Bruna Santos ressalta a importância da organização para o debate sobre transparência e dados abertos no Brasil; entrevista faz parte de série especial de aniversário
“A Open Knowledge Brasil pode ajudar nossa sociedade a responder algumas questões que hoje são globais e que dizem respeito ao combate à corrupção, ao accountability no século 21 e às escolhas que precisam ser feitas para a defesa do Estado democrático.”
A reflexão é de Bruna Santos, ex-presidente do conselho deliberativo da Open Knowledge Brasil (OKBR), em entrevista que faz parte de série especial para marcar o aniversário de dez anos da OKBR.
Mestre em Administração Pública, Bruna atuou como vice-presidente e diretora de Inovação na Escola Nacional de Administração Pública do Brasil (Enap) e como diretora na Comunitas, organização sem fins lucrativos dedicada a promover o desenvolvimento social no Brasil.
Atual diretora do Brazil Institute, organização sediada em Washington que atua na promoção de relações entre instituições brasileiras e americanas em diversos setores, a especialista foi homenageada pela Apolitical e pelo Global Future Council (GFC) do Fórum Econômico Mundial sobre Governança Ágil como um dos 50 líderes mais influentes que defendem a inovação na elaboração de políticas.
Para ela, a atuação da OKBR tem sido fundamental para a evolução do cenário brasileiro relacionado a transparência e dados abertos. “Além de um personagem fundamental, é uma plataforma, um palco onde muitos outros personagens se coordenam, interagem e se beneficiam do que é produzido ali”, ressalta.
Confira a entrevista na íntegra.
Open Knowledge Brasil: Como a história da OKBR se cruza com a sua?
Bruna Santos: A primeira vez que eu procurei a Open Knowledge Brasil foi quando eu convidei o Everton e a Natália [ex-diretores da OKBR], que, à época, lideravam a Escola de Dados [eixo educacional da OKBR], para um evento fechado que eu estava organizando, no escritório da Universidade de Columbia no Brasil, para discutir o futuro da participação social no Brasil e para a criação de um Observatório que passaria a debater o tema de forma sistemática. Foi meu primeiro trabalho depois de uma temporada fora do país, com um foco maior em governança e políticas públicas.
A partir daquele momento, eu aproximei meu trabalho de pesquisa da OKBR, o que, posteriormente, me levaria a atuar no conselho deliberativo da organização, provocada pelas perguntas que me fiz no período em que eu morava em Pequim [China] e decidi trabalhar com políticas públicas e que passam pela compreensão de como o governo pode, de forma mais eficiente, transparente e em acordo com os valores democráticos, entregar mais à população. Foi quando eu comecei a entender a importância da transparência e do compromisso com os dados abertos e o seu papel para uma boa governança democrática.
Eu conto essa história porque acho que esse encontro com o ‘Tom’ e com a ‘Nati’ foi muito importante, na época, para eu descobrir grandes referências: pessoas que estavam se fazendo essas mesmas perguntas e buscando promover esses mesmos valores. E foi assim que, depois de um tempo, eu me tornei presidente do conselho da OKBR e, até hoje, faço parte dessa grande rede de amigos da Open Knowledge Brasil.
OKBR: Na sua avaliação, quais são as principais contribuições da OKBR para a evolução do cenário brasileiro relacionado a transparência e dados abertos nos últimos dez anos?
BS: A Open Knowledge Brasil não só tem liderado o movimento de transparência e dados abertos no Brasil, como também trouxe uma série de conceitos, requisitos e até um léxico que hoje é compartilhado por muitos. O papel da OKBR nesse sentido é enorme, sobretudo na mobilização de uma rede, que, ao longo dos últimos dez anos, amadureceu muito.
Dada a tendência global de questionamento e demanda pelo aprimoramento da atuação e da capacidade do Estado de responder a grandes crises, e como isso passa pela transparência das informações e pelo controle social, esse é um tema que a Open Knowledge Brasil tem alimentado: a esfera pública de informação e os conceitos e requisitos necessários não só para que o Brasil evoluísse do ponto de vista normativo – e aqui destaco o papel importante da OKBR durante a construção da Lei de Acesso à Informação (LAI)-, como também em relação à mobilização de uma rede de pessoas que se importam com esse tema.
OKBR: Quais ações ou projetos da OKBR você destacaria nessa trajetória e por quê?
BS: Olhando para a evolução do cenário brasileiro relacionado a transparência e dados abertos, não tenho dúvida de que a Open Knowledge Brasil é um personagem fundamental. Mas, além de um personagem, é uma plataforma, um palco onde muitos outros personagens se coordenam, interagem e se beneficiam do que é produzido ali. A produção do Índice de Dados Abertos é uma marca disso.
Tem também um papel super importante da OKBR na formação das pessoas por meio da Escola de Dados, um trabalho super importante que tem potencializado cada vez mais a capacitação das pessoas que podem se beneficiar dos dados abertos, olhando tanto para a oferta quanto para a demanda por esses dados. E claro, o papel de controle social se destaca muito nos programas do eixo de Inovação Cívica, a exemplo do Querido Diário e do Serenata de Amor, projetos que demonstram a capacidade dessa rede e a importância da Open Knowledge Brasil, para além da educação e do advocacy, mas também o ativismo cívico pelos dados abertos e pela transparência.
OKBR: Frente aos desafios e às oportunidades atuais, como você avalia que a OKBR deva direcionar seus esforços de atuação no próximo período?
BS: Hoje, no Brasil, precisamos de um esforço para tornar transparência e dados abertos um tema “sexy” de novo. Isso porque existem grandes debates acontecendo no mundo e um deles é o futuro da accountability e das ferramentas de combate à corrupção e, obviamente, os dados abertos e a transparência estão relacionados a isso. Mas eu percebo uma desaceleração da conversa sobre combate à corrupção no Brasil nos últimos anos. Existe uma estafa, talvez em razão das crises institucionais da nossa história recente, que pode ter desanimado as pessoas para essa discussão.
Além disso, quando olhamos para os modelos de governança dos países, vemos que existe uma redução da governança democrática no planeta, o fenômeno do democratic backsliding. E existe também uma preocupação sobre como as democracias vão entregar resultados, serviços e bens públicos para as populações. Acho que nunca se imaginou que governos não-democráticos, como China e Cingapura, por exemplo, poderiam ser capazes de entregar bens públicos para suas populações como hoje entregam. Então, esse grande conflito que hoje há no mundo entre autocracias e democracias é outra discussão muito premente.
Nesse sentido, os dados abertos e a transparência são não só instrumentos de redução de risco regulatório e de corrupção, mas também viabilizadores da construção de soluções públicas pelo setor privado, pelos ativistas e pela sociedade civil e podem garantir uma esfera pública que consiga trabalhar com o setor privado de forma saudável.
A Open Knowledge Brasil está muito bem posicionada nessas discussões e, por isso, no próximo período, pode ajudar nossa sociedade a responder algumas questões que hoje são globais e que dizem respeito ao combate à corrupção, ao accountability no século 21 e às escolhas que precisam ser feitas para a defesa do Estado democrático – não só da integridade das suas instituições, mas também da sua capacidade de entrega, seja por si só ou por meio de parcerias. E sem transparência e dados abertos, essa tarefa ficará bem mais difícil.