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Sem dados, os estados terão dificuldades de sustentar suas políticas públicas, diz secretário de gestão de AL  

25 jun de 2020, por OKBR

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Na primeira entrevista da série sobre os processos de abertura de dados da Covid-19, conversamos com o Secretário de Planejamento, Gestão e Patrimônio de Alagoas

Alagoas ocupa hoje a segunda posição do Índice de Transparência da Covid-19, com 98 pontos. Em 21 de maio, chegou a estar no topo do ranking, com essa mesma pontuação. Mas não foi sempre assim: na primeira avaliação da Open Knowledge Brasil, o estado tinha um nível de transparência baixo, de 33 pontos. Os avanços foram gradativos, mas foi na primeira quinzena de maio, após implementar processos de automatização da coleta e do tratamento de dados, que o estado deu um salto no seu desempenho.

 

Para contar sobre as dificuldades e como o estado se estruturou para melhorar seu desempenho na transparência da Covid-19, conversamos, em 12 de maio, com Fabrício Marques Santos, Secretário de Planejamento, Gestão e Patrimônio de Alagoas. Atualmente, Santos preside o Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração (Consad). Ele é mestre em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e participou do Projeto de Atualização do Sistema de Contas Nacionais do Brasil no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no período de 2010 a 2015. Em Alagoas, passou pelo cargo de Secretário Executivo da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) nos anos 2015 e 2016.  

Na entrevista, Santos explicou os processos de coleta e governança dos dados no estado, e as principais dificuldades encontradas. Na sua opinião, medidas simples como estabelecer procedimentos e orientações podem resolver muitos problemas, e que nem sempre são necessários grandes investimentos em novos sistemas. Também abordou a necessidade de pensar em sistemas de código aberto e compartilhado entre governos, em arranjos, por exemplo, de consórcio. Leia a entrevista na íntegra a seguir.



OKBR: Como funciona o processo de coleta dos dados de notificações da Covid-19 no estado, dos hospitais até a Secretaria Estadual de Saúde?

Infelizmente, nem todas as áreas de saúde têm entradas automatizadas de dados, e nisso não somos uma exceção no Brasil. Mesmo em hospitais públicos há muita dificuldade. Quando olhamos para a produção da saúde no Brasil, pelo registro, ela é bem aquém do que de fato a saúde produz. Produzimos muito mais do que se revela e registra. Temos um problema cultural do registro de saúde pública em todos os estados.

Com a pandemia, esse problema acabou se agravando. Inicialmente, foram criados protocolos, fichas técnicas de entrada do dado. Com uma pressão enorme para dar solução aos testes e à coleta de amostras, começamos um processo manual, em papel, até termos condições de se criar uma forma automatizada da entrada dos dados. 

O próprio Ministério da Saúde tem um sistema, mas nem sempre há equipes técnicas capacitadas a extrair dele as informações para tomada de decisão. Há decisões de cima pra baixo, nacionalmente, para termos um sistema. Mas talvez se esqueçam de explicar que uma das grandes funções do sistema é extrair informações para tomada de decisão. Então, diante dessas dificuldades, os estados acabam criando soluções caseiras em momentos desse tipo, para auxiliar a tomada de decisão.


OKBR: E como passou a funcionar?

Hoje já conseguimos tirar informação de duas bases: tanto do sistema [do Ministério da] Saúde, depois que a equipe passou a compreender como extrair dados dali, como também do próprio sistema que a secretaria estadual implantou para a criação de uma base de dados. 

Os dados chegam principalmente pelo laboratório de análise das coletas e passam por dois estágios de crítica. Há uma primeira crítica feita por uma equipe e, na sequência, os dados passam para uma segunda equipe, que os disponibiliza no painel. Uma equipe da Secretaria do Planejamento e Gestão faz a segunda crítica desses dados, com foco sobretudo na geolocalização. Há um descuido muito grande de quem está na ponta, eles parecem não enxergar a importância dessa entrada de dado. Claramente, a gestão também nunca fez uma sensibilização, uma orientação para isso. 

