Dez anos da OKBR | Natália Mazotte enfatiza o papel da OKBR para a inserção da prática de jornalismo de dados no país

20 out de 2023, por OKBR

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Cofundadora da Escola de Dados e ex-diretora da OKBR, ela destaca como a organização contribuiu para empoderar cidadãos a participarem da esfera política  

“Eu, que havia me apaixonado por jornalismo de dados em um evento no exterior e pela possibilidade de unir jornalismo e tecnologia, pulei de cabeça no projeto de criar recursos para outros jornalistas que estivessem interessados em trabalhar a partir de dados nas suas histórias e impactar políticas públicas”. 

O relato é de Natália Mazotte sobre o convite para trazer ao país a School of Data (Escola de Dados), que viria a se tornar o programa educacional da OKBR. A empreitada deu tão certo que, anos depois, ela assumiu a direção do capítulo brasileiro da Open Knowledge Foundation (OKF), cargo do qual esteve à frente entre 2017 e 2019. Natália é cofundadora da startup jornalística Gênero e Número e, atualmente, lidera as parcerias do Google com associações e o ecossistema de notícias no Brasil.

Nesta entrevista, que faz parte de uma série especial para marcar o aniversário de dez anos da OKBR, Mazotte relembra projetos iniciados na época que ajudaram a consolidar a comunidade de jornalismo de dados no país, como a Conferência de Jornalismo de Dados (Coda.Br) e o Cerveja com Dados. Para ela, a atuação da OKBR, ao lado de organizações como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), contribuiu para o movimento de uso de dados no jornalismo, impulsionando a cobrança por mais transparência.

“Sem dúvida, a força da LAI [Lei de Acesso à Informação] hoje se deve, em grande parte, ao entendimento que jornalistas e pesquisadores construíram sobre o valor da Lei para os seus trabalhos cotidianos. E construir esse entendimento, passar técnicas de trabalho com dados e construir casos de uso foi o trabalho central da Escola de Dados ao longo dos últimos dez anos”, reforça.

Leia a entrevista na íntegra.

Open Knowledge Brasil (OKBR): Como a história da OKBR se cruza com a sua?

Natália Mazotte: A história da OKBR se confunde com a minha carreira, meus valores e propósito de vida. A OKBR ainda estava nascendo quando me juntei a um grupo de ativistas por acesso a informação no Ônibus Hacker, que saiu de São Paulo em direção à Brasília para o encontro da Open Governement Partnership, em 2012. Nessa viagem, conheci, pelo Everton Zanella, a missão da OKBR e os planos de trazer a então School of Data para o Brasil. Eu, que havia me apaixonado por jornalismo de dados em um evento no exterior e pela possibilidade de unir jornalismo e tecnologia, pulei de cabeça no projeto de criar recursos para outros jornalistas que estivessem interessados em trabalhar a partir de dados nas suas histórias e impactar políticas públicas. Sempre acreditei que informação é capaz de transformar a vida das pessoas e sempre quis trabalhar para ampliar o acesso a educação e informação de qualidade. Daí nasceu o meu envolvimento com a OKBR.

Comecei a trabalhar como voluntária para lançar o capítulo da Escola de Dados no Brasil e, um tempo depois, assumi como gerente de programa para liderar esse braço de alfabetização em dados. A Escola de Dados ganhou um espaço tão importante dentro da OKBR, que, em 2017, fui convidada a ser diretora-executiva e estive até agosto de 2019, quando passei o bastão para a Fernanda Campagnucci para me dedicar a uma bolsa que recebi em Stanford.

OKBR: Na sua avaliação, quais são as principais contribuições da OKBR para a evolução do cenário relacionado a transparência e dados abertos no Brasil nos últimos dez anos?

NM: A OKBR é, sem dúvida, uma das principais referências na promoção da transparência e dos dados abertos no país e teve um impacto significativo nesse cenário. Conseguimos iniciar, junto com organizações como a Abraji, um forte movimento de uso de dados no jornalismo e isso impulsionou a cobrança por mais transparência e abertura de dados públicos. Sem dúvida, a força da LAI hoje, o fato de a lei ter “pegado”, se deve, em grande parte, ao entendimento que jornalistas e pesquisadores construíram sobre o valor da Lei para os seus trabalhos cotidianos. E construir esse entendimento, passar técnicas de trabalho com dados e construir casos de uso foi o trabalho central da Escola de Dados ao longo dos últimos dez anos.

Também destaco a imensa contribuição da OKBR na construção de tecnologias para empoderar cidadãos a participarem da esfera pública, com um programa dedicado a inovações cívicas. No início de 2018, somamos esforços com o time do Serenata de Amor, que já era um dos projetos de inovação cívica mais conhecidos do país, e isso abriu caminho para projetos que até hoje são referência em abertura de dados e participação social.

OKBR:  Quais ações ou projetos da OKBR você destacaria na análise anterior e por quê?

NM: Dentro do braço de alfabetização em dados, lançamos três projetos que ajudaram a consolidar essa comunidade de jornalismo de dados: a Conferência de Jornalismo de Dados (Coda.Br), o Cerveja com Dados (encontros que unem jornalistas, designers, programadores para compartilhar boas práticas e casos de uso de dados) e os materiais de aprendizagem. Até hoje, o Coda e o Cerveja são pontos de encontro e de atualização dessa comunidade e nossa metodologia de ensino (com o fluxo de trabalho com dados e todos os tutoriais online que publicamos) é referência no jornalismo de dados e segue sendo replicada em disciplinas de universidades e outros espaços.

No programa de inovação cívica, destaco o Serenata de Amor, que aplicou tecnologia para fiscalizar os gastos dos parlamentares com a famosa robozinha “Rosie” no Twitter, e o Querido Diário, que iniciamos em 2018 para abrir os dados de diários oficiais de municípios, tornando-os mais acessíveis para os cidadãos. São dois projetos que receberam prêmios internacionais e são grandes referências de inovação cívica no Brasil e no mundo. No eixo de advocacy, destaco o Índice de Dados Abertos, esforço de pesquisa para criar indicadores da qualidade de abertura de dados em nível subnacional.

OKBR: Frente aos desafios e às oportunidades atuais, como você avalia que a OKBR deva direcionar seus esforços de atuação no próximo período?

NM: Os desafios sociais e econômicos que o uso de dados massivos traz ficam cada vez mais claros para todos, em especial com a popularização de tecnologias de inteligência artificial. Vemos o quanto essas tecnologias podem ser disruptivas e reforçar desigualdades em diferentes campos. A OKBR luta para reduzir essas desigualdades, seja no acesso a dados ou na sua aplicação, há dez anos. Existe uma intencionalidade nessa construção: os dados precisam ser entendidos não como fins em si mesmos, mas como meios para a construção de iniciativas que olhem para inequidade de gênero, aquecimento global, acesso a educação de qualidade, acesso a informação para exercício da cidadania ativa e outras questões que, como humanidade, precisamos encarar.

A OKBR já está orientada nessa direção e certamente vai ter um papel cada vez mais fundamental para que dados e novas tecnologias sejam realmente utilizados para reduzir problemas sociais, e não ampliá-los.