Diretora-executiva da OKBR comenta sobre o impacto das formações oferecidas pela Escola de Dados, por onde já passaram mais de trinta mil pessoas
Em entrevista que encerra a série comemorativa dos dez anos da Open Knowledge Brasil (OKBR), a diretora-executiva da organização, Fernanda Campagnucci, conta sua relação com o capítulo brasileiro da Open Knowledge Foundation (OKF) e destaca o trabalho e a atuação das pessoas envolvidas nessa trajetória, que contribuiu para avanços significativos no campo democrático e de direitos digitais no país.
A democratização do acesso ao conhecimento para lidar com dados é outro ponto abordado por Campagnucci. Para ela, os cursos oferecidos pela Escola de Dados contribuíram para que as pessoas passassem de usuárias a produtoras de dados. Mais de trinta mil pessoas já passaram pelas formações oferecidas pelo programa educacional da organização.
Campagnucci, que esteve à frente da política municipal de transparência, abertura de dados e integridade no município de São Paulo, revela preocupação em olhar, cada vez mais, para os contextos locais. “Os municípios são os entes mais deficitários em termos de transparência e dados abertos e esse fato, somado ao baixo monitoramento da sociedade civil e aos desertos de notícias, acaba favorecendo o fisiologismo e o uso da máquina por grupos antidemocráticos”, afirma.
O foco em fortalecer o tecido democrático e a busca por aprofundar a conexão dos dados abertos com agendas de direitos humanos e de redução das desigualdades são prioridades que pautam a agenda da organização e devem se intensificar nos próximos anos, completa a diretora.
Confira a entrevista na íntegra.
Open Knowledge Brasil (OKBR): Como a história da OKBR se cruza com a sua?
Fernanda Campagnucci: Comecei a acompanhar a comunidade da OKBR desde o início, em 2013, como pessoa entusiasta de tecnologias cívicas e de dados abertos. Alguns de nós participávamos de um grupo em comum, a Transparência Hacker, que reunia ativistas e interessados no tema. Na época, chegamos a organizar atividades em conjunto – primeiro, com a temática de dados abertos e educação, quando eu atuava na ONG Ação Educativa; depois, já na Prefeitura de São Paulo, como gestora pública, também interagi bastante com a comunidade. Em 2016, por exemplo, participei de um ciclo de webinars organizado pela OKBR. Também estive em algumas edições do Coda.Br e atividades da Escola de Dados, antes de entrar efetivamente para a equipe.
Sempre admirei o trabalho e a atuação das pessoas envolvidas na OKBR e em sua comunidade – como Everton Zanella, Natália Mazotte, Ariel Kogan, Vitor Baptista, Gisele Craveiro, Eduardo Cuducos, Yasodara Córdova, entre tantos outros que conheci nesse caminho. Foi por isso que, quando surgiu a oportunidade de assumir a direção executiva da organização, em agosto de 2019, não hesitei em topar o desafio de seguir ajudando a construir e a fortalecer a OKBR.
OKBR: Na sua avaliação, quais são as principais contribuições da OKBR para a evolução do cenário brasileiro relacionado a transparência e dados abertos nos últimos dez anos?
FC: Penso que há pelo menos três contribuições muito importantes da OKBR no campo democrático e de direitos digitais. A primeira é ter ajudado a qualificar o debate e as políticas públicas sobre dados abertos, diferenciando esse tema da discussão mais geral sobre transparência pública. A OKBR contribui ao colocar a necessidade de padrões específicos de dados abertos, produzir relatórios e guias para ajudar a ampliar a disponibilidade nas várias áreas de políticas públicas e melhorar a qualidade e a governança dos dados – um trabalho que é constante e ainda é bastante necessário.
Uma segunda contribuição relevante é a democratização do acesso ao conhecimento para lidar com dados. Mais de trinta mil pessoas já passaram pelos cursos da Escola de Dados, de gestores públicos a jornalistas, passando por ativistas e pesquisadores. Esses cursos são importantes porque não ensinam apenas ferramentas, mas também a pensar os dados de forma crítica, a considerar seus problemas e lacunas, além de mostrar que todas as pessoas podem também ser produtoras de dados, não apenas usuárias.
Por último, mas não menos relevante, é a contribuição da OKBR para a defesa do software livre e a manutenção de uma comunidade em torno de projetos de código aberto. Muitas pessoas estão tendo seu primeiro contato com o software livre a partir dos nossos projetos de inovação cívica e percebem que podem se envolver ativamente, aprender e contribuir nessas trocas com a comunidade. Esse modo de produzir tecnologia não é muito comum no terceiro setor, mas a OKBR mostra que não apenas é possível, como também pode ser um método de engajamento muito poderoso e uma escolha política pela autonomia e pelo compartilhamento de conhecimento.
OKBR: Quais ações ou projetos da OKBR você destacaria nessa trajetória e por quê?
FC: O Índice de Transparência da Covid-19 foi muito emblemático porque mostrou a relação direta e urgente entre a disponibilização e a qualidade de dados abertos e a defesa do direito à vida e à saúde. No livro Emergência dos Dados, procuramos mostrar todo o impacto dessa iniciativa e como foi o processo de incidência sobre as políticas públicas.
A interação intensa com os gestores no início da pandemia e as dificuldades técnicas e políticas relatadas por eles para divulgação de dados nos levaram a produzir um curso inédito que trata de todo o processo de publicação de dados abertos, incluindo aspectos de governança. O Publicadores de Dados: da gestão estratégica à abertura, lançado em 2020, foi um sucesso, com mais de mil gestores capacitados pelo Brasil. A formação resultou em um e-book gratuito, lançado em 2021, que já recebeu milhares de acessos. Até hoje, gestores de todas as partes do país nos procuram para realizar essa formação.
O Querido Diário é um ótimo exemplo de como um projeto de código aberto pode gerar mais engajamento e fortalecer o ecossistema de informação pública como um todo. Mais de 1.100 pessoas participam da comunidade online do Discord, principalmente para contribuir e interagir com o Querido Diário. Dois projetos já foram construídos utilizando essa infraestrutura – o Diário do Clima e o Querido Diário – Tecnologias na Educação. Sem contar o reúso dos dados dos diários oficiais que estão abertos ali. E está apenas começando.
OKBR: Frente aos desafios e às oportunidades atuais, como você avalia que a OKBR deva direcionar seus esforços de atuação no próximo período?
FC: No processo de planejamento estratégico dos últimos quatro anos, temos buscado aprofundar a conexão dos dados abertos com agendas de direitos humanos e de redução das desigualdades.
As populações mais vulneráveis sofrem mais com eventos extremos do clima – e é também nessas regiões onde se padece mais com a ausência de dados abertos e de qualidade para realizar um diagnóstico participativo dos problemas que as comunidades enfrentam. Justiça climática e racismo ambiental são conceitos-chave que devem seguir orientando o trabalho da OKBR, assim como as temáticas de gênero, racial e indígena de forma transversal a todas as ações.
Também temos olhado, cada vez mais, para os contextos locais. Os municípios são os entes mais deficitários em termos de transparência e dados abertos, e esse fato, somado ao baixo monitoramento da sociedade civil e aos desertos de notícias, acaba favorecendo o fisiologismo e o uso da máquina por grupos antidemocráticos. Por isso, projetos como o Querido Diário, a Rede de Pessoas Embaixadoras de Inovação Cívica e o Índice de Transparência para Cidades, que também será replicado nos estados, são tão importantes para fortalecer o tecido democrático.