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Orientações para cobrir “Sigilo de 100 anos”

24 abr de 2025, por OKBR

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Organizações da sociedade civil divulgam documento com orientações para a cobertura jornalística do tema, além de propor caminhos para qualificar o debate e fortalecer a transparência

 

A Open Knowledge Brasil (OKBR), em conjunto com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Agência Livre.jor de Jornalismo, a Fiquem Sabendo, e os professores Dr. Gregory Michener, da FGV-EBAPE, e Dr. Fabiano Angélico, da USI (Universidade de Lugano), na Suíça, divulgaram documento que orienta sobre como realizar a cobertura jornalística sobre o “sigilo de 100 anos”.

A ideia é acabar com o uso indiscriminado dessa expressão no debate público, que tira o foco do problema concreto: a ausência de critérios e mecanismos claros para limitar o uso da justificativa de proteção de dados pessoais.

Confira o documento na íntegra abaixo.

Orientações para cobrir "Sigilo de 100 anos"

O uso indiscriminado da expressão “sigilo de 100 anos” no debate público tem distorcido o entendimento sobre os limites legais da transparência no Brasil. Confunde a população e acostuma a sociedade com uma possibilidade de sigilo muito mais ampla, genérica, indeterminada, discricionária e longe do que a Lei de Acesso à Informação (LAI) permite, de fato. Ao tratar qualquer negativa como “sigilo”, enfraquece-se a responsabilização: se tudo vira sigilo, nada é tratado como exceção grave — e isso favorece justamente quem abusa do instrumento.

Além disso, essa distorção atrapalha as discussões necessárias para resolver o problema concreto: a ausência de critérios objetivos e mecanismos claros para limitar o uso da justificativa de proteção de dados pessoais. Este documento apresenta orientações para a cobertura jornalística do tema, esclarece conceitos jurídicos e propõe caminhos para qualificar o debate e fortalecer a transparência.

1. Só existem três tipos de sigilo na Lei de Acesso à Informação (LAI)

  • Reservado (5 anos), Secreto (15 anos), Ultrassecreto (25 anos)
  • Um dos grandes avanços da LAI foi justamente colocar prazos claros, com objeto definido e impedir sigilos eternos e indeterminados.
  • Existem procedimentos para colocar uma informação sob sigilo; apenas um grupo seleto de cargos tem essa autoridade; há um responsável claro pela decisão; é preciso produzir um documento de classificação incluindo a justificativa para tal; e existem procedimentos para solicitar desclassificação antes do período.

2. Negativa de pedido de LAI não é sigilo

  • Negativas em primeira e segunda instância nunca devem ser chamadas de sigilo. Só se pode falar em “sigilo” após decisão formal de classificação ou, no limite, após negativa confirmada pela CGU ou órgão superior equivalente.

3. O que é então o “sigilo de 100 anos”?

  • É apenas uma das justificativas possíveis para negativa de pedido de acesso à informação, não é uma classificação de sigilo.
  • É uma previsão de proteção de dados pessoais por ATÉ 100 anos.
  • Referente ao artigo 31 da LAI, criado antes da promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), para impedir que dados particulares de cidadãos fossem compartilhados via LAI.

4. Toda negativa com base em informações pessoais é “sigilo de 100 anos”?

  • Não, existem razões válidas para uma negativa de acesso à informação com base na proteção de dados pessoais. Por exemplo, quando alguém requisita, via LAI, o seu histórico médico.

5. O problema não é o prazo

  • O problema é a falta de critérios objetivos para definir o que é “informação pessoal”.
  • Não é necessário alterar o texto da Lei, basta uma atualização por meio de um decreto presidencial, indicando de forma clara as limitações temporais e de objetos, uma vez que a lei fala em “ATÉ 100 anos” e não “por 100 anos”. Abrir a LAI para discussão no Congresso é um risco enorme e as organizações signatárias da carta são contrárias ao envio de qualquer PL para modificação da Lei.

Atenciosamente,

Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)
Agência Livre.jor de Jornalismo
Fiquem Sabendo
Open Knowledge Brasil
Dr. Gregory Michener, professor da FGV-EBAPE
Dr. Fabiano Angélico, professor da USI (Universidade de Lugano), na Suíça

*Assinaturas atualizadas em 24/04/2025. O documento pode ter recebido novos signatários.