Reflexões sobre desafios no acesso e avanços na qualidade de dados por quatro jornalistas que cobrem a pauta ambiental em diferentes estados brasileiros
O Dia Mundial do Meio Ambiente – celebrado hoje (5 de junho) – é a data comemorativa internacional mais importante quando o assunto é sustentabilidade e meio ambiente. Capitaneada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a cada ano ela traz um tema prioritário, puxado por um país anfitrião, e que tem como objetivo envolver mais de 150 países para enfrentá-lo.
Este ano, é a Coreia do Sul quem sedia as celebrações da data, com foco no combate à poluição plástica. Biodiversidade, restauração de terras, desertificação e resiliência à seca, poluição do ar, comércio ilegal da vida selvagem, consumo e produção sustentáveis, proteção das florestas, economia verde… todos esses são tópicos que já foram pauta do Dia Mundial do Meio Ambiente nos mais de 50 anos em que ela é celebrada – o que indica que, infelizmente, ainda há assunto e ação em prol da preservação e da restauração do planeta Terra de sobra.
Se focarmos no Brasil, também não nos faltam problemas a tratar quando o assunto é meio ambiente. Poderíamos falar dos impactos socioeconômicos e ambientais de projetos de instalação de grandes empreendimentos com big techs, como data centers, em estados como Rio Grande do Sul e Ceará, ou do Projeto de Lei 2159/2021 – conhecido como PL da Devastação –, que unifica as regras de licenciamento ambiental e acaba afrouxando a fiscalização e reduzindo a participação de órgão colegiados, entre outras medidas.
Diante de tantos retrocessos, é preciso mais do que uma data comemorativa para conscientizar pessoas tomadoras de decisão e cidadãs como um todo a perceberem os estragos que essas ações e políticas têm trazido. Quantificar esses impactos, visualizar o alcance da destruição e monitorar as políticas públicas são ações essenciais nessa luta – e que só podem ser feitas com a ajuda de dados ambientais.
Para falar sobre este assunto, convidamos quatro jornalistas que cobrem a pauta ambiental de diferentes estados brasileiros para refletir sobre desafios no acesso e avanços na qualidade de dados relacionados a meio ambiente e clima. São eles:
Hyury Potter, em Florianópolis (SC): repórter freelancer com foco em corrupção, meio ambiente e análise de dados e idealizador da ferramenta Amazônia Minada.
Catarina Barbosa, em Belém (PA): atualmente diretora da Agência Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e bolsista do Pulitzer Center com a Sumaúma.
Maristela Crispim, de Fortaleza (CE): fundadora e editora-chefe da Eco Nordeste e atualmente presidente da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA).
Thays Lavor, em Salvador (BA): jornalista investigativa e de dados, coordenadora da Escola de Dados da Open Knowledge Brasil (OKBR), atualmente doutoranda no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e integrante do conselho fiscal da Abraji.
Confira a seguir:
A pauta ambiental foi crescendo e ficando cada vez mais em voga com o aquecimento global e as mudanças climáticas. Como você avalia o avanço (ou não) dos dados relacionados a meio ambiente e clima no Brasil nos últimos anos?
Hyury Potter: Houve um crescimento de plataformas independentes que disponibilizam dados abertos sobre temas ambientais. Acho que isso é reflexo do interesse da sociedade nesses temas, principalmente por causa de eventos climáticos extremos que o Brasil passou em anos recentes, como a seca na Amazônia e as enchentes no Rio Grande do Sul.
Catarina Barbosa: Tivemos avanços importantes, tanto na disponibilização de dados públicos quanto na produção de dados por organizações não governamentais. Ainda assim, há muitos ajustes a serem feitos para que esse processo se torne mais transparente e efetivo. Um exemplo claro são os dados do Banco Central, que investiguei recentemente: só a partir de 2018 passamos a saber, de fato, quem são os beneficiários desse crédito — que é dinheiro público. Hoje, é possível produzir reportagens, relatórios e pressionar instituições financeiras justamente porque esses dados estão disponíveis. Isso mostra o quanto a transparência é essencial.
