O relatório de auditoria do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), divulgado no site da Controladoria Geral da União (CGU), referente ao exercício de 2012 demonstra uma série de irregularidades no órgão. Entre elas se vê pagamento acima do valor de mercado em contrato de prestação de serviços de tecnologias de informação; desconformidade na justificativa do preço contratado; desconformidade em dispensa de licitação; impropriedades no processo de contratação de consultores modalidade produto, entre outras.
No que se refere ao pagamento acima de mercado em serviços de Tecnologia da Informação, o relatório (páginas 146-9) afirma que
“a estimativa de prejuízo à Administração Pública desse contrato pode ser feita por meio da análise de contratações com objetos similares ocorridas em outros órgãos e entidades.”
O órgão assinala que os preços pagos pelos chamados pontos de função (PF) são muito acima do mercado, sendo R$ 352,40 pela CGU; R$ 460,00 pelo banco Central contra R$ 1.161,18 do CNPq:
“Assim, observa-se que o valor do PF para manutenção adaptativa, corretiva e perfectiva no CNPq é 132% maior que o praticado no Banco Central”.
E complementa aprofundando seu questionamento: “a complexidade enfrentada por uma fábrica de software é significativamente maior no Banco Central que no CNPq”.
Contratação suspeita de consultores
A CGU fez uma verificação por amostragem para verificar a contratação de “consultores” pelo órgão – ver partir da partir da página 182. É curioso o caso do ex-chefe de gabinete da presidencia, 23 dias após sua aposentadoria, sendo selecionado pelo atual chefe de gabinete. Destaco alguns trechos do relatório de auditoria:
“Para verificar os controles internos existentes na área responsável no CNPq pela gestão dos processos de contratação de consultores modalidade produto, foi selecionado o processo de contratação do consultor inscrito no CPF sob o nº ***.636.788‐**, no valor de R$ 132.737,70, por ser o maior valor contratado, representado 40,98% do total (materialidade); por o contratado ter exercido até 30.06.2012 a função de Chefe de Gabinete do Presidente do CNPq e 23 dias após encaminhar currículo para concorrer para a contratação de consultor na modalidade produto (relevância); e por o Coordenador do Projeto 914BRZ2002 ser o atual Chefe de Gabinete do Presidente do CNPq (criticidade).”
“Por analogia a exigência de Doutorado deveria obedecer aos ditames do dispositivo legal citado, mas não é possível associar o Doutorado em Imunogenética, realizado há 36 anos, com o objeto da contratação de ‘Estruturar um sistema integrado de acompanhamento e avaliação das ações do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)’.
“Ressalte-se que o contratado, segundo dados constantes do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos do Governo Federal – SIAPE, tem o benefício de isenção de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Física – IRPF devido possuir doença especificada em lei causadora de invalidez. Entretanto, consta, a folha 77 do processo de contratação, atestado do serviço médico do CNPq que assegura que o candidato ‘se
encontra apto clinicamente para suas atividades laborativas de consultor’.”
Para garantir a publicidade no certame, o CNPq publicou o edital no prestigioso…
“Jornal do Dia, que circula no Estado do Amapá e quanto à publicação no Diário Oficial da União – DOU, de 23. 07.2012, o CNPq optou por publicar o Edital em forma resumida”.
Sobre os demais concorrentes, um tinha dois sobrenomes iguais ao escolhido e outro usou o mesmo e-mail do candidato escolhido!
Sobre os “produtos” entregues pela consultoria:
“Verifica-se a partir do título do produto, bem como do produto apresentado, que o mesmo poderia ser passível de execução por servidores do CNPq. Não se vislumbra a necessidade de utilização do instrumento de Cooperação Técnica Internacional para a elaboração de um catálogo de ações desenvolvidas no âmbito do CNPq. Ou seja, não há necessidade de um especialista que promova um olhar externo para a feitura de tal catálogo.”
Apesar das sombrias revelações, para aqueles que lutam por uma ciência aberta, não é novidade que órgãos como CNPq ou CAPES operem à margem do controle social, com baixíssima transparência e fraca prestação de contas. O CNPq tem resistido em abrir a base de dados Lattes mesmo após essa ação ser priorizada no diálogo governo-sociedade civil que ocorreu no âmbito da Parceria para o Governo Aberto. Já a CAPES segue ignorando a ordem da CGU de abrir os componentes de avaliação do Sistemas Qualis de todas suas áreas, o que impede de inferir a aplicação dos critérios de avaliação e por consequência auditar as notas apresentadas. A quem interessa esse segredo?
Tais órgãos funcionam na base de indicações políticas, sem a elaboração de consultas públicas ou outros mecanismos de participação democráticos que cheguem à base da comunidade científica. A moderna gestão pública envolve o exercício da transparência – que também é um princípio constitucional -, a receptividade ao controle social fiscalizador da sociedade, assim como mecanismos que envolvam a participação da comunidade afetada por suas políticas.
Em conclusão, espera-se que esses órgãos se modernizem e se abram a tais mudanças tão necessárias para uma boa gestão.
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