A torre de marfim trinca e a luz entra: USP mostra salários

19 nov de 2014, por OKBR

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A luz só penetra onde há transparência. A USP é referida por muitos como uma “torre de marfim”. E isto tem vários significados. Um deles pode ser também por agir como se estivesse erigida sobre ilha imune a leis e normas que regem a administração pública.

Broadway Tower Cotswolds (Wikimedia Commons)
Foto de Mik Reeve (Wikimedia Commons)

Mas isso começa a mudar por força da lei. A USP finalmente começa a divulgar informações salariais, mas primeiramente à Folha de S. Paulo e atendendo a uma decisão judicial depois de derrotada em duas instâncias. Com base nisso, o jornal disponibilizou um interessante Infográfico.

Há alguns problemas nos dados divulgados, como a falta de informação sobre o vencimento líquido, pois em muitos casos (como o meu) o desconto chega a cerca de 30% do salários, já que além do Imposto de Renda, há contribuição previdenciária ao estado e o pagamento ao IAMSPE, ambos obrigatórios. Também alguns salários aparecem abaixo do salário mínimo, o que pode ser erro da planilha, da importação ou processamento dos dados ou algum tipo de pagamento não explicado.

O avanço é ainda é muito pequeno, pois os dados não são detalhados, a busca no site da USP é ruim, tem um capcha no meio do caminho e só há informações sobre os meses de setembro e outubro de 2014. A base pode ser baixada em um arquivo em formato .txt.

Salários ilegais

É muito difícil calcular o que a USP gastou com os supersalários ilegais. Mas alguns dados permitem fazer estimativas grosseiras. Segundo o reitor, se USP tivesse aplicado o teto definido pelo STF (sem a inclusão das vantagens anteriores a 2003, ano em que se estabeleceu o teto), a economia seria de “apenas” 7 milhões ao mês. Se multiplicarmos isso pelo acumulado de meses até 2003, chegaremos a quase 1 bilhão de reais em valores atuais. Só que antes de 2013, a USP não aplicava qualquer teto. O dinheiro que foi irregularmente para o bolso dessa elite deve superar facilmente os 2-3 bilhões – sem o acesso aos dados reais, é dificil fazer um cálculo preciso. Mas é certo que o valor supera o propagado déficit da USP, de R$ 963 milhões – cujo cálculo é questionado pelos sindicatos.

A estrutura salarial assimétrica da USP é fortemente influenciada por um sistema de gratificações gradualmente incorporadas aos salários que cria uma elite cuja ascensão está ligada a manutenção do status interno das relações de poder. Na visualização abaixo, pode se ver claramente isso. Nota-se em cada Unidade uma estrutura salarial com base larga e pico estreito e longo, tal como uma catedral gótica. No alto da catedral, está a elite acadêmica que estabelece as regras e toma as decisões e que, de certa forma, é co-responsável pela situação da Universidade.

Elaborado por Ewout ter Haar (IF-USP)

Elaborado por Ewout ter Haar (IF-USP)

Thiago Veríssimo, funcionário da USP, também fez outras visualizações, separando docentes e funcionários. As visualizações mostram grandes desigualdades entre as Unidades e entre docentes e funcionários. Mas elas refletem também os problemas dos planos de carreira, a histórica desigualdade de recursos entre os Unidades e a precarização do trabalho nas novas faculdades. Isso ficará mais evidente quando forem cruzadas informações sobre a proporção de funcionários docentes e não-docentes, a distribuição do orçamento e a relação professor/aluno.

Há muitos dados que precisam ser levados ao público e que precisam ser estudados. No entanto, a USP ainda se nega a cumprir a lei e divulgar informações importantes como sobre seu patrimônio imobiliário, o orçamento detalhado e desagregado de cada uma das Unidades que a compõem ou mesmo o histórico das folhas salariais. Em todo caso, a luz começa a entrar pelas rachaduras da “torre de marfim”, mostrando que há urgência na modernização de sua gestão para que a universidade venha a se adequar a padrões republicanos mínimos de transparência.

Atualização: A análise do texto, assim como as visualizações, foram feitas com base nos dados publicados pela Folha de S. Paulo e depois no sítio da USP após a aplicação do teto pela USP – vide mensagem no comentário do artigo. Enquanto a USP não divulgar as folhas dos meses anteriores, não se saberá quem e o quanto se extrapolava do teto legal.