Por pedidos de informação pública anônimos

10 jun de 2017, por OKBR

Compartilhar

Por Fabiano Angélico e Ariel Kogan*

Pela Lei Brasileira de Acesso à Informação, que completa cinco anos de vigência em maio, o solicitante da informação – seja ele pessoa física ou jurídica – precisa informar seu nome e um documento à autoridade governamental. Tal obrigatoriedade vem se mostrando problemática, principalmente para jornalistas ou ativistas que buscam informações que podem revelar casos de corrupção ou de malversação de recursos públicos.

Em dezembro de 2016, o Brasil enviou o seu terceiro plano de ação aos membros da Aliança para Governo Aberto (OGP, na sigla em inglês) . Um dos objetivos assumidos pelo país é o de “criar novos mecanismos ou aperfeiçoar os mecanismos existentes de avaliação e monitoramento de transparência passiva da Lei 12.527 de 2011 no Governo Federal”. E um dos compromissos assumidos é “permitir proteção da identidade de solicitantes, em casos justificáveis, por meio de ajustes nos procedimentos e canais de solicitação”.

Há diversos relatos de ameaças, sutis ou agressivas, demissões e outros tipos de represálias. Integrante de uma ONG, Renato utilizou o sistema de pedido de informação de um governo estadual para solicitar informações sobre a Polícia Militar daquele estado. Um coronel da PM responde ao ativista em tom de ameaça, chegando a mencionar os financiadores da organização da qual Renato faz parte. A funcionária pública federal Joana pede informações a um ministério sobre um determinado contrato, bastante controverso. Bem pouco tempo depois é exonerada de um cargo de chefia, durante suas férias, sem comunicado prévio. João, funcionário de uma empresa pública estadual, desconfia que a cúpula da empresa está desviando dinheiro. Ele pede então a seu irmão para fazer pedidos de acesso à informação. Depois disso, é demitido por justa causa, por desobediência. Por ameaças, Maria tem medo de solicitar informações sobre a execução orçamentária de seu município e, por conta disso, encontra pela internet outra pessoa na mesma situação em uma cidade muito distante, cada uma faz o pedido pela outra, tornando dessa maneira o pedido mais seguro para ambas. O jornalista Manoel pede informações, via LAI, a uma prefeitura, sem se identificar como jornalista. Em poucos dias, o secretário municipal de Comunicação lhe telefona e, em um tom pouco cordial, diz que não é necessário usar a LAI para obter dados.

Todos os nomes acima são fictícios. Os casos relatados, porém, são reais, infelizmente. Além de exonerações e ameaças, a identificação do solicitante leva o Estado a responder a pedidos de informação de acordo com o “status” dele.

Pesquisas em diversos países, incluindo o Brasil, apontam que um mesmo pedido de informação é respondido de maneira mais completa quando o solicitante se identifica, por exemplo, como pesquisador de uma influente universidade do que se ele apenas coloca o seu nome, sem mais informações.

Todos esses casos demonstram que a identificação do requerente de informação pode ter consequências pouco republicanas.

Nesse contexto, é fundamental construir mecanismos que permitam e estimulem o exercício do direito à informação de forma mais segura, se necessário anônima e mais enriquecedora para todos, permitindo o controle social em muitas situações críticas.

A Lei de Acesso à Informação pode ser uma excelente ferramenta para a identificação e a apuração de suspeitas de desvio do dinheiro público, de fraudes em contratos ou outras situações de ilegalidade nos órgãos públicos.

Entretanto, para essa lei ser efetiva, é fundamental assegurar garantias ao solicitante. Acreditamos que esse será o próximo grande desafio no processo de implementação da LAI.

*Fabiano Angélico é consultor em transparência e integridade e autor do livro “Lei de Acesso à Informação: Reforço ao Controle Democrático”.

*Ariel Kogan é diretor executivo da Open Knowledge Brasil (OKBR).

Texto original publicado no Nexo


Anonymous requests for public information
It is critical to build mechanisms that allow and promote the exercise of right to information access in a way that is safe to Information Access Act users

According to the Brazilian Information Access Act, which has been effective for five years this May, the information requesting party – either an individual or an entity – needs to inform its name and a document number to the government authority. This obligation has shown to be problematic, especially for journalists and activists who search for information that might uncover cases of corruption or misappropriation of public resources.

Brazil submitted its third action plan to Open Government Partnership in December of 2016. One of the country’s commitments is to “create new mechanisms or improve existing mechanisms to evaluate and monitor the passive transparency of Law 12.527 of 2011 in the Federal Government”. Another commitment is to “safeguard the requesting party’s identity under excusable cases through adjustments in request procedures and channels”.

Several cases of subtle or aggressive threats, employee termination and other kinds of reprisals have been reported. Member of a non-governmental organization (NGO), Renato used a state government’s system to request information on their military police. A military police officer responded to his request with a threatening tone. The officer even mentioned the names of the fundraisers of the NGO of which Renato is a member. Joana, a federal government public employee, requested a ministry information about a quite controversial contract. Shortly afterwards and without previous notice, she was dismissed from her leadership position while she was on vacation. João, a state company public employee, suspected that the company’s top executives were misusing public funds. He asked his brother to request information access. He was then discharged with cause for disobedience. Feeling threatened, Maria was afraid to request information about the budget execution of the town where she lived. Searching the Internet, she found another person who lived in a very distant town who was in a similar situation. They then decided to exchange favours, and one requested information on behalf of the other. It was safer for both of them. Manoel, a journalist, requested information from a city hall via the Information Access Act. However, he didn’t inform that he was a journalist. In a few days, the municipal secretary of communications called him and, is a less than cordial tone, said that Manoel didn’t need to use the Information Access Act to collect data.

All names mentioned above are fictitious. The reported cases, however, are unfortunately real. In addition to discharges and threatens, the requesting party identification leads the government to respond to information requests according to the requesting party “status”.

Research in several countries, including Brazil, shows that the response to a same information request is more complete when the requesting party is identified as an investigator from a renowned university, for example, than when the individual is identified just by his/her name.

These cases demonstrate that the identification of the requesting party may have not very republican consequences.

It is, therefore, critical to develop mechanisms that allow and promote the exercise of right to safely and, if necessary, anonymously access information. This would be enriching for all and would allow social control in many critical situations.

The Information Access Act may be an excellent tool to identify and monitor suspicions of misuse of public resources, contract frauds, or other improprieties in public agencies. For this law to be effective, however, it is essential that the requesting party is safeguarded. We believe this will be the next great challenge to the Information Access Act implementation process.

Fabiano Angélico is a transparency and integrity adviser and author of the book “Lei de Acesso à Informação: Reforço ao Controle Democrático” (Information Access Act: Reinforcement for the Democratic Control).

Ariel Kogan is managing director of Open Knowledge Brasil (OKBR).

Tradução: Maria Augusta Tedesco