Na quarta entrevista da série sobre os processos de abertura de dados da Covid-19, a Open Knowledge Brasil e o Instituto de Governo Aberto conversam com Rogério de Sá Nogueira, Subcontrolador-Geral de Transparência e Ouvidoria do Estado do Amazonas.
Em 21 de agosto, o estado do Amazonas chegou pela primeira vez aos 100 pontos no Índice de Transparência da Covid-19, alcançando a liderança do levantamento, compartilhada atualmente com outros quatro estados. Na primeira aplicação, em abril, a situação era inversa: considerado opaco, o estado obteve apenas 17 pontos e chegou a ser cobrado por uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Estado do Amazonas (MP/AM).
Para falar sobre esse processo de abertura, a Open Knowledge Brasil (OKBR) e o Instituto de Governo Aberto (IGA) conversaram com o Subcontrolador-Geral de Transparência e Ouvidoria do Estado do Amazonas, Rogério de Sá Nogueira. Rogério ocupa a função desde 2019. É advogado e especialista em Planejamento Governamental e Orçamento Público pela Universidade do Estado Amazonas (UEA) e atua há dez anos na Controladoria do Estado do Amazonas coordenando a política de transparência, com experiência no Tribunal de Contas do Estado. Em 2011, presidiu a Conferência Estadual sobre Transparência e Controle Social.
Durante a entrevista, o Subcontrolador apresentou avanços e desafios que a gestão de dados do Amazonas tem enfrentado durante a pandemia, contou sobre a rotina da transparência neste período e destacou o trabalho intersecretarial dos órgãos envolvidos nas políticas de transparência sobre o tema, além de apontar os legados para a transparência deixados pelo enfrentamento do coronavírus.
OKBR/IGA: Considerando que o Estado do Amazonas tem se destacado no Índice de Transparência da Covid-19, quais foram os avanços na gestão da informação durante a pandemia?
No início da pandemia, ocorreu uma sede muito grande por informação em relação aos dados epidemiológicos. A transparência pública ganhou uma importância fundamental e passou a ser a ferramenta principal de diálogo com a sociedade e imprensa. Essa demanda ajudou no envolvimento direto da alta gestão do governo do estado nas ações de transparência.
Além disso, houve o comprometimento de toda a gestão da política de transparência, superando o modelo comum em que cada gestor está mais dedicado à sua própria política pública. Durante a pandemia, a transparência passou a ser fundamental para todos os gestores.
Também, houve avanços na publicação de dados abertos e na qualidade desses dados. Tínhamos muitas informações disponíveis nos portais, mas elas não se conversavam. Com as avaliações, houve ganhos na organização, nas ferramentas de disponibilização e nos microdados, que são importantes para pesquisas e monitoramento do comportamento no vírus no Amazonas.
OKBR/IGA: Quais as dificuldades encontradas na abertura de informação da Covid-19?
O Estado do Amazonas tem dimensões continentais e os desafios por aqui foram do tamanho do nosso estado. Apesar de não termos muitos municípios, são 62, enfrentamos dificuldades no diálogo com eles por conta de questões logísticas e de acesso à internet, o que dificultou a coleta de dados. Outro desafio foi obter, conscientizar e criar uma cultura de produção de dados. No início da pandemia, o estado teve um crescimento muito acentuado da doença. Por isso, foi difícil convencer os servidores que estavam na ponta, trabalhando no atendimento, sobre a importância de registrar os dados nos sistemas disponibilizados. Também foi complicado o diálogo com alguns hospitais da iniciativa de privada, o que dificultou a coleta dos dados produzidos por eles. Também enfrentamos dificuldades com os microdados, mas quando conseguimos superá-las tivemos a grata satisfação do primeiro lugar no Índice de Transparência da Covid-19.
OKBR/IGA: Quais sistemas adotam na gestão da informação do Estado do Amazonas?
Em virtude da dificuldade de diálogo com os municípios do interior, das distâncias e internet precária, tivemos que usar na coleta de dados o formulário do Google, além da base do e-SUS.
Após as avaliações das organizações, a Fundação de Vigilância em Saúde desenvolveu o Power BI com dados da pandemia para que tivéssemos uma publicação e gestão da informação mais amigável. Inovamos em algumas coisas e adotamos alguns atalhos para centralizar essas informações.
Na gestão da informação, o Estado Amazonas também contou com o apoio de uma empresa de processamentos de dados que auxilia a Controladoria nas questões tecnológicas do Portal da Transparência. A empresa, em diálogo com a Fundação de Vigilância em Saúde, foi responsável por desenvolver a migração dos dados do Power BI para o Portal da Transparência.
OKBR/IGA: Como é da gestão da informação no dia-a-dia?
No Estado do Amazonas, a Controladoria coordena a política de transparência e gere o Portal da Transparência, disponibilizando os canais necessários para que as informações cheguem ao portal de forma centralizada e organizada. Já a coordenação da produção, coleta e gestão de dados da Covid-19 é feita pela Fundação de Vigilância em Saúde, em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas.
De forma geral, temos coordenado a política nos colocando no lugar do consumidor da transparência e do usuário do serviço público. Verificamos o que precisa evoluir, quais são as dificuldades e então dialogamos com a área técnica de tecnologia da informação para que adote a melhor solução.
No início, foi preciso vencer a resistência de algumas secretarias, pois já sofremos uma fiscalização grande dos órgãos de controle e as avaliações das organizações cobram informações ainda mais detalhadas. Nesse sentido, a CGE assumiu um papel fundamental de fomentar o controle social, o diálogo com a sociedade e desmistificar as avaliações, mostrando a importância das organizações da sociedade civil para que o poder público avance em transparência. Depois de um tempo, o diálogo ficou mais estreito e houve maior fluidez.