Maristela Crispim: A meu ver, houve um avanço, sobretudo com a criação de algumas plataformas de dados. Cito como exemplo:
- o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), criado em 2013 pelo Observatório do Clima, que monitora emissões de gases de efeito estufa na América Latina;
- o Terrabrasilis, plataforma desenvolvida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para organizar, dar acesso e uso aos dados geográficos produzidos pelos seus programas de monitoramento ambiental, como o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (DETER) – levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia, desde 2004 – e o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES) – que monitora o desmatamento por corte raso na Amazônia Legal e produz, desde 1988, as taxas anuais de desmatamento na região;
- o MapBiomas, que realiza o mapeamento anual da cobertura e uso da terra, além de fazer o monitoramento mensal da superfície de água e das cicatrizes de fogo com dados desde 1985.
Mais recentemente, o Diários do Clima – plataforma criada por um conjunto de organizações de jornalismo digital que atuam na área de Meio Ambiente e Dados – oferece um acesso exclusivo a dados de diários oficiais compilados sobre clima e meio ambiente. Não podemos esquecer do avanço que foi também a Lei de Acesso à Informação (LAI), de 2011. Antes de tudo isso, o jornalismo ambiental ficava à mercê das fontes.
Thays Lavor: Desde a promulgação da Lei de Acesso à Informação Ambiental (Lei 10.650/2003) e, posteriormente, da Lei de Acesso à Informação (LAI 12.527/2011), o Brasil construiu um arcabouço institucional que visou tornar os dados ambientais cada vez mais acessíveis – o que fortaleceu e impulsionou a criação de portais como INPE, INDE, SGB, CEMADEN, INDA, entre outros, ampliando significativamente a transparência de dados em âmbito federal. Apesar de haver mais dados que há uma década, por exemplo, a sustentabilidade desses ganhos ainda depende de estabilidade política.
Quais as principais dificuldades que você encontra em trabalhar com dados ambientais no Brasil hoje?
Hyury Potter: Alguns órgãos públicos ainda precisam melhorar a transparência, pois muitos usam a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) para barrar o acesso a documentos que deveriam ser públicos. Tenho essa dificuldade com a Agência Nacional de Mineração em relação a documentos sobre lavra e o licenciamento de minas.
Catarina Barbosa: Apesar dos avanços, a falta de transparência ainda é um desafio em muitas instituições. A LAI (Lei de Acesso à Informação) é uma ferramenta importante, mas nem sempre resolve todos os impasses. Além disso, é preciso considerar as limitações estruturais: muitos dados ainda são alimentados manualmente por servidores, o que compromete a agilidade e a qualidade da informação. Para o jornalista, conhecer a base de dados é essencial — não só para utilizá-la com ética e efetividade, mas também para entender suas limitações. Isso faz muita diferença em uma investigação.
Maristela Crispim: O trabalho com jornalismo de dados ainda é relativamente recente e poucos profissionais dominam as técnicas de coleta, análise e uso dos dados em reportagens. Mas isso também é algo que vem mudando com o aumento do uso e interesse pela área. Tenho a expectativa de que, daqui a alguns anos, teremos uma quantidade expressiva de profissionais capacitados para atuar na área com a criação de grupos, cursos e eventos voltados para esta importante área do jornalismo.
Thays Lavor: Acredito que o acesso a esses dados, isso quando voltamos o olhar para as esferas governamentais estaduais e municipais. Pois, ainda que existam normas antigas como o SISNAMA (1981) e a Política Nacional de Meio Ambiente, a efetividade se esbarra na fragilidade de implementação local. Em estados e municípios, frequentemente faltam plataformas integradas, e a disponibilização de dados detalhados em formatos abertos é escassa. Além disso, a legislação ambiental prevê transparência ativa, mas, na prática, há demora no atendimento a pedidos de informação, mesmo com prazos estabelecidos pela LAI. Soma-se a isso a necessidade de capacitação técnica nas prefeituras, pois a ausência de documentação clara e de pessoal treinado dificulta a análise precisa e tempestiva.
Quais as oportunidades que você identifica como necessárias para avançar na qualidade e na disponibilidade desses dados?
Hyury Potter: Uma questão importante é como vamos manter os dados que já produzimos. O governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro atacou insistentemente o Inpe por causa dos dados do PRODES e do DETER, que são essenciais para o combate e a prevenção de desmatamento. Isso deve servir de alerta sobre como a política pode interferir e até mesmo apagar parte da história dos dados públicos no país.
Catarina Barbosa: A qualificação é o ponto-chave. Cursos como os da Escola de Dados são fundamentais, assim como o debate com a sociedade civil e o investimento na formação de profissionais — dentro e fora do setor público. Não dá para trabalhar com dados sem preparo técnico.
Maristela Crispim: Vejo que, a partir das bases de dados já existentes, há uma tendência de criação de mais plataformas e ferramentas para facilitar o acesso e uso desses dados por mais veículos, mesmo não especializados na área, o que deve estimular ainda mais possibilidades de uso e beneficiar tanto quem disponibiliza quanto quem facilita e quem necessita dos dados para a produção de conteúdos, sobretudo no universo do jornalismo independente, que não dispõe de muitos recursos financeiros e capital humano.
Thays Lavor: Há espaço para fortalecer o controle social, com a sociedade civil e a imprensa exigindo maior cumprimento das normas de transparência e estimulando a regularização de dados em todas as esferas. Outra oportunidade é investir em letramento de dados, oferecendo capacitação continuada a servidores públicos e atores sociais para interpretar indicadores ambientais. Além disso, integrar sistemas federais e locais reduziria a fragmentação de informações e facilitaria a elaboração de análises comparativas entre diferentes níveis de governo.
De que maneira você vê a cobertura da pauta ambiental progredindo com o uso de dados abertos e ajudando no combate à desinformação?
Hyury Potter: O jornalismo entendeu que os dados podem ajudar a contar histórias. Na área ambiental, um mapa com informações georreferenciadas pode ser determinante para o leitor entender o porquê de determinado bairro ter sido atingido por uma enchente, ou o motivo de um garimpo ser de fachada porque não tinha sinais de exploração.
Catarina Barbosa: Hoje, muitas organizações realizam trabalhos fundamentais graças ao acesso a dados abertos. Claro que os dados não explicam tudo, mas eles revelam aspectos importantes da realidade — ou apontam para questões que, de tão naturalizadas, passam despercebidas. Vejo o jornalismo investigativo cada vez mais alinhado ao jornalismo de dados, e acredito que esse é um caminho sem volta. Dados bem analisados não só sustentam boas histórias, como também ajudam a combater a desinformação com evidência.
Maristela Crispim: Esse é um dos caminhos mais importantes para aumentar a credibilidade do jornalismo no combate à desinformação. Só com dados sólidos, bem analisados e utilizados; diversidade de fontes; embasamento científico; e apurações bem feitas podemos fazer frente ao volume crescente de informações falsas que circulam de forma muito bem orquestrada pelas redes sociais, sobretudo na área socioambiental.
Thays Lavor: Com a criação de sistemas que agregam e padronizam dados estaduais e federais, jornalistas passaram a dispor de informações mais consistentes para fundamentar investigações e análises de forma independente. Esse contexto fortalece a capacidade de confrontar discursos hegemônicos de governos e políticos que distorcem fatos. Um exemplo recente ocorreu no último dia 27 de maio, durante a visita da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, à Comissão de Infraestrutura do Senado para debater a pavimentação da BR-319 e avaliar seus possíveis impactos ambientais: alguns senadores, além de atitudes misóginas, propagaram mentiras sobre o desmatamento ao longo da BR-319, negando dados oficiais. Na realidade, os números apresentados pela Ministra eram fidedignos e podem ser conferidos em bases públicas como o PRODES (INPE). A InfoAmazonia, por exemplo, acompanha esses indicadores há anos, realizando análises próprias com dados abertos e imagens de satélite que comprovam o avanço do desmatamento naquela região. Assim, a disponibilização de dados confiáveis possibilita desmentir informações equivocadas com evidências.
Mais sobre jornalismo e dados ambientais na Escola de Dados!
A Escola de Dados (ED) é o programa educacional da Open Knowledge Brasil que oferece formações (on-line e presenciais), desenvolve tutoriais, pesquisas e metodologias de aprendizagem, e promove eventos e encontros em prol do avanço do uso de dados.
A seguir, confira alguns dos principais conteúdos da ED que tratam da questão dos dados ambientais.
Tutoriais:
Fontes de dados para investigações sobre meio ambiente
Cruzando dados de desmatamento e agropecuária com a Base dos Dados e python
Caixa de ferramentas para jornalistas de dados ambientais
E-book:
Justiça climática: dicas para coberturas locais orientadas por dados
Webinars:
Investigando crimes na Amazônia com dados geoespaciais
Acessando dados ambientais com Python
Eventos:
Coda Amazônia 2024
Coda Amazônia 2023
Coda Amazônia 2022