Advocacy e Pesquisa

Após 11 anos de LAI, governos locais ainda dificultam pedidos de acesso à informação

18 maio de 2023, por Edilaine Santos

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OKBR encontrou obstáculos ao fazer pedidos em 4 capitais e 3 municípios — entre dez que foram acionados neste ano;  problemas em sistemas, exigência exagerada de documentos, limites de caracteres e falta de resposta ilustram cenário comum da implementação da LAI no nível local

Aos 11 anos de vigência da Lei de Acesso à Informação (LAI), enviar pedidos e receber respostas dos órgãos públicos locais não são tarefas simples, como poderiam ser. O cumprimento da Lei nº 12.527/2011 ainda enfrenta complicações em municípios, relacionadas ao registro, acompanhamento e atendimento das solicitações, apesar dos avanços quanto à regulamentação.

Regularmente, a Open Knowledge Brasil envia solicitações a municípios, para obter informações para projetos como o Querido Diário. Apenas neste ano, os Sistemas Eletrônicos dos Serviços de Informações ao Cidadão (e-SICs) de Araguaína (TO), Bacabal (MA), Belém (PA), Florianópolis (SC), Jundiaí (SP), Maceió (AL), Manaus (AM), Recife (PE), Salvador (BA) e Rio de Janeiro (RJ) já foram visitados pela equipe de Advocacy e Pesquisa.

Entre os 10 municípios, os órgãos públicos de Bacabal não responderam aos pedidos de informação registrados, que foram completamente ignorados. E não foi possível registrar nenhuma solicitação para Belém. Já o município de Jundiaí respondeu dentro do prazo, enquanto Recife e Manaus pediram a prorrogação do tempo de resposta. E apesar da agilidade para retorno, Florianópolis disponibiliza respostas incompletas. Araguaína, Maceió e Salvador também responderam sem contemplar todas as informações solicitadas. E o Rio de Janeiro ainda está dentro do prazo para responder.

Confira, a seguir, alguns dos casos emblemáticos mais recentes.

Mesversários do pedido de informação para Bacabal

O pedido de informação enviado para o e-SIC de Bacabal já completa dois meses sem nenhum tipo de retorno ou justificativas para a ausência de resposta. Registrado em 17/3, já tem mais de um mês de atraso em relação aos 20 dias do prazo de atendimento determinado pela LAI, considerando também os 10 dias possíveis para prorrogação.

O sistema não informa nada além do protocolo da solicitação, deixando cidadãos no escuro a respeito do prazo de atendimento, sua repactuação e status do andamento da manifestação. Sem resposta, o e-SIC não oferece a possibilidade de realizar uma reclamação ou de interpor recursos vinculados ao protocolo inicial.

Sobre estes problemas, um email com reclamação pela omissão de resposta foi encaminhado pela OKBR para a Ouvidoria do Município. E outros dois novos pedidos de informação foram registrados, identificados como recursos à Primeira e Segunda Instâncias, que também permanecem sem resposta.

Outro problema identificado é que, embora a Lei nº 1302/2016 regulamente no município a solicitação de informações por pessoas de natureza jurídica, o procedimento de criação de acesso ao e-SIC não oferece campo específico para o cadastro de CNPJ.

Araguaína encerra protocolos e omite informações

A OKBR enviou dois pedidos de informação para o executivo municipal de Araguaína em 14/4. Em cinco dias, a equipe identificou que os protocolos de atendimento foram concluídos pela ouvidoria. Em lugar da resposta, uma mensagem pediu que a demanda fosse encaminhada para o email da ouvidoria da Secretaria Municipal de Educação.

A interface do e-SIC não oferece nenhuma opção para interposição de recursos. E o campo próprio para descrição da demanda impõe o limite de 800 caracteres. E apesar de oferecer a opção para incluir documentos, não conclui o processo de anexação. Isso dificulta o registro de pedidos, demandando abertura de vários protocolos para distribuição dos questionamentos.

Logo que a primeira resposta não contemplou as informações solicitadas, a equipe da OKBR encaminhou recursos por email, que não foram respondidos, assim como a denúncia realizada por descumprimento da LAI. Novamente, os recursos foram reiterados no e-SIC municipal, e em lugar da resposta, uma mensagem solicitou um e-mail para o encaminhamento das informações, sem orientar como prosseguir com o contato.

O  serviço  de  informações  ao cidadão foi instituído pela Lei Municipal 3076/2018, e é um importante instrumento de participação e controle social, servindo para para atender o público quanto  ao  acesso  a  informações, sendo organizado pela Ouvidoria Municipal vinculada à Secretaria da Administração, responsável pelo encaminhamento de respostas aos cidadãos.

Já o Decreto nº 012/2017 regulamenta a LAI no município, prevendo o encaminhamento de recursos ao Secretário da Administração Municipal, em Primeira Instância recursal, e à Chefia do Poder Executivo Municipal, em Segunda Instância. O dispositivo também responsabiliza os agentes públicos por condutas ilícitas de não atendimento aos pedidos de informação.

Apesar dos regulamentos, o cumprimento da LAI no município ainda impõe um longo caminho para quem pede acesso à informação.

Jundiaí impõe barreiras com a requisição de documentos

O Decreto nº 28.373/2029 regulamenta a LAI em âmbito municipal. E de acordo com o dispositivo, qualquer pessoa pode protocolar pedidos de acesso à informação mediante a apresentação de documentos oficiais que comprovem a identidade do requerente.

No caso de pessoas jurídicas, o procedimento ainda exige cópia do ato constitutivo, estatuto ou contrato social. E, caso o pedido não seja realizado pelo representante legal da instituição, ainda requer apresentação de procuração pelas dirigentes para que as demais pessoas integrantes possam encaminhar pedidos de informação em nome da entidade jurídica. Os documentos pessoais devem ser encaminhados por e-mail. E o não atendimento aos requisitos para processamento dos pedidos em um prazo de de 24h implica no encerramento da solicitação.

