Escola de Dados

Coda Amazônia: no primeiro dia do evento, debates reforçam a importância da integração entre dados e territórios

01 set de 2023, por OKBR

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Confira como foram os primeiros painéis do Coda Amazônia 2023

A legitimidade das comunidades locais para pautar políticas públicas direcionadas às necessidades de cada território e a potência da produção de dados por essas comunidades de forma descentralizada foi assunto do painel de abertura do Coda Amazônia 2023, nesta quinta-feira (31), na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém.

Transmitida no canal da Escola de Dados no YouTube, a atividade foi mediada por Jamile Santana, coordenadora da Escola de Dados, e contou com a presença de Bianca Barbosa, do Observatório do Marajó, Érica Azzellini, do Wiki Movimento Brasil, e Kalynka Cruz, da Faculdade de Comunicação da UFPA.

Bianca contou que o trabalho do Observatório do Marajó se expandiu durante a pandemia frente à necessidade das comunidades da região por informações voltadas a suas realidades. “Nós buscamos levar essas informações, mas também produzimos dados sobre, por exemplo, o número de infectados e de óbitos no Marajó. Foi um trabalho realmente de produção de dados”, explicou.

Ela contou que, atualmente, o Observatório atua por meio da articulação e do fortalecimento de redes, da capacitação de lideranças e de campanhas de incidência nas áreas de justiça climática, direitos humanos, democracia e transparência. Além disso, a organização trabalha com produção de dados e análise de políticas públicas voltadas às comunidades da região.

“Esses dados são importantes para cobrar políticas públicas e ampliar o debate sobre justiça climática. E o Coda Amazônia veio para fortalecer o nosso trabalho e o trabalho das lideranças porque uma liderança fortalecida, com acesso a metodologias e ferramentas, consegue potencializar muito mais o seu trabalho e a sua voz. Por isso também propusemos levar o Coda Amazônia para Salvaterra (Ilha de Marajó-PA) na edição deste ano.”

Érica Azzellini, do Wiki Movimento Brasil, celebrou o convite para participar do Coda, que veio ao encontro de um grande projeto da organização este ano, o Wiki loves Pará. A iniciativa visa valorizar a cultura local, mobilizando comunidades para inserir seus conhecimentos dentro das plataformas Wikimedia, como a Wikipedia, a mais conhecida, mas também a Wikimedia Commons, repositório multimídia, e o Wikidata, banco de dados estruturado.

“Uma vez que você insere esses conhecimentos com o apoio da população, isso gera um processo mais empoderador sobre a apropriação dessas plataformas e traz visibilidade para o conteúdo, levando em consideração esse conhecimento local e como isso deve ser integrado dentro deste grande ecossistema do conhecimento livre”, refletiu.

Kalynka Cruz, diretora da Faculdade de Comunicação da UFPA, trouxe ao público do Coda uma novidade: a criação de um curso de especialização de ensino à distância em Jornalismo de Dados, Inteligência Artificial e Pesquisa Etnográfica. A professora contou que a especialização é fruto da realização da primeira edição do Coda Amazônia no ano passado e vai oferecer 30% das vagas para ações afirmativas e 10% para as lideranças.

“O Coda Amazônia fomentou discussões cruciais para transformar a nossa região. Essa nova especialização representa o compromisso da UFPA com a formação de profissionais que tenham o poder de impactar positivamente a realidade. E ela é aberta a todas as áreas de conhecimentos, justamente porque trabalhar com dados é trabalhar não só com uma multiplicidade de disciplinas, como também com uma multiplicidade de realidades.”

Clique aqui para assistir o painel na íntegra. 

Sinergias entre ciência e jornalismo de dados 

O segundo painel do Coda Amazônia 2023 abordou as convergências entre pesquisas científicas e o jornalismo de dados ambientais. Jornalistas e pesquisadores refletiram sobre como profissionais destas duas áreas podem trabalhar conjuntamente na produção de reportagens baseadas em evidências, criando novas narrativas de combate à desinformação ambiental.

Sob mediação de Jader Gama, da Fundação Centro de Referência em Educação Ambiental Escola Bosque “Professor Eidorfe Moreira” (Funbosque), marcaram presença no debate Marcela Vecchione, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da UFPA, Thiago Medaglia, da Ambiental Media, Maria Rosa Darrigo, do Pulitzer Center.

