Em janeiro de 2021, Manaus viveu uma nova onda de contágios de coronavírus que contribuiu para o segundo colapso do sistema de saúde do Amazonas e à falta de oxigênio em hospitais
Por Beatriz Farrugia
“Nós estamos em uma situação deplorável. Simplesmente acabou todo o oxigênio de uma unidade de saúde. Não tem oxigênio, é muita gente morrendo”. Foram essas palavras de desespero que apareceram em um vídeo compartilhado nas redes sociais no dia 14 de janeiro de 2021. Nas imagens, uma mulher implorava por suprimentos para hospitais de Manaus em meio à pandemia de COVID-19. Era a segunda vez em 10 meses que a capital do Amazonas registrava um pico de contágios e entrava em colapso.
Diferentemente do primeiro colapso, ocorrido em abril de 2020, quando o aumento no número de mortes fez com que acabassem os espaços em cemitérios, levando a Prefeitura de Manaus a abrir valas comuns para as vítimas do coronavírus, o segundo colapso, em janeiro de 2021, foi marcado pelo desabastecimento de cilindros de oxigênio hospitalar, substância essencial para pacientes com quadros moderados e graves de coronavírus.
Ainda que os hospitais especializados e UTIs de Manaus sejam incumbência do governo do estado do Amazonas, informações coletadas por meio da API do Querido Diário, iniciativa da Open Knowledge Brasil para disponibilizar os Diários Oficiais de 12 capitais brasileiras, apontam que a Prefeitura de Manaus, responsável pelo sistema básico de saúde e pelo regimento de estabelecimentos comerciais locais, não só adotou medidas contraditórias nas oito semanas anteriores ao colapso como também criou um comitê de combate à pandemia apenas dois dias antes de o sistema ruir.
Em 26 de novembro de 2020, foi publicado no Diário Oficial o edital de contratação, por seis meses, de 20 profissionais técnicos de patologia clínica para atuar nos Estabelecimentos Assistenciais de Saúde (EAS) no combate à COVID-19. No dia seguinte, no entanto, o Diário Oficial estabeleceu os procedimentos para a reabertura de restaurantes, padarias e supermercados, medidas que afrouxam o isolamento social.
Somente a partir de 7 de janeiro de 2021 as publicações no Diário Oficial apontaram uma constância nas medidas consideradas por especialistas como positivas para a gestão da pandemia, como a contratação de mais médicos e técnicos em patologia, abertura de licitação para compra de equipamentos de proteção a servidores do sistema SOS Funeral e até a criação de um Comitê Intersetorial de Combate à COVID-19. Estas medidas, no entanto, foram tomadas apenas uma semana antes do colapso.
O gráfico a seguir, que pode ser visualizado completo ou separado por mês, mostra as informações coletadas no Diário Oficial de Manaus entre os dias 17 de novembro de 2020 e 28 de janeiro de 2021. Foram analisadas as medidas que apresentavam os termos “pandemia”, “coronavírus” e “COVID-19”.
Cada medida foi classificada de acordo com o impacto no isolamento social e na contenção do vírus. Elas receberam o selo de “positivas” (tag verde) quando seguem as recomendações científicas para conter a pandemia; “neutras” (tag cinza) quando não geram impacto no comportamento social; “tardias” (tag amarela) quando, apesar de seguirem as recomendações científicas, foram tomadas em atraso e poucos dias antes do colapso; e “negativas” (tag vermelha) quando afrouxam as medidas de isolamento social.
De acordo com o infectologista Bernardino Albuquerque, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), no início da pandemia em 2020, as cidades não estavam preparadas para lidar com os casos de coronavírus, o que contribuiu para o primeiro colapso do sistema de saúde.
No segundo, apesar de já existirem indicações científicas sobre medidas eficazes para reduzir a taxa de contágios de COVID-19, Albuquerque destaca que a descrença das autoridades foi um dos fatores que levaram à crise no estado.
“As autoridades não acreditavam muito na ocorrência de uma segunda onda de contágio, e isso acabou influenciando também o comportamento da população”, disse Albuquerque, citando episódios como violações das regras de isolamento social, mega feriados, aglomerações e campanhas eleitorais no segundo semestre de 2020.
Para Albuquerque, as autoridades precisavam estar “preparadas para o pior cenário” e atuando no fornecimento de insumos, na quebra das cadeias de transmissão do vírus, na testagem em massa e na mobilização de todas as redes de apoio, incluindo ONGs e a realização de mutirões, para a vacinação.
Em resposta a um pedido de Lei de Acesso à Informação (LAI), a Prefeitura de Manaus disse que “os esforços envidados por esta Secretaria Municipal de Saúde, no sentido de fortalecer as ações de combate à pandemia de Covid-19, mitigar a doença e as sequelas por ela causada, são constantes e prioritários”.