Além das complicações burocráticas para cadastro de pedidos de informação, quando em diversos outros municípios já é suficiente informar o número dos documentos — inclusive no Fala.Br, do governo federal —, o e-SIC municipal não é digno de premiação. O decreto que regulamenta a LAI permite a realização dos pedidos por pessoa jurídica, mas o formulário de cadastro da solicitação não tem campo próprio para quem possui um CNPJ, demandando o registro de um número de CPF ou RG.

O site não possibilita o acompanhamento do status de andamento, e os prazos de atendimento não são informados. As respostas chegam em despachos encaminhados via e-mail, sem indicar o procedimento para recorrer das decisões.

Belém não recebe pedidos de informação

Em Belém, sequer é possível registrar um pedido de informação, apesar da LAI ser regulamentada localmente pelo Decreto nº 83.857/2015. Ao preencher os campos do sistema de registro e clicar em “gravar manifestação”, o usuário é direcionado para uma página de erro que inviabiliza a solicitação.

A OKBR encaminhou um uma manifestação solicitando esclarecimentos e reparo do erro. Como resposta, a Ouvidoria Geral do Município informou que o sistema de solicitação de manifestação e de acesso a informações estão com funcionalidades perfeitas. A equipe de Advocacy também tentou entrar em contato por e-mail e não teve retorno.

Além disso, é mais um sistema em que não é possível cadastrar pessoas jurídicas, requerendo números de CPF e RG. E os prazos de atendimento das demandas também não são informados.

Manaus excede o prazo de prorrogação regulamentado para atendimento

O formulário de solicitação de informação de Manaus tem campos próprios apenas para dois tipos, sobre Covid-19 e informação sigilosa. E as formas de retorno disponíveis para escolha são as opções de e-mail, telefone, carta ou pessoalmente, de modo que o sistema não indica se permite o acompanhamento online da tramitação da solicitação no e-SIC municipal.

O pedido foi registrado em 17/4, e o prazo de atendimento inicialmente informado era até 7/5. Porém, em 8/5, o prazo de resposta foi prorrogado até 7/6,  sem informar justificativa e ultrapassando em 21 dias o período de 30 dias (20 dias mais 10 prorrogáveis) para resposta, como determinado pela LAI e pelo Decreto nº 4.157/2018, que é o normativo municipal sobre acesso à informação.

Complicações para acessar o e-SIC do Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro, a dificuldade foi relacionada às credenciais de acesso ao e-SIC. Uma mensagem no site do município informa que a central de atendimento 1746 foi atualizada, e que é necessário revalidar a senha de acesso.

Devido ao fato de não conseguir validar a senha, a equipe da OKBR tentou atendimento junto do suporte ao cidadão, que demora pelos canais de comunicação telefônicos. E o atendimento pela via online também requer login no sistema. Na tentativa de recuperar a senha, as novas credenciais nunca chegaram à caixa de e-mail. E apesar de ter conseguido abrir um chamado para o atendimento, a resposta da Ouvidoria não ajudou a solucionar o problema. Foi necessário criar um novo cadastro para registrar os pedidos de informação.

O caso também está na lista de e-SICs que não aceitam cadastro de pessoas jurídicas, apesar do regulamento dado pelo Decreto nº 4.4745/2018 permitir a realização de pedidos por esse tipo de figura. E, como Jundiaí, o dispositivo também prevê a apresentação de documentos para comprovação de capacidade de representação da figura jurídica (estatuto, contrato social, ata da eleição da diretoria, procuração e documento de identidade).

Recife impõe limites de caracteres para descrição da solicitação

Em Recife, a LAI é regulamentada pela Lei nº 17.866 /2013 e Decreto nº 28.527/2015. E a Controladoria Geral do Município pediu a prorrogação do prazo de resposta dos três pedidos registrados. De poucas palavras, como Araguaína, o Sistema Eletrônico do Serviço de Acesso à Informação (e-SAI) recebe pedidos de, no máximo, 2 mil caracteres. E também foi necessário dividir a demanda, fazendo o registro das várias solicitações.

Como superar as dificuldade de acesso à informação nos municípios

Apesar dos 11 anos de vigência da LAI, infelizmente, a dificuldade de acessar informações locais ainda é uma realidade. “Mesmo com a LAI regulamentada em todos os casos exemplificados, isso não significa que a legislação é suficiente e vem sendo cumprida corretamente em âmbito municipal”, explica Edilaine Santos, analista de Advocacy e Pesquisa da OKBR. O cenário expõe a necessidade da implementação de políticas públicas voltadas à maior transparência e à garantia do direito de acesso à informação.

Para enfrentar situações como as que foram mencionadas, o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas elaborou um material com instruções sobre o que fazer quando seu pedido não é respondido. E a WikiLAI, desenvolvida pela Fiquem Sabendo, traz uma série de explicações sobre como a aplicação da Lei de Acesso à Informação funciona. Ela simplifica o juridiquês para que pedidos de informação possam ser realizados por qualquer cidadão. E o Achados e Pedidos, iniciativa da Transparência Brasil e Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), reúne pedidos e respostas já feitos via LAI, para quem quiser consultar se uma informação já foi enviada a outra pessoa.

A equipe de Advocacy e Pesquisa da OKBR segue monitorando o andamento dos casos e aguarda respostas de Araguaína (TO), Bacabal (MA), Belém (PA), Florianópolis (SC), Maceió (AL), Manaus (AM), Salvador (BA), Recife (PE) e Rio de Janeiro (RJ).