Carta da Rede de Transparência e Participação Social (RETPS) contra um dos vetos da Lei 13.709/2018

20 ago de 2018, por OKBR

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A Rede de Transparência e Participação Social (RETPS), da qual a Open Knowledge Brasil faz parte, manifesta-se contra o veto do inciso II do artigo 23 da Lei 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Veja a íntegra da carta abaixo:

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Nesta última terça-feira (14/08), o presidente Michel Temer sancionou parcialmente a Lei No 13.709/2018, que versa sobre a proteção de dados pessoais no Brasil. Um dos vetos do presidente, suprimindo o inciso II do artigo 23, é, na opinião desta rede, extremamente prejudicial ao direito à informação no Brasil.

Com a Lei de Acesso à Informação (Lei Federal no 12.527/2011), surge um importante instrumento que garante a chamada transparência passiva dos órgãos públicos¹: os pedidos de informação. Qualquer cidadão pode solicitar uma informação ao poder público mediante identificação mínima por meio de nome, documento de identidade e contato para resposta. Se certamente a LAI é um avanço louvável na concretização do direito à informação no Brasil, ainda há importantes lacunas em sua execução que nos fazem pensar que sua implementação deva ser aprimorada.

Uma dessas lacunas se refere à proteção da identidade ou identificação do solicitante de informações. Nos termos do inciso vetado, os órgãos da administração pública ficariam proibidos de compartilhar dados relativos à identidade dos usuários do sistema de acesso à informação, tanto no âmbito do próprio setor público, quanto com entes de direito privado. Isto significa que, apesar de a identificação para a realização do pedido ainda ser obrigatória nos termos da LAI, os dados pessoais não seriam compartilhados com o órgão solicitado, tornando impossível saber quem fez qual pedido. Esta medida asseguraria a privacidade dos solicitantes de informação, que, por vezes, se sentem constrangidos a utilizar o sistema por conta da obrigatoriedade de identificação em um contexto em que seus dados pessoais não são devidamente protegidos.

Um caso emblemático sobre como o compartilhamento de dados pessoais pode ser nocivo ao direito de acesso à informação foi relatado em novembro de 2017 em reportagem do Estado de São Paulo. Na ocasião, foram revelados áudios de reuniões da Prefeitura de São Paulo em que os participantes deliberavam sobre o atendimento a pedidos de acesso à informação, e um dos presentes abertamente relatava sua indisposição para responder pedidos de jornalistas, referindo-se a cada um deles nominalmente.

Em estudo recente da organização ARTIGO 19, foram coletados 16 casos que evidenciam a recorrência desse tipo de situação. Ao obter acesso aos dados pessoais de quem pedia informações, alguns servidores públicos atuaram de maneira discriminatória, respondendo os pedidos de maneira incompleta (por acreditar que o requerente iria utilizar a informação para fazer uma denúncia ou notícia, por exemplo), contatando o requerente de maneira indevida (via telefone, redes sociais ou pessoalmente, por exemplo), ou intimidando, ameaçando e constrangendo os requerentes de informação. Esse cenário de violações se repete apesar de o princípio da impessoalidade da administração pública, explicitamente referendado pela LAI, preconizar que a identidade não deve influenciar no provimento de informação, direito constitucional garantido a qualquer cidadã ou cidadão. Todos esses problemas inibem o uso dos mecanismos de acesso à informação e desincentivam a prática democrática do controle social e da participação dos cidadãos na vida política.

Além de a própria negação do direito à proteção da identidade dos requerentes de informação, no contexto de uma Lei de Proteção de Dados Pessoais, ser uma contradição em termos, as justificativas apresentadas para o veto não citam especificamente a LAI, que é objeto central e manifesto do artigo 23. Argumenta-se que o compartilhamento de informações pessoais entre órgãos do setor público e com entes privados é essencial para a execução de políticas públicas, questão que, além de estar contemplada no próprio caput do artigo 23, nada tem a ver com o direito de acesso a informações governamentais de que trata o inciso II.

Dados os motivos apresentados, é imperativo que o congresso nacional se atente para a relevância do tema e derrube o veto presidencial ao Inciso II do Artigo 23, garantindo, assim, a proteção e preservação dos dados pessoais dos requerentes de informação em todo Brasil.

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[1] Aqui, incluem-se também empresas públicas e de capital misto; autarquias e organizações sem fins lucrativos que exerçam função pública ou recebam financiamento público.