Também houve esforço para automatizar. Por exemplo, tínhamos até a possibilidade colocar os dados no nosso portal Alagoas em Dados, mas a gente não se sentiu confortável porque os dados ainda estavam entrando por planilha na nossa base, e não por um sistema. Então mesmo sabendo da importância da transparência, inclusive uma missão dada pelo governador de nos tornarmos referência, não queríamos fazer isso de uma forma atrapalhada. Então trabalhamos com a equipe da saúde para que de fato a gente tenha o dado aberto da forma mais indicada [atualização: de fato, o dado foi disponibilizado no portal de dados abertos, após a realização da entrevista].


OKBR: E como a equipe tem percebido esse processo?

É um processo que está ainda em operação, em melhoria, mas já teve um ganho muito grande para a equipe da saúde, que passou a ver mais relevância nos dados para gestão. Com esse esforço de buscar transparência para os dados de Covid-19, eles perceberam que é possível trazer essa transparência para todos os dados da saúde e que isso não depende da compra de um sistema. O que tem que ter é procedimento, orientação na ponta. 

Claramente, está se criando uma cultura  para a questão dos dados para tomada da decisão que temos que aproveitar. Ainda operamos muito no escuro, mas eu acredito que essa interação da Secretaria de Planejamento e Gestão com a Secretaria de Saúde tende a deixar um legado grande. Trazer transparência para tomada de decisão e expor essas informações para população em geral.


OKBR: Como funciona a interação com a “ponta”, os profissionais da saúde que efetivamente estão preenchendo esse sistema ou fichas? E como é a situação de municípios menores e com os hospitais que estão em regiões mais remotas, também há adesão à digitalização?

A entrada de dados no sistema já está sendo feita por todos. Alagoas é um estado pequeno, então toda a operação de coleta é feita pela Secretaria de Saúde, inclusive a busca das amostras em todas as unidades do estado. Cada unidade tem um responsável pelo preenchimento dos dados nesse sistema. Na prática, talvez a gente ainda não tenha 100% dessa operação redonda, mas está muito próximo disso. Ainda há alguns déficits no preenchimento, e a equipe de crítica do dado está fazendo a devolutiva para para os responsáveis pela entrada de dados. Aqui no estado, temos a Governança Corporativa, que tem status de secretaria vinculada diretamente ao governador, e que está em contato com essa rede. 

Para exemplificar, temos um esforço de colocar no painel dados por bairros de municípios do interior. Conseguimos colocar aqui Maceió, Arapiraca e Palmeira dos Índios, mas a gente precisa avançar para o interior. Muitas vezes tem problema de cadastro, então nós entramos em contato, por exemplo, com a prefeitura, que passa a base de cadastro para os Correios mudar no sistema de arruamento. Estamos fazendo uma governança e mobilizando muita gente aqui, porque virou uma grande demanda das cidades para que a gente consiga colocar os dados por bairro. Eu dei entrevista para uma rádio do interior, e a preocupação da população era saber sobre os casos no seu bairro. 


OKBR: Esses pontos de coleta a que você se refere são de testes?

Isso, mas além das unidades de testes a gente tem as unidades de tratamento, que são os hospitais, que também têm seus responsáveis. A gente concentrou aqui o tratamento de Covid-19 em pouquíssimas unidades, que é o recomendado. Por exemplo, a gente tinha um hospital inteiro, o Hospital da Mulher, que era um hospital de maternidade e foi transformado para atendimento à Covid-19. Isso nos ajuda a ter uma governança mais adequada em vez de pulverizar essas entradas de dado. 


OKBR: E como que isso relaciona com os sistemas de notificação compulsória do Ministério da Saúde, o Sivep-Gripe e o E-SUS Notifica? Sabemos que cada unidade de saúde, seja ela da rede pública ou privada, pode fazer uma notificação de caso suspeito. O esforço que vocês estão fazendo é paralelo num sistema próprio?

