Por Vitor Baptista*
O Brasil é um dos países mais desenvolvidos no mundo no quesito dados abertos. De acordo com o Global Open Data Index, estamos em 8º lugar entre os países com maior transparência. Muito disso é devido à Lei de Acesso à Informação (LAI), que está completando 6 anos em vigor, e garante a disponibilização das informações públicas.
Ela é uma das mais importantes ferramentas de controle social, com mais de 500 mil pedidos já feitos só a nível federal. A LAI não restringe pedidos a nenhum cidadão. Todos podem solicitar informações, mas tem uma condição: a identificação do solicitante.
Essa identificação abre a possibilidade de represálias. A organização Artigo 19 lançou na última semana semana o relatório “Identidade revelada: Entraves na busca por informações públicas no Brasil” que contém relatos de 16 casos em que o tratamento dos servidores à um pedido de informação foi diferenciado porque sabiam da identidade do solicitante.
As represálias incluem constrangimentos, intimidações e até perseguições. Dentre os casos citados está o do jornalista Luiz Fernando Toledo, que descobriu que o chefe de gabinete da Secretaria de Comunicação de São Paulo afirmou dificultar a liberação de dados para jornalistas, tentando fazer que desistam da matéria.
O problema não é exclusivo do Brasil, e pode ter consequências mais graves. Recentemente um jornalista investigativo e sua noiva foram assassinados na Eslováquia. A suspeita é de que sua identidade foi vazada por um servidor público, ao perceber que ele estava investigando um potencial relacionamento da máfia italiana com o governo eslovaco.
Todos esses casos poderiam ser evitados com uma medida simples: pedidos de informação anônimos.
O governo brasileiro tem como um dos seus compromissos na Aliança para o Governo Aberto (em inglês, OGP) “(…) permitir a proteção da identidade dos solicitantes, em casos justificáveis, por meios de ajustes nos procedimentos e canais de solicitação”.
A única forma de garantir que a identidade dos solicitantes não seja conhecida é permitindo pedidos anônimos. Como a Lei de Acesso à Informação não permite isso, as pessoas que querem proteger sua identidade recorrem a seu círculo de amizades. Ao invés de fazer o pedido em seu nome, a pessoa pede para algum conhecido que não tenha relação com o órgão (melhor ainda se ela morar em outro Estado).
Isso funciona, mas exige a boa vontade de um amigo, que pode ainda estar se arriscando ao fazer o pedido em seu nome. É possível fazer melhor.
Com o apoio da Open Knowledge Brasil, um grupo de ativistas está desenvolvendo um sistema que irá permitir à população fazer pedidos de acesso à informação sem revelar sua identidade. O funcionamento é bem parecido com pedir que um amigo faça o pedido no nome dele, só que sem colocar ninguém em risco. Funciona assim:
- Você acessa um website nosso, escolhe o órgão e escreve o pedido
- O website gera um número de protocolo. É esse número que te permite acompanhar o pedido.
- Como esse website é nosso, não exigimos nenhuma forma de identificação nem guardamos logs dos acessos. Nem sequer nós mesmos sabemos quem fez o pedido. Essa é a única forma de garantir a anonimidade do cidadão.
- Esse pedido passa por moderação para confirmar que é válido e não (por exemplo) uma ameaça anônima.
- Passando pela moderação, o sistema cria o pedido no sistema do órgão em questão, usando o nome de uma organização que doou sua identidade (e.x. Open Knowledge Brasil).
- O sistema então monitora o pedido no sistema do órgão, cadastrando quaisquer respostas no nosso sistema. Assim, na próxima vez que o usuário consultar o pedido pelo seu número de protocolo, ele verá as respostas do órgão.
Do ponto de vista do órgão, quem está fazendo o pedido é a organização. Dessa forma, garantimos o anonimato do solicitante real, permitindo que qualquer pessoa possa exercer seu direito à informação sem medo de represálias. No futuro, esperamos que mais organizações “doem” sua identidade, evitando que todos os pedidos estejam em nome de uma única organização.
O projeto ainda está em desenvolvimento e traz no nome a inspiração de um antigo projeto da Open Knowledge que também tinha por objetivo facilitar os pedidos de acesso à informação no Brasil: o Queremos Saber. Em breve lançaremos uma versão inicial com suporte a alguns órgãos públicos. Para sua expansão, porém, precisaremos de sua ajuda.
Você consegue ajudar no desenvolvimento ou teste das ferramentas? Quer entender como pode ajudar o projeto “doando” a identidade de sua organização, para que os pedidos sejam feitos no nome dela? É ou conhece algum potencial financiador? Ou simplesmente tem alguma sugestão ou dúvida? Entre em contato conosco escrevendo para queremossaber@ok.org.br.
Quanto menor o medo, maior a participação da população e maior a efetividade da Lei de Acesso à Informação.
Esse é o nosso presente de 6 anos para a LAI.
* Vitor Baptista é membro associado da Open Knowledge Brasil e foi desenvolvedor da Open Knowledge Internacional.