OKBR/IGA: Como é feita a comunicação entre as equipes?
Para começar, foi preciso um diálogo mais próximo com a saúde, pois estavam tentando salvar vidas e nós precisávamos mostrar que a transparência era essencial para a gestão da saúde. Por isso, fizemos reuniões presenciais e por videoconferência. Com o tempo, o diálogo passou a funcionar por meio de grupos de Whatsapp.
Hoje, fazemos o acompanhamento semanal, passamos orientações, aguardamos os resultados tanto do Índice de Transparência da Covid-19 da Open Knowledge Brasil quanto da Transparência Internacional, além de atendermos às demandas locais dos órgãos de controle por meio dos grupos de Whatsapp.
Quando precisamos de uma melhoria, falamos diretamente com os responsáveis pela tecnologia da informação da Secretaria de Saúde e da Fundação de Vigilância em Saúde. Todo esse diálogo gerou um estreitamento da relação com esses atores a partir do aval da alta gestão desses órgãos.
OKBR/IGA: Como funciona a coleta de dados da população indígena?
Pra falar dos povos indígenas, preciso contextualizar sua importância social e cultural para o Amazonas. Segundo dados do IBGE de 2010, o estado tem a maior população indígena do Brasil com 63 etnias e 183.514 indígenas. Eles representam aproximadamente 5% de toda a população do Amazonas e aproximadamente 20% vive em comunidades indígenas urbanas, de modo que a estrutura federal não é suficiente para atendê-los.
Tínhamos grande preocupação em relação às medidas de higiene e segurança devido aos aspectos culturais. No hospital de campanha, por exemplo, criamos uma ala específica para atender às peculiaridades dos povos indígenas.
Além disso, realizamos um trabalho de ajuda humanitária com a entrega de cestas básicas e materiais de higiene como álcool em gel, máscaras e equipamentos de proteção. A Fundação Estadual do Índio atuou para conscientizar a população indígena sobre a pandemia de Covid-19.
Para a produção e coleta de dados dessa população, contamos com o apoio dos órgãos federais, especialmente da Secretaria de Saúde Indígena, além da Secretaria Estadual de Saúde e da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas.
OKBR/IGA: No processo de coleta e sistematização de dados indígenas, há algum protocolo ou orientação específicos?
Apesar do campo sobre cidadão indígena não ser obrigatório no sistema e-SUS, em virtude da grande quantidade de amazonenses indígenas, resolvemos tratar esse dados como obrigatórios para que pudéssemos ter um melhor acompanhamento da pandemia e traçar melhores estratégias de prevenção e combate.
OKBR/IGA: Vocês tem planos para melhoria da gestão da informação e da publicação de dados?
Assim que conseguirmos nos desatrelar das demandas dos dados da Covid-19, vamos priorizar o novo Portal da Transparência. A tecnologia atual é de 2016 e já está defasada. Além disso, temos muitas informações, mas reconhecemos que precisamos melhorar ferramentas e usabilidade para oferecermos informação mais amigável, responsiva e que permita acesso por navegadores como o Safari.
Além disso, queremos avançar na transparência em geral e nos dados abertos, garantindo que a política funcione de forma fluida, completa e cultural nos órgãos de governo. Para isso, temos pretensões de lançar uma nova legislação estadual de transparência ativa com procedimentos e compromissos mais claros.
Também iremos produzir um manual de transparência para que os órgãos de governo compreendam que a transparência é transversal, multidisciplinar, depende de vários sistemas e bases de dados, facilitando assim a compreensão sobre o papel de cada gestor, setor e órgão na política de transparência.
OKBR/IGA: Qual o legado do diálogo interno sobre transparência construído durante a pandemia?
Falar de transparência ainda é lutar contra aspectos culturais e geracionais dentro da gestão pública, que exigem um trabalho de convencimento e sensibilização, mas sairemos da pandemia com um grande legado de diálogo e esclarecimento sobre a transparência pública, um diálogo interessante, estreito e consciente de que é possível avançar mais.
Além da área de Saúde, a Secretaria de Estado de Fazenda foi um grande ator institucional que contribuiu para transparência das contratações emergenciais. Esse processo evidenciou entraves e oportunidades de melhoria na disponibilização de dispensas, contratos, entre outros.
OKBR/IGA: Qual a importância dos dados na gestão da crise e de que forma a sociedade civil pode contribuir nesse processo?
Os dados foram essenciais para que pudéssemos traçar melhores estratégias de prevenção e combate para o enfrentamento da crise. De modo geral, a transparência é importante para a disponibilização de insumos para melhores decisões governamentais.
Os próprios resultados positivos das avaliações nos ajudaram também com a imprensa. Recentemente, o Jornal Nacional divulgou indevidamente que o Amazonas estaria passando por um novo pico da Covid-19. Felizmente, os dados mostram que a pandemia está se encerrando por aqui. No caso, o Ministério da Saúde alterou os critérios para as confirmações de Covid-19, passando a incluir dados clínicos, por imagem, tomografias e exames laboratoriais. Com isso, pessoas que eram assintomáticas e morreram com coronavírus, passaram a ser consideradas. Isso gerou a grande polêmica porque óbitos de março, abril e maio passaram a integrar os números de mortes por coronavírus em agosto.
As avaliações deram mais credibilidade para as informações que estamos produzindo e para o trabalho com transparência que estamos realizando no estado. Por isso, consideramos que o relacionamento com as organizações como a Open Knowledge Brasil e a Transparência Internacional foi muito relevante para apontar melhores caminhos. Nós temos nossa visão e procuramos fazer o dever de casa, mas nada melhor que a própria sociedade mostrar onde é preciso avançar. Esperamos que, passada a pandemia, esse diálogo construtivo e salutar com a sociedade civil continue.