Como vocês bem sabem, o Brasil inteiro não tem condições de fazer a testagem como deveria. Então existe um critério de priorização para as coletas para fazer testes. Temos o dado do Ministério da Saúde, que são as pessoas que têm síndromes gripais e tem um segundo que são aquelas que de fato são classificadas para fazer a testagem. Essas que são classificadas e estão no sistema próprio. As que estão no sistema do Ministério são os casos suspeitos. No [sistema do] governo federal, os campos existentes não são suficientes para fazer o acompanhamento pleno, com endereço, não tem um sistema de arruamento correto. No sistema próprio, o registro está mais adequado para fazer a geolocalização desse ponto. Fizemos esse sistema para complementar o do governo federal.


OKBR: A dificuldade então parece ser que o sistema do MS não é pensado para gestão. Ele pode ser um sistema de registro, mas você precisa de outras ferramentas para fazer a gestão efetiva da crise?

Exatamente, isso é um grande problema. E não só na saúde, é um problema nacional e de várias áreas. Por exemplo, na educação. Não existe um sistema nacional de matrícula para fazer gestão. Seria importante para o próprio governo federal, que repassa recursos do Fundeb, de merenda escolar, com base no número de matrículas. Poderia ser um sistema cujo uso fosse obrigatório para registro, mas que ao mesmo tempo trouxesse também capacidade de gestão paros estados. Tem muitos estados Brasil afora que não têm um sistema informatizado de matrícula para fazer gestão da sua rede de ensino. 

Aqui fizemos um sisteminha muito simples para evitar gastos a mais no transporte escolar na capital. Vinculamos a matrícula à localização do aluno, com base na chave da conta de energia elétrica, porque já tínhamos a base georreferenciada. É um debate que precisa ser feito.


OKBR: Um debate inclusive sobre a possibilidade de uso de software livre, que possa ser replicado nas diferentes gestões.

É realmente preciso fazer esse esforço. Um outro exemplo. No Consad [Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração], que estou presidindo, acabamos de fazer uma pesquisa sobre teletrabalho. Muitos estados ainda não conseguiram implementar um sistema de processo eletrônico no Brasil. A burocracia é toda igual, mas a gente não tem ferramentas transversais que permitam a otimização federativa. Aqui em Alagoas adotamos o SEI, que é um sistema que o TRF4 cedeu ao governo federal. Apenas 7 estados tiveram acesso, Alagoas foi o último deles. 

Não precisávamos ter um sistema próprio em Alagoas, poderia ser um sistema do governo federal que trouxesse gestão, que a gente conseguisse utilizar toda a energia da Enap, das escolas de governo, para capacitar as pessoas na ponta. E que de fato criasse um bom sistema de incentivos para o preenchimento de informações. 


OKBR: Outro problema muito comum na administração pública é a questão dos sistemas legados, dos softwares proprietários que já vêm de outras gestões. Isso tem impactado de alguma forma a coleta e publicação de dados de Covid-19 especificamente e também de outras doenças?

No caso específico da saúde, sendo bastante sincero, o estado de Alagoas é pouco informatizado. Então nem tem esse problema de legado, porque não tem realmente uma cultura muito forte de registro dos dados. Agora a gente vai ter condições de avançar muito. Era algo que a gente já vinha trabalhando, mas não estava entrando com prioridade. Fora da área de saúde tem mais áreas com esse problema dos legados, que é gravíssimo. 

É preciso trabalhar sistemas nacionais abertos, com interação de grupos de trabalhos nacionais, como temos feito no Consad. Tenho uma leitura de que não precisava ter empresas de tecnologia, as “Prods” em cada estado. As soluções que são dadas para São Paulo, Bahia ou Ceará são mais ou menos parecidas. Isso inclusive é um risco para os gestores. Há questionamentos recorrentes de órgãos de controle, pelos gastos de tecnologia.

O que poderíamos ter são quatro ou cinco empresas com condições de atender toda uma região. No Nordeste, por exemplo, isso poderia ser feito no âmbito do Consórcio, com soluções cooperativas, colaborativas. Confio muito nesse arranjo de consórcio. Ainda é incipiente no Brasil, mas é algo em que poderíamos colocar mais energia. O próprio Consórcio desenvolveu um painel para centralizar as informações da Covid-19. 


OKBR: Como você vê a adesão dos governadores a esse processo de abertura de dados?

Todo governador quer ser transparente, mas às vezes a forma como os dados estão sendo processados não permite isso. A maior vantagem para os governadores com a é se proteger contra as fake news. Também para lidar com a ineficiência do gasto público, eventuais desvios, debate que vai crescer ainda mais. Então seu principal escudo é a transparência adequada. Mas há muitas dificuldades, muitas técnicas, além de muitas frentes simultâneas para tratar. Estamos inaugurando novos hospitais, a mesma equipe de tecnologia, responsável pela transparência, está trabalhando com isso. 


OKBR: Quais são as maiores dificuldades e qual é o plano para superá-las?

Temos olhado para outros estados e estamos nesse processo de incrementar as informações e aprofundar as análises. Em um curtíssimo prazo, estamos tentando levar essas informações mais detalhadas para outras cidades, cidades menores e região metropolitana, que tem o maior número de casos. Temos um trabalho com o dado georreferenciado em Maceió, fazendo um mapa de calor. Estamos trabalhando junto com a Polícia Militar do estado, por exemplo, para fazer a política de isolamento social priorizando regiões.     

A maior dificuldade é a sensibilização e engajamento do profissional da ponta. Nunca foi feito esse trabalho de mostrar a importância de ter os dados bem coletados, registrados e analisados. E de forma urgente, que é um ponto relevante para a área da Saúde. 


OKBR: A publicação do Índice de Transparência da Covid-19 impactou na forma como vocês estavam trabalhando com a informação?

Foi essencial para que a gente pudesse mobilizar a energia, principalmente da equipe da saúde. Já estávamos nos organizando, criando painéis internos para a tomada de decisão, mas precisávamos do apoio da equipe da saúde. A partir do Índice, e com a demanda do governador para que Alagoas estivesse entre os melhores do país em transparência, já que este é um pilar do governo, isso facilitou muito nossa entrada junto à equipe da saúde. Isso virou uma prioridade, e passou a mobilizar a governança interna, vinculada diretamente ao governador. Eu reporto ao governador os resultados, ele mobiliza os outros secretários. Então foi fundamental para que a gente conseguisse mobilizar os outros atores em torno disso. 

Os rankings, quando bem feitos, ou seja, quando não criam efeitos perversos, são instrumentos fundamentais para a melhoria da gestão pública nacional. Acompanho alguns desses rankings, e sei como eles são alavancas importantes para isso. 


OKBR: Essa crise deixa lições sobre a importância dos dados para a gestão. Você acha que isso será um legado?

Torço para que isso aconteça. Acho que devemos ampliar a discussão sobre a transparência dos dados. Hoje o foco foi a Covid-19, mas o sistema de saúde como um todo precisa ser repensado. Ter condições de ter dados tempestivos para a tomada de decisão se torna ainda mais importante a partir de agora. Vamos ter um problema grave de subfinanciamento da saúde, já que muitos estados terão perdas de receita de, no mínimo, entre 10% a 20%.

Um exemplo: um dos maiores gastos que a gente tem hoje na saúde é com tratamento de acidentes de trânsito. Poucos estados tomam decisões sobre isso hoje com base em evidências. Se a gente tivesse ferramentas para dar transparência onde esses acidentes acontecem, os estados podem melhorar a qualidade desse gasto. A gente deveria identificar algumas áreas que demandam e pressionam a saúde pública para criar as maneiras de obter dados de forma tempestiva. Não é fácil. Nesse exemplo do acidente de trânsito, é preciso mobilizar diversas áreas de governo, e isso torna o problema muito mais complexo. Então ter rankings e indicadores nacionais sobre esses temas pode ajudar muito a alavancar as melhorias. 