“É difícil afirmar que dados abertos são dados que atendem problemas reais de pessoas reais”, afirma Vagner Diniz, do W3C Brasil

20 out de 2015, por OKBR

Compartilhar

O W3C Brasil é o escritório local do consórcio W3C, cujo trabalho é disseminar a prática e os conceitos de tecnologias abertas pra web, particularmente os padrões. Para funcionar adequadamente, a web precisa ser padronizada, de forma que todos os computadores possam entender os dados que são trocados na rede mundial. Caso não houvesse essa padronização, cada computador leria a informação de uma maneira diferente.

O W3C cuida desde o HTML até tecnologias mais complexas como RDF, para publicar dados abertos e formatados. O escritório trabalha com protocolos básicos de comunicação pra web, como HTTP e URI. É o que explica Vagner Diniz, gerente do W3C Brasil. Segundo ele, todas as aplicações na web podem interoperar entre diferentes dispositivos, em diferentes culturas, e é a preocupação do W3C lidar com todas essas questões.

Como exemplo, ele cita o E-social, um portal desenvolvido para que empregadores cadastrem suas empregadas domésticas para receberem o INSS, como demandado pela PEC das Domésticas. Vagner menciona que o aplicativo não roda no navegador Safari e não é responsivo, o que dificulta sua visualização em uma série de dispositivos. De acordo com ele, esse tipo de problema pode ser fácil de se resolver, desde que os padrões da web sejam observados.

Diniz explica que além do básico, o W3C também vem agindo de forma a padronizar a web das coisas, pagamentos via web com bitcoin ou blockchain, a web TV digital e também a web automotiva, já que cada vez mais carros estão se tornando conectados.

No Brasil, o W3C vem desde 2008 trabalhando com dados abertos, de modo a facilitar a interoperabilidade dos dados, (isto é, a capacidade de um sistema  – informatizado ou não – de se comunicar de forma transparente – ou o mais próximo disso – com outro sistema – semelhante ou não. Para um sistema ser considerado interoperável, é muito importante que ele trabalhe com padrões abertos ou ontologias) e também o surgimento de novas aplicações que possam fortalecer o movimento de transparência e dados abertos no país.

Debate: O Fim da Internet, com Reinaldo Pamponet Filho, Vagner Diniz e Pedro Dória - Campus Party Brasil - 21/01/2011 - Foto: Flá via de Quadros/indicefoto.com

Debate: O Fim da Internet, com Reinaldo Pamponet Filho, Vagner Diniz e Pedro Dória – Campus Party Brasil – 21/01/2011 – Foto: Flá via de Quadros/indicefoto.com

Em relação ao cenário de dados abertos, Diniz ressalta que a situação do Brasil ainda é delicada e que não há maturidade da comunidade. Ele afirma que estamos numa fase muito crítica em termos de dados abertos porque dificilmente é possível encontrar dados abertos como política pública. Se isso não ocorre, adverte, não existem esforços concentrados para a abertura de dados. “O Reino Unido, em certa medida, alguns outros países e algumas cidades têm essa política institucionalizada, mas o governo brasileiro ainda não tem uma política pública de dados abertos, então não basta que os interessados raspem os dados necessários para sanar temporariamente o problema da ausência de dados públicos abertos”, reflete.

De acordo com Vagner, ainda há uma distância gigantesca entre a oferta e a criação da demanda desses dados. “Hoje, o que nós temos de dados abertos, em geral é uma decisão dos publicadores de dados em formato aberto. Aqueles que são os guardiões dos dados decidem o que vão publicar. Não existe nenhuma conexão com os dados que são demandados, então é difícil afirmar que dados abertos são dados que atendem problemas reais de pessoas reais. O que há, hoje, são servidores públicos que se engajaram na ideia de dados abertos e saem publicando os dados sem se importar se eles são úteis ou não. Alguns relatórios publicados sobre isso mostram que o consumo desses dados é baixíssimo. Além disso, a pauta de dados abertos é totalmente conduzida pela imprensa e por organizações da sociedade civil organizada, que se retroalimentam.”

Vagner também constata que até hoje não se criou um modelo de sustentabilidade com relação a dados abertos. “Esse modelo não existe. Todos os hackathons, que foram os modelos utilizados para fazer apps cívicos, foram descontinuados. Existe um caminho imenso para ser trilhado em termos de conscientização, informação, etc.”

Quando se refere à sustentabilidade, ele ressalta que não é só financeira. “Não existe a demanda para consumo dos dados publicados em formato aberto.Também tem que haver uma maneira de se apropriar da inovação que o dado aberto propicia, tanto pelo governo quanto pela sociedade.”

Como exemplo, ele cita que um sujeito, um consultor, a partir de dados, pode montar um plano negócios (um algoritmo) que indique onde é o melhor lugar para um empresário estabelecer seu negócio. Mas pergunta: “o que acontece se o governo parar de liberar os dados para que o consultor faça esse planejamento?” E indica que é preciso estabelecer modelos nos quais seja possível haver uma relação de confiança entre as partes, observando-se não só a transparência e a regularidade na emissão dos dados, mas também as licenças sob as quais estes conteúdos serão liberados, já que elas indicam o que o público pode ou não pode fazer com aquelas informações.

A Open Knowledge Brasil saúda as iniciativas do W3C Brasil que promovem a sensibilização de diversos públicos em relação aos dados abertos, como o Grupo de Trabalho de Dados Abertos promovido pela instituição (envolvendo governo, sociedade civil e jornalistas), eventos para a conscientização do uso de dados abertos e a tradução do Manual de Dados Abertos criado pela Open Knowledge International – a versão mais atual do manual é o Open Data Handbook (em português). Esperamos, também, que as críticas propositivas apresentadas por Vagner Diniz possam ser ouvidas pelas diversas esferas do governo e medidas para mudar esse quadro sejam tomadas.

Ver também