Dez anos da OKBR | Para um dos fundadores da organização no Brasil, entidade se tornou referência no debate brasileiro sobre dados governamentais

15 set de 2023, por OKBR

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Everton Zanella elenca o processo de criação do capítulo brasileiro da Open Knowledge; entrevista faz parte de série especial de aniversário

Eu me apaixonei pela missão da Open Knowledge Foundation, que combina a interface do ativismo digital com o acesso ao conhecimento – o ideal dos mundos, na minha opinião.”

A reflexão é de Everton Zanella Alvarenga, uma das pessoas que ajudou a fundar o capítulo da Open Knowledge Foundation (OKF) no Brasil. À frente da OKBR como diretor-executivo por três anos, o ativista integrou o conselho deliberativo da organização até 2022. Com ampla atuação na comunidade de dados abertos, participou do movimento da sociedade civil para influenciar a aprovação do projeto de Lei de Acesso à Informação (LAI) no país e foi gerente nacional do Programa Educacional Wikipédia no Brasil.

Em entrevista que faz parte de série especial para marcar o aniversário de dez anos da OKBR, o ativista compartilha o processo para trazer a organização ao Brasil e celebra essa trajetória.

Atualmente vivendo em Berlim, onde trabalha como desenvolvedor de software, Zanella avalia que após dez anos de trajetória, o capítulo brasileiro da Open Knowledge Foundation alcançou a missão estabelecida de aumentar a participação cívica por meio do acesso ao conhecimento. Para ele, assuntos como combate à desinformação, ao movimento de extrema direita e ao colapso climático são pautas que devem ser reforçadas na agenda da OKBR no próximo ciclo.

Confira a entrevista na íntegra.

Open Knowledge Brasil: Como a história da OKBR se cruza com a sua?

Everton Zanella: Desde que estudei Física, tenho me envolvido bastante com o software livre e projetos colaborativos sempre me atraíram. Atuei como voluntário em iniciativas da Wikimedia Foundation e trabalhei na rede Stoa, projeto da Universidade de São Paulo. Paralelamente, comecei a ser influenciado por autores como Lawrence Lessig, que abordava o uso da tecnologia para influenciar a política.

Nesse período, eu ainda não conhecia a OKF, mas já achava importante termos uma organização no Brasil como a Sunlight Foundation, dos Estados Unidos, ou a mySociety, do Reino Unido. Essa vontade ganhou força com o surgimento de um grupo chamado Transparência Hacker, em meados de 2009. Sob a liderança de Daniela Silva e do Pedro Markun, o objetivo era criar uma comunidade para usar a tecnologia para se aproximar do governo. Na ocasião, debatia-se a aprovação do projeto de Lei de Acesso à Informação (LAI) no país e nós nos reuníamos para influenciar o Congresso.

Posteriormente, conheci a OKF e me aproximei por meio de trabalhos voluntários e pessoas da organização que visitaram o Brasil. Em julho de 2011, participei da Open Knowledge Conference, em Berlim, quando sugeri a criação da Open Knowledge Brasil. O Rufus, fundador da OKF, ficou bastante entusiasmado.

Em outubro de 2011, fui contratado pela OKF e comecei a buscar profissionais interessados em integrar o capítulo brasileiro. Após dois anos, a OKBR cresceu e alguns projetos em que estávamos trabalhando atingiram um alto potencial de financiamento, como o Queremos Saber. Pouco tempo depois, surgiu a ideia da Escola de Dados.

OKBR: Na sua avaliação, quais são as principais contribuições da OKBR para a evolução do cenário brasileiro relacionado a transparência e dados abertos nos últimos dez anos?

EZ: Desde que escrevemos a missão da OKBR, o objetivo era aumentar a participação cívica por meio do acesso a conhecimento e promover o jornalismo de dados. Hoje, a OKBR se tornou referência no país no debate sobre dados governamentais, participação cívica e acesso a conhecimento, contribuindo para o envolvimento entre sociedade civil e governo, que é fruto não apenas da atuação da organização, mas de todo o movimento, que envolveu, também, outras iniciativas, como a Transparência Hacker, por exemplo. 

E isso é visível em movimentos de pessoas que se organizam para criar projetos, que, de fato, estão influenciando a política. Posso citar o “Eu Voto”, um projeto criado lá atrás e que serve de exemplo de iniciativa de pessoas que quando se organizam podem ter uma influência no mundo real. Por isso a importância de ter uma organização dedicada a fazer esse tipo de advocacy, trabalhar para que uma ideia seja implementada ou acompanhar um projeto de lei que vai contra o interesse de minorias ou grupos, por exemplo. 

OKBR: Quais ações ou projetos da OKBR você destacaria nessa trajetória e por quê?

EZ: Poderia citar o Querido Diário, que é um projeto fenomenal, pois permite, de fato,  abrir as informações publicadas nos diários oficiais, transformando em dados indexáveis, o que permite fazer buscas nesses documentos. Ou a Escola de Dados, que além de oferecer treinamento, tem a função de conscientizar e espalhar a missão da  OKBR.

Pelo fato de o capítulo brasileiro estar se consolidando no cenário nacional, avalio que a OKBR em si é o projeto. As demais iniciativas surgem, nascem e morrem, mas se você tem uma organização por trás que permite construir projetos realizáveis e que tenham continuidade quando necessário, avaliando a situação política atual e causando algum impacto, isso, sim, é primordial. 

OKBR: Frente aos desafios e às oportunidades atuais, como você avalia que a OKBR deva direcionar seus esforços de atuação no próximo período?

EZ: O combate à sociedade da desinformação é um dos grandes desafios do nosso tempo. Em 2018, tivemos uma eleição onde um candidato de extrema direita utilizou recursos dessa natureza para se eleger. Atualmente, com a tecnologia de inteligência artificial, a produção de conteúdos se torna cada vez mais fácil para gerar desinformação e somos facilmente manipulados, usando nosso viés cognitivo em torno do que acreditamos. Por isso a importância de usar tecnologia para uma mudança concreta nesse sentido, conseguindo gerar impactos por meio de dados, transformando conhecimento pela mudança de políticas públicas.

O combate ao movimento de extrema direita, que mina as democracias, é outro desafio que precisa entrar no radar. O terceiro ponto em que avalio que a OKBR pode atuar é na frente do colapso climático, podendo se destacar, inclusive, como uma das principais organizações que promovem ações envolvidas na proteção da Floresta Amazônica.