Thiago abriu os trabalhos do painel com a apresentação do Índice de Impacto nas Águas da Amazônia, desenvolvido pela Ambiental Media com apoio do Instituto Serrapilheira.

“Por que falar de água na Amazônia? Existe um certo vício na cobertura jornalística ao olhar para a Amazônia, que é muito voltado à terra firme: água, fogo. E trata-se da maior bacia hidrográfica do planeta, um tema que, pensando em alterações climáticas, talvez seja o mais importante com o qual temos que lidar. E essa inquietação nos levou a olhar para as bases de dados existentes sobre ecossistemas aquáticos na Amazônia”, explicou.

O Índice é composto por um gradiente que vai de ‘extremo’ a ‘muito baixo’. As ações humanas que impactam os ecossistemas mapeadas passam por degradação florestal, cruzamento de estradas e rios, mudanças climáticas, garimpo ilegal, mineração industrial, área urbana, agricultura e pecuária, hidrelétricas e hidrovias.

“Vinte por cento das águas da Amazônia brasileira estão altamente impactadas. Esse é o principal resultado, mas ele traz outros. Um dos mais importantes é que as terras indígenas são fundamentais, em tempos de debate de marco temporal, para proteger o futuro das águas na Amazônia, que é o futuro do planeta habitável, do consumo humano, da conservação, da produção de alimentos. Estamos falando de tudo isso quando falamos de água”, ressaltou.

Thiago enfatizou ainda que o Índice também aponta histórias. “A terra indígena Tubarão/Latundê tem um índice de impacto altíssimo quando se fala de água, o que demonstra que alguma coisa está acontecendo ali, ou seja, tem uma história para cobrir ali. E é isso que nós queremos: que as histórias sejam verificadas. É jornalismo de dados, então temos que combinar o trabalho de dados com o trabalho jornalístico.”

Marcela Vecchione, por sua vez, abordou o desafio de comunicar a ciência. “Na academia, falamos tecnicamente em divulgação científica e mais recentemente começamos a ter um diálogo com os comunicadores sobre comunicação da ciência, que são coisas diferentes. Hoje, na produção científica sobre e na Amazônia, esse desafio de comunicar a ciência é cada vez mais importante e relevante politicamente. A Amazônia, mais do que nunca, está em disputa, mas o que vemos hoje também é uma disputa sobre os sentidos e os significados, em que os significantes são cada vez mais importantes”, pontuou.

A professora compartilhou a necessidade de evitar que o jornalismo de dados sobre a região amazônica não tome a forma de neoextrativismo do conhecimento.

“A gente fala em neoextrativismo dos recursos, mas também temos o neoextrativismo do conhecimento e isso é a realidade da produção da ciência na Amazônia e sobre a Amazônia. Eu sou bastante entusiasta do jornalismo de dados e tenho receio de que no volume da divulgação e combinação desses dados, nós nos esqueçamos de continuar fazendo a discussão sobre o que é dado e por que se começou a fazer jornalismo de dados: para combater a desinformação e não ficar restrito a apenas um meio científico ou um tipo de dado, já que ciência também é democracia.”

Maria Rosa Darrigo traçou as diferenças entre ciência e jornalismo. Alguns exemplos são: 1) a necessidade da ciência de achar padrões versus a tendência do jornalismo à individualização das histórias; 2) os pares como público interlocutor dos cientistas versus a massa como audiência do jornalismo; 3) os tempos, sendo muito maior na academia e cada vez mais veloz no jornalismo; 4) a especialidade na ciência e o generalismo no jornalismo.

“Onde as coisas se conectam é nos dados. Eu entendia que a ciência traz os dados e o jornalismo consome esses dados. Mas a gente está em um momento em que o jornalismo cria dados e isso é um ponto de mudança na dinâmica entre ciência e jornalismo. E uma questão é: como será o futuro dessa relação?”, provocou.

Para a pesquisadora, a atual crise tanto da ciência quanto do jornalismo pode ser uma oportunidade para pensar como transformar ambos de maneira mais humana, regional e trazendo a diversidade de vozes e dados para combater a desinformação.

Clique aqui para assistir o painel na íntegra.