Por Bruna Santos*
No dia 13 de setembro, participei do evento Big Data Brasil, organizado pelo CRIE da UFRJ e Ministério Público do Rio de Janeiro. Entre os painelistas dos dois dias de evento, estiveram especialistas do setor e acadêmicos discutindo as diversas facetas da utilização de grandes dados.
No dia, meu foco foi apresentar alguns exemplos sobre como dados abertos não são um fim em si mesmos, mas um meio. Um meio não só para repensarmos a forma como governos trabalham com a sociedade, mas também para a melhoria da gestão pública e da gestão de riscos de investimentos públicos. Entre os casos, apresentei a plataforma GeoNode Typhoon Yolanda Maps, desenvolvida nas Filipinas e também o Code For Resilience. Ambos utilizam dados abertos governamentais para a gestão de riscos de desastres ambientais.
Para ilustrar o argumento de que a gestão pública seria uma das primeiras beneficiadas pela abertura das informações, mencionei alguns exemplos de como os dados abertos podem ajudar nossas instituições a lidarem com as incertezas, as vulnerabilidades e os riscos que problemas complexos e interdependentes representam.
Em março de 2011, um terremoto, seguido de tsunami, atingiu a ilha de Myatojima, costa de Sendai no Japão. Após o desastre, o governo da ilha, a Universidade de Tóquio, o Laboratório Watanave, e um jornal local construíram a plataforma We Shall Never Forget, com o objetivo de preservar as rotas de fuga daqueles que não sobreviveram ao terremoto.
No ano de 869, um terremoto também atingiu a costa de Sendai, mas naquela época a informação foi ‘preservada’ de forma diferente. Quando a terra começou a tremer, muitos habitantes da ilha, cientes de que muito provavelmente um tsunami se seguiria, fugiram para o topo de uma montanha específica, próxima ao vale. Como esperado, duas ondas imensas vieram depois do tremor, devastaram os arrozais, passaram pela montanha e mataram centenas de pessoas.
Os que sobrevieram nesse dia colocaram uma pedra no topo daquela montanha e, ao lado, construíram um santuário como forma de narrar a história de como duas ondas chegaram até ali e mataram centenas de pessoas. O que para alguns pode soar mórbido, para outros soa como preservação de uma memória coletiva, não só em dados, mas em narrativas.
Por 1142 anos, a pedra serviu como um aviso para as gerações futuras para que não fugissem ao topo daquela montanha. E, assim, em 11 de março de 2011, mais um terremoto atingiu a costa de Sendai, moradores de Miyatojima fugiram para o interior da ilha, onde assistiram duas ondas de tsunami devastarem a costa da ilha, até o topo montanha.
Essa história é um outlier. Um exemplo de uma informação que fez parte da memória dos moradores de um certo lugar por 50 gerações. De fato, há poucos registros de desastres naturais que nos dêem dados suficientes para projetar modelos de periodicidade ou impacto desses cisnes negros. Mas, pra mim, ela nos chama a atenção por vários motivos. Dentre eles, a noção de que as informações sobre as experiências de uma população em um território, seja esta informação bruta, datada, georreferenciada ou narrada, constituem memórias coletivas. Com total desapego aos rigores acadêmicos, eu sugiro que dados governamentais são memórias coletivas. E, nesse caso, abrir dados é dar direito ao acesso a essa memória. Sem ela, populações vulneráveis ficam impossibilitadas de fazerem escolhas diferentes.
Além disso, essas informações nos mostram um caminho para alavancar a inteligência coletiva e promover a cocriação de serviços. Nos casos asiáticos que falei, a gestão dos riscos climáticos tem sido feita por meio da cocriação de soluções com empresas e sociedade civil. Em muitos outros, como o Supremo em Números, vê-se que, ao dominar melhor a informação, governos conseguem diminuir os níveis de ineficiência.
Dentre os desafios que nos restam estão, obviamente, a geração de capacidade institucional para lidar com o problema que surge no momento em que o fluxo de informações tende a não mais seguir apenas a verticalização hierárquica burocrática, mas sim, horizontal. Mas pra discutir isso mais a fundo, o nome do seminário teria de ser Big Data & Big Institutions, pois entre os sintomas das crises atuais está a constatação da incapacidade das nossas instituições trabalharem em rede e distribuírem poder (e informação) entre si.
* Bruna Santos é presidente do Conselho Deliberativo da Open Knowledge Brasil.