salvador, Honduras, Panamá, Peru, Brasil, Cuba, Jamaica, Paraguai, Venezuela, República Dominicana, Equador e Uruguai.
Um estudo profundo de cada iniciativa será conduzido para obter informações sobre o número de recursos que possuem, o tipo de descrição (registros e metadados), o software utilizado, os serviços técnicos oferecidos (Search, RSS, OAI-PMH, SQI API services), a origem dos recursos, dentre outros. Ou seja, será elaborada uma pesquisa sistêmica com informações descritivas importantes.
O conteúdo das iniciativas pesquisadas consiste no chamado “ensino básico” (K-12, em inglês) nos idiomas português e espanhol. Esta definição busca combater a escassez de estudos e discussões globais sobre casos que não sejam referentes nem aos Estados Unidos, nem à Europa. Ao unir parcerias na América Latina, o projeto também pode ajudar a promover o intercâmbio de ideias e recursos entre estes países, sobretudo entre Brasil, o único lusófono, e os demais. Da mesma maneira, a opção pelo ensino básico contraria a tendência observada de se pesquisar apenas REA aplicados ao ensino superior.
Paralelamente, uma outra parte dos integrantes deverá fornecer uma meticulosa descrição e argumentação para a escolha de uma estrutura (framework) leve, de código aberto, baseada na web e de licença aberta, que seria a plataforma do mapeamento de iniciativas de REA em todo o mundo. Há uma outra importante opção a se destacar: a descentralização, ou federalização, em detrimento de um repositório central e unificado.
Fase 2
Após a reunião dos beneficiados, que ocorrerá em Abril, é possível que a Fundação Hewlett ofereça uma nova doação a um ou a alguns dos projetos já contemplados. Ainda que estejam indeterminadas estas informações, a continuidade de ao menos um projeto é esperada, já que todos serão protótipos de sistemas de mapeamento de todas as iniciativas globais em REA.
Neste momento, o foco do grupo será a construção da infra-estrutura definida que permitirá que sejam colhidos e conectados os múltiplos portais e iniciativas através de uma teia abertamente interligada de dados e de valores semânticos.
Por ser federado e descentralizado, o objetivo é permitir aos outros que “roubem este portal”, a fim de que façam a rede de recursos e a redundância dos dados crescerem. Dessa maneira, será permitido aos usuários a criação de coleções off-line para uso local dos REA, dado que a qualidade das conexões de Internet ainda é precária em algumas regiões da América Latina.
Realizadores
Tel Amiel é pesquisador do Núcleo de Informática aplicada à Educação (NIED/Unicamp. É coordenador do grupo de trabalho Educação Aberta, focado em realizar pesquisa e desenvolvimento em torno de configurações emergentes de ensino aprendizado envolvendo ambientes formais e não formais. Possui particular interesse na escola pública de ensino básico e atividades envolvendo novas mídias.
Everton Zanella Alvarenga é diretor executivo da Open Knowledge Brasil e tem participado nos último anos de diversos projetos que envolvem conhecimento livre, desde o desenvolvimento de softwares, até o acesso a recursos educacionais abertos. Trabalhou como consultor para a Wikimedia Foundation coordenando o Programa Wikipédia no Ensino no Brasil e trabalha com a Open Knowledge Foundation desde 2011, quando a sessão brasileira da organização foi proposta. Co-criou o projeto Stoa da Universidade de São Paulo, que visa criar um espaço público para a troca e produção de conhecimentos com foco em educação e ciência, e vem apoiando diversos projetos no contexto do movimento da cultura livre.
Xavier Ochoa é professor de Ciências da Computação na Escuela Superior Politécnica del Litoral (ESPOL), em Guayaquil, Equador. Junto a outros investigadores da região, coordena LACLO, a Comunidade Latino-Americana de Objetos e Tecnologías de Aprendizagem. Nesta comunidade nasceu a Iniciativa Latino-Americana de Livros de Textos Abertos (LATIn). Esta iniciativa busca a utilização de livros de texto de nível universitário, produzidos de maneira colaborativa e aberta por professores da região. Além deste projeto, Xavier participa da direção técnica de vários repositórios de material educativo a nível mundial, como é o caso de LA FLOR, na América Latina; ARIADNE, na Europa; e GLOBE, a federação mundial de repositórios. Seus interesses no campo da investigação estão ao redor de Tecnologias Educativas e, concretamente, em Analítica da Aprendizagem e Informática (medição da ciração e do consumo de informação).
Priscila Gonsales: Fellow Ashoka, máster em Educação, Família e Tecnologia pela Universidade Pontifícia de Salamanca -Espanha, cursou Design Thinking no Centro de Inovação e Criatividade da ESPM-SP, tem pós-graduação em Gestão de Processos Comunicacionais pela ECA-USP e graduação em Jornalismo. Co-fundadora do Instituto Educadigital, atua na área de educação e tecnologia desde 2001. Como pesquisadora do CENPEC, coordenou o Programa EducaRede Brasil, uma iniciativa internacional de uso da Internet na educação presente em 8 países, que abrangia projetos de formação de educadores, comunidades virtuais de aprendizagem entre escolas, e elaboração de materiais didáticos de apoio, eletrônicos e impressos. Coordena o projeto REA.br desde 2011 e é uma das autoras do livro Recursos Educacionais Abertos.
Foto de capa: Rea Street, por Elliot Brown.