Estudo do Instituto Igarapé com colaboração técnica da Open Knowledge Brasil mostra que 75% dos pedidos de informações foram negados ou não respondidos pelas polícias
O “Ranking de transparência de dados sobre armas no Brasil” aponta falta de transparência entre os órgãos de segurança pública do país. 75% dos pedidos de informações feitos em 2021 e 74% em 2022 foram negados ou não respondidos pelas autoridades. O estudo do Instituto Igarapé em parceria com a Open Knowledge Brasil (OKBR) avaliou a qualidade das informações fornecidas a partir de uma série de pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação (LAI) à Polícia Civil, à Polícia Militar e ao Departamento de Polícia Técnico-Científica das 27 unidades da federação nos dois anos.
As alegações de sigilo foram de 18% em 2021 para mais do que o dobro em 2022 (38%). Mais da metade (51%) das informações solicitadas em 2021 tiveram acesso negado. Em 2022, esse número caiu para 37%, mas o percentual de solicitações ignoradas subiu de 24% para 37%. A Polícia Civil foi o órgão com pior desempenho nacionalmente em ambos os anos, com 79% das solicitações não respondidas.
Na avaliação do Instituto Igarapé, a pesquisa revela uma cultura do sigilo entre os órgãos estaduais de segurança pública em relação à circulação de armas no país. “O controle de armas e munições é central para a redução da violência armada e para isso, informação de qualidade é essencial”, afirma a diretora de pesquisa da entidade, Melina Risso. “Por um lado, a pesquisa revela a falta de atenção dada ao controle de armas pelas polícias estaduais, e por outro, a persistente opacidade dos órgãos de segurança pública”, completa.
A OKBR contribuiu com o desenho e a revisão técnica da metodologia do ranking a partir de sua experiência com o desenvolvimento de pesquisas e avaliações de transparência e dados abertos, em especial, o Índice de Transparência da Covid-19. A iniciativa avaliou sistematicamente a disponibilidade e a qualidade de dados e informações relacionadas à pandemia publicados por União, estados e capitais brasileiras em seus portais oficiais ao longo de 2020 e 2021. Além de impulsionar a abertura de dados no país, o Índice gerou impactos em outras áreas do poder público, pautando decisões judiciais e projetos de lei, e em diferentes setores da sociedade civil, da imprensa à Academia, como mostra publicação que sistematizou a experiência. Essa expertise também foi fundamental para a reformulação do Índice de Dados Abertos para Cidades 2023, cuja avaliação está sendo conduzida pela organização atualmente.
Para Danielle Bello, coordenadora de Advocacy e Pesquisa da OKBR, a iniciativa contribui não só para o debate sobre transparência, mas para o debate em torno da segurança pública no país. “Ter dados disponíveis — tanto para gestores, como para a população em geral — é algo primário para construir políticas públicas mais robustas e responsivas. O estudo consolida um diagnóstico já esperado de acesso à informação bastante precário entre órgãos de segurança pública no país. Mas também pode oferecer um retrato importante de dados que não estão sendo produzidos e sistematizados pelas polícias, evidenciando falhas profundas na execução e no monitoramento das políticas de controle de armas e munições”, afirma.
Desafios e progressos
O estudo identificou ainda outros três desafios que afetam a qualidade e a transparência dos dados sobre armas de fogo e munições no âmbito estadual. O primeiro é o distanciamento e a desconfiança na relação entre as polícias e a sociedade civil. O segundo diz respeito à inconsistência na interpretação dos limites e das obrigações estipuladas na LAI. Por fim, a falta de compreensão por parte das polícias sobre seu papel no controle de armas e na produção de informações sobre o tema.
Paralelamente, o ranking mostra melhorias consideráveis em alguns estados, de um ano para outro, em relação à transparência das informações enviadas. Minas Gerais teve o melhor desempenho em 2022, seguido pelo Pará, que subiu do 19º para o 4º lugar.
Um caso à parte é o do Rio de Janeiro, que se destaca positivamente por fornecer de forma ativa informações sobre ocorrências de segurança pública, inclusive dados sobre apreensões de armas, publicados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP). Por outro lado, o desempenho do estado em transparência passiva é negativo e piorou de 2021 para 2022, chegando a uma das últimas posições do ranking, sobretudo pelo fato de a Polícia Civil do Rio de Janeiro ter optado por manter as informações solicitadas pelo Igarapé em sigilo por um período de cinco anos.
O estudo destaca também que a categoria de perguntas menos respondidas se refere à investigação da origem de armas e munições apreendidas, o que para Melina, “levanta preocupações sobre a capacidade de rastreamento e controle desses armamentos pelas autoridades”.
Recomendações
Entre as recomendações trazidas na nota técnica do estudo está a facilitação do acesso e compartilhamento de dados entre os sistemas federais e estaduais de controle; a ampliação da cooperação entre órgãos da segurança pública estadual, organizações da sociedade civil e instituições de ensino; o compartilhamento ativo de dados em alto nível de agregação com a sociedade; e a valorização da produção e análise de dados pelos órgãos de segurança pública.
O ranking pode ser acessado neste link.
Sobre a OKBR
Fundada em 2013, a Open Knowledge Brasil desenvolve projetos que beneficiam milhares de pessoas e impactam políticas públicas em quatro linhas de atuação: Advocacy e Pesquisa, Escola de Dados, Ciência de Dados para Inovação Cívica e Parcerias e Serviços. Também conhecida como Rede pelo Conhecimento Livre, é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos e apartidária que desenvolve e incentiva o uso de tecnologias cívicas e de dados abertos, realiza análises de políticas públicas e promove o conhecimento livre para tornar a relação entre governo e sociedade mais transparente e participativa.
Sobre o Instituto Igarapé
O Instituto Igarapé é um think and do tank independente dedicado à integração das agendas de segurança, clima e desenvolvimento com o objetivo de propor soluções e parcerias a desafios globais por meio de pesquisas, novas tecnologias, influência em políticas públicas e comunicação. Uma instituição sem fins lucrativos, independente e apartidária, com sede no Rio de Janeiro, cuja atuação transcende fronteiras locais, nacionais e regionais. Premiada como a melhor ONG de Direitos Humanos de 2018, o melhor think tank em política social pela Prospect Magazine em 2019 e considerada pelo Instituto Doar, pelo segundo ano consecutivo, como uma das 100 melhores organizações brasileiras do terceiro setor.