O comprometimento com a transparência e a garantia de acesso à informação, especialmente de pessoas candidatas às eleições de 2022, foram os temas abordados na entrevista que Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da Open Knowledge Brasil (OKBR), publicada nesta terça-feira (13/9) no jornal O Globo.
Membro da Comissão de Transparência Eleitoral (CTE) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a pesquisadora destacou a falta de um compromisso mais abrangente das campanhas com a transparência. “O fortalecimento das instituições de transparência precisa estar na agenda dos candidatos”, comentou Fernanda.
A diretora-executiva da OKBR também sinalizou que a abertura dos dados públicos e o acesso à informação ainda são diretrizes genéricas nos planos de governo. “Temos que encarar a transparência como qualquer outra política pública. Ela precisa de planejamento, de investimento, de acompanhamento”, explicou.
Não por acaso, a mais nova mobilização da OKBR, a campanha #CartaPorUmGovernoEstadualAberto, pede que os candidatos ao governo estadual assinem uma carta-compromisso e se comprometam publicamente com a transparência e uma política de dados abertos durante o mandato de 2023-2026.
A diretora da OKBR também chamou a atenção para o risco de maus exemplos vistos em nível federal, como o orçamento secreto, serem reproduzidos em outras instâncias do governo. Leia a entrevista completa abaixo!
Com exemplo federal, orçamento secreto pode se espalhar para os estados, alerta diretora de ONG pró-transparência
Para Fernanda Campagnucci, da Open Knowledge Brasil, fortalecimento das instituições responsáveis por prestação de contas e acesso à informação precisa estar na agenda de candidatos das eleições deste ano
Diretora-executiva da Open Knowledge Brasil e integrante da Comissão de Transparência Eleitoral (CTE) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a jornalista Fernanda Campagnucci alerta para a necessidade de se cobrar o comprometimento com a transparência e acesso à informação, especialmente de candidatos a governador e deputado estadual, representantes de uma instância com desafios ainda maiores que a federal.
Não à toa a Open Knowledge tem feito uma mobilização para que candidatos a esses cargos assinem uma carta-compromisso para ações como a aplicação do direito de acesso à informação pública e da Lei de Acesso à Informação (LAI). Os gargalos nos estados são grandes e são vistos em áreas como a Segurança Pública, diz Campagnucci.
Em entrevista ao GLOBO, a pesquisadora chama atenção ainda para o risco de maus exemplos vistos no nível federal, como o orçamento secreto, serem reproduzidos nas demais instâncias governamentais e ressalta que a transparência é a principal defesa das instituições contra ataques à integridade do processo eleitoral.
Que espaço a agenda da transparência tem hoje no debate eleitoral no Brasil?
O debate é permeado pela discussão da corrupção há bastante tempo, mas existe uma dificuldade de passar do discurso mais moralista sobre a corrupção para um propositivo, de como prevenir e combater a corrupção. O que a gente está propondo, além de buscar pautar esse assunto nas propostas de governo e nos debates, é fazer avançar algo que já deveria ser mais bem resolvido, porque estamos completando agora dez anos da Lei de Acesso à Informação (LAI) e muitos locais ainda não estão plenamente cumprindo essa legislação. Não se trata só de pedido de informação, da necessidade de os órgãos os responderem, mas da transparência ativa, que é a publicação de dados de forma proativa. E não são só dados sobre gastos públicos, mas também sobre as políticas públicas, sobre educação, saúde, segurança pública.
O foco da mobilização são os governos estaduais. Na comparação do governo federal, os estados estão muito atrás em transparência?
O governo federal tem mecanismos mais avançados, mas ainda temos uma infraestrutura muito precária de dados no país que poderia ser um espaço de articular e induzir a abertura de dados em todos os estados e municípios. A gente não tem uma verdadeira liderança nacional para avançar nesse aspecto. É uma situação muito parecida com a que a gente viu na pandemia, em que o Ministério da Saúde poderia ter tomado a frente. Nos estados, esses mecanismos ainda dependem da boa vontade do governante. Temos algumas áreas, como a segurança, em que ainda temos dificuldade de ter dados básicos para acompanhar as políticas.
Falta planejamento?
Falta um compromisso de transparência mais abrangente do que só responder ao pedido de informação. A gente não vê isso de forma consolidada em nenhum estado ainda e nem todos têm, por exemplo, portais de dados abertos, com bases de dados para a sociedade fazer pesquisa e acompanhamento. Esse tipo de política ainda está muito aquém do esperado. Temos que encarar a transparência como qualquer outra política pública. Ela precisa de planejamento, de investimento, de acompanhamento. Enquanto a gente não encará-la como algo permanente, vamos ter episódios lamentáveis de retrocesso, como o orçamento secreto. Que a gente não se engane: se falamos de orçamento secreto no nível federal e todas as atenções estão voltadas para lá, como está a questão nos estados? A agenda federal acaba pautando os estados e municípios, e as ideias ruins e maus exemplos também. Se há uma inovação ruim, podemos ter o mesmo risco nos estados e municípios, só que neles é muito pior porque tem menos gente olhando. A gente sabe que o gargalo é ainda maior.
Do ponto de vista do eleitor, o quanto essa preocupação está colocada como uma motivação de voto?
Está permeando o debate público, mas ainda está na superfície. O Executivo pode e deve se comprometer com a transparência, em estabelecer parâmetros de divulgação desses dados e os mecanismos de divulgação desses dados. São direitos da sociedade que precisam ser garantidos e cumpridos. O fortalecimento das instituições de transparência precisa estar na agenda dos candidatos. Isso a gente ainda precisa ver com mais força no discurso dos candidatos e seus planos de governo ainda são muito genéricos. Precisamos ter um cuidado agora de evitar mais retrocessos, porque a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que é uma lei que garante direitos importantes para os cidadãos, tem sido usada como pretexto para fechar bases de dados. Existe uma falsa dicotomia entre transparência e privacidade porque a própria LGPD diz que a gente tem dados de interesse público mesmo que sejam pessoais que devem ser divulgados e que quem está participando da vida pública, seja como financiadores de campanha, como fornecedores, ou agentes públicos, têm deveres também de prestar contas, de deixar as suas atividades o mais transparente possível. A gente tem movimento acontecendo e não tem uma uma fala firme dos atuais governantes de que isso não vai acontecer, de que eles vão respeitar a transparência e informação pública. Os órgãos públicos precisam compreender que a transparência precisa seguir como padrão.
O TSE chegou a reduzir a transparência de dados sobre os patrimônios dos candidatos e recuou. Há espaço para avançar na transparência do processo eleitoral?
A transparência nesse momento de ataques à integridade do processo eleitoral é nossa principal defesa. O TSE tomou algumas medidas importantes. Houve ampliação da quantidade de dados que que vão ser abertos e fornecidos. A questão dos bens dos candidatos foi um debate à parte em que realmente houve um movimento para tentar restringir informações por causa da LGPD, mas esse debate foi superado na última decisão. Houve ampliação de dados sobre o registro digital dos votos, que é o detalhamento pormenorizado da votação e será disponibilizado pela primeira vez de forma totalmente aberta. Antes, ficava disponível para os partidos que solicitassem. A mesma coisa com o registro de log das urnas. Todos os registros do que acontece com cada urna, quando ela é ligada e desligada, também vai ter abertura.