“Essa virada digital não vai acontecer do dia para a noite, mas há uma janela de oportunidade, pois as pessoas estão sensibilizadas para o tema”
Na segunda entrevista da série sobre os processos de abertura de dados da Covid-19, conversamos com o Secretário de Controle e Transparência do Espírito Santo, Edmar Camata.
Nas duas avaliações mais recentes da versão 2.0 do Índice de Transparência da Covid-19, o estado do Espírito Santo tem ocupado a liderança do ranking, atingindo a nota máxima, de 100 pontos. A situação é bastante diferente das primeiras avaliações realizadas abril, ainda na versão inicial do Índice, nas quais o estado chegou a ocupar a 21ª posição do ranking com apenas 10 pontos. A melhora ocorreu já na terceira avaliação, quando o estado saltou para o 2º lugar, alcançando 93 pontos totais. Desde então, se estabilizou no topo da escala.
Primeiras rodadas de avaliação do ITC-19
Avaliações do ITC-19 2.0.
Para falar sobre a recepção do Índice pelo estado e os impactos provocados desde o início de sua aplicação, conversamos com o Secretário de Controle e Transparência do Espírito Santo, Edmar Moreira Camata. Antes de ingressar no setor público, Edmar foi dirigente da ONG Transparência Capixaba, organização dedicada à transparência e combate à corrupção no estado, onde atuou por 12 anos. Quando diretor da ONG, participou de iniciativas como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o Fórum de Entidades em Defesa da Bacia do Rio Doce e do movimento Unidos Contra a Corrupção. Além disso, Edmar também foi membro voluntário do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção do Governo do Estado.
O secretário considera que sua experiência no terceiro setor contribuiu para a implementação de diversas medidas de transparência no estado, como a divulgação de incentivos fiscais para empresas, remuneração de advogados dativos, auxílios moradias, notas fiscais de compras públicas em tempo real, entre outras.
Na entrevista, Camata afirma que a pandemia proporcionou avanços na gestão dos dados, ao mesmo tempo que impôs novos desafios para o contexto pós-pandemia. Ele destacou como ampliar a transparência trouxe resultados para os serviços de saúde; elencou fluxos e desenhos adotados na gestão da informação e da transparência pelo Espírito Santo; apontou para a necessidade de envolver os servidores no desenvolvimento de sistemas de informação; e destacou como a tecnologia foi grande aliada para aprimorar o monitoramento realizado pela Secretaria de Controle e Transparência. Confira a íntegra a seguir.
OKBR/IGA: Quais foram os avanços internos na gestão dos dados durante a pandemia?
O primeiro deles foi reconhecer que seguir a metodologia do Índice de Transparência da Covid-19 entregaria resultados práticos na saúde. Abrir os dados permitiu que pesquisadores e outros interessados pudessem ter acesso às informações para discutir e dialogar com os gestores públicos sobre o avanço da pandemia, as medidas de fechamento e reabertura no mesmo nível de conhecimento.
Um segundo avanço foi a mudança cultural na saúde, que enfrenta alguns desafios legais para proteger informações como os prontuários médicos, dados pessoais, além da corrida para a entrega do resultado no enfrentamento da doença. Por isso, a transparência não era vista como uma prioridade e faltava uma visão de que os dados poderiam ajudar substancialmente a tomada de decisão. Quebrar essa cultura vai deixar um legado importante, ainda mais se considerarmos que os painéis nos levaram a alcançar outro nível de disponibilização de informações, inclusive se comparados aos Portais de Transparência. Em poucos meses, conseguimos implementar essas ferramentas que vão mudar a forma como esse tema é visto.
Outro fator que contribuiu para esse objetivo foi a confirmação de que a transparência não implica diretamente em custo, não demanda investimentos extras e contratações, necessariamente. As melhores expertises são dos governos que conseguem desenvolver as suas próprias ferramentas. Quando os governos contratam, apesar da ferramenta ser boa, não traz o mesmo resultado. Isso porque os servidores não foram envolvidos no processo e não se apropriaram da construção. O mesmo ocorre com o planejamento. Não é possível comprar um planejamento pronto, é preciso participação e envolvimento.
OKBR/IGA: Quais foram os desafios internos na gestão dos dados durante a pandemia?
Nos últimos anos, o Brasil surfou em uma grande onda de transparência que se resumia em publicar os dados. Atualmente, estamos chegando a uma segunda, que impõe o desafio de transformar dados em serviços, utilidades e aproximar a população. É preciso utilizar a tecnologia para transformar os dados e a prestação de contas em melhores serviços e políticas públicas.
Outro desafio que se impõe é transformar os ganhos alcançados na área da saúde em ferramentas úteis para outras políticas públicas, vez que os desafios das outras áreas são muito diferentes.
Ademais, é necessário garantir visibilidade para os resultados alcançados durante a pandemia a partir da transparência pública. Os dados abertos permitiram antecipar a reabertura? permitiram reduzir a curva de contágio? A sociedade precisa dessas respostas para que também seja possível entregar resultados pós-pandemia.
OKBR/IGA: Como a Secretaria de Controle e Transparência do Espírito Santo se organiza internamente? Como é feita a gestão da informação no dia-a-dia?
A Secretaria de Controle e Transparência se divide em Corregedoria Geral; Subsecretaria de Controle, que exerce funções de auditoria; Subsecretaria de integridade, que persegue o cumprimento da Lei Anticorrupção; e a Subsecretaria de Transparência, que tem acompanhado o índice de Transparência da Covid-19.
A transparência no estado conta com o apoio da alta gestão, sendo realizadas conversas frequentes com os outros Secretários. Além disso, constam no Planejamento Estratégico do Governo indicadores setoriais de transparência e cada órgão se organiza para alcançá-los.
A Subsecretaria de Transparência segue diretrizes preconizadas na Europa de liderança das equipes e de controle da publicação dos dados cuja responsabilidade direta é dos próprios órgãos. Para isso, a nossa equipe se reúne online semanalmente e apoia as demais secretarias na gestão e na divulgação da informação por meio de uma rede de responsáveis por cada informação. Com o trabalho remoto, o acompanhamento tem sido feito por grupos de whatsapp com a definição de prazos e responsabilidades.
OKBR/IGA: Quais tecnologias e sistemas são adotados para a gestão da informação e transparência?
No Espírito Santo, utilizamos a robô Maila (Monitoramento Automático das informações de Livre Acesso) para a checagem automática e em tempo real das informações no Portal de Transparência. Ela foi desenvolvida para resolver um problema com a atualização dos dados de despesas em diferentes bases. A Maila busca anomalias e erros nas informações, alterando uma rotina que anteriormente era manual. Sua primeira versão foi feita em Powershell. Agora, estamos testando uma versão beta em Python, com um segundo código que acompanha as agendas das autoridades e o site da ouvidoria.
A Maila consegue cobrir 95% das consultas do Portal da Transparência. Quando identifica uma anomalia, que pode ser tanto a ausência de informação como um erro, ela encaminha um email automático para o responsável por aquela informação com cópia para a equipe de transparência. Se depois de cinco dias a informação não é corrigida ou atualizada, a Secretaria de Controle e Transparência é acionada. Isso permite maior otimização do trabalho da equipe.
Em relação aos dados da saúde, os painéis utilizam a tecnologia da Microsoft Power BI devido à licença previamente existente junto à PRODEST (Empresa de Processamento de Dados do Estado do Espírito Santo). Os dados epidemiológicos inicialmente eram monitorados por planilhas até que passamos a sistematizar pelo e-SUSVS. A pandemia trouxe essa padronização e uma melhor gestão da informação. Saímos de formulários abertos que qualquer cidadão poderia preencher para o uso do e-SUSVS que inclusive será o sistema de notificação adotado pelas Prefeituras do Espírito Santo para todas as doenças.
Em relação aos contratos emergenciais, o trabalho de cruzamento ainda é manual devido a uma legislação local que isentou o servidor de lançar informações sobre licitações no Portal. O cruzamento é feito com base no detalhamento do orçamento dos órgãos que possuem o campo com a descrição “enfrentamento da Covid”. Com isso, é possível identificar os contratos emergenciais e monitorar sua publicação tanto no painel coronavirus.es.gov.br quanto no Portal da Transparência.
Além disso, as publicações no Portal de Dados Abertos contam com um script em Python que diariamente transporta do painel as informações de contratos emergenciais, dados epidemiológicos, execuções financeiras e alterações contratuais.
OKBR/IGA: Quais processos adotados durante a pandemia terão impacto na gestão da informação de outras áreas?
Há expectativas para o protagonismo das áreas de controle e transparência no pós-pandemia, principalmente em relação a processos de modernização da gestão. O cidadão não pode enfrentar tantos entraves para suas demandas. A transparência alcançou grande visibilidade, inclusive nas mídias. A tecnologia se tornou útil e pode derrubar outras barreiras.
Na minha visão, as obras públicas podem ser impactadas, pois atualmente estão em descompasso com a transparência que se quer dar. Muitos dos sistemas da gestão são retrabalho. Essa virada digital não vai acontecer do dia para a noite, mas há uma janela de oportunidade, pois as pessoas estão sensibilizadas para o tema.
OKBR/IGA: Há planos para outras melhorias da gestão da informação e da publicação de dados?
Recentemente tivemos uma conquista, pois passamos a utilizar o Power BI também para os contratos emergenciais, o que permite utilizar filtros interessantes nas consultas por fornecedor, gasto, secretarias, entre outros. A visualização em Painel, inclusive, aponta a possibilidade de melhorias que podem ser implementadas no Portal da Transparência e que tínhamos dificuldade de visualizar antes da pandemia, pois a base de dados era estruturada manualmente.
Outro ganho foi a Política de Dados Abertos, que comunica para o governo, público interno e para a sociedade que o estado assumiu um padrão de dados abertos, tem metodologias e aderência para uma maior maturidade das informações que publica.
Para o futuro, temos pretensão de aderir às ideias dinamarquesas de priorizar os 100 principais serviços do Estado em plataformas e serviços digitais.
OKBR/IGA: Como vêem a colaboração da sociedade civil, pesquisadores e da imprensa na gestão da crise por meio da transparência?
A relação é muito boa. Quando da minha atuação na Transparência Capixaba, fizemos um trabalho de convencimento da imprensa para o uso das ferramentas de acesso à informação. Além disso, houve grande mobilização em torno da abertura de dados de saneamento básico, inicialmente sigilosos, e que se transformaram em um aplicativo. Essas experiências são bons exemplos da transformação de dados abertos em utilidades.
Quando do início da gestão no estado, fizemos um curso para que os jornalistas entendessem as informações públicas e o uso do Portal da Transparência, já que ele permite diversos acessos e cruzamentos de dados. Em contrapartida, pedimos para que indicassem que o Estado capacitou os jornalistas para utilizarem o Portal da Transparência.
Estávamos cientes de que, ao elevar o nível de transparência, isso inicialmente implicaria em maior possibilidade de notícias negativas, mas acredito que à médio prazo se transforme em confiança, maturidade e liderança.
Por fim, as avaliações como o Índice de Transparência da Covid-19 realizadas pelas organizações da sociedade civil atuam como um roteiro para o avanço da transparência pública, complementando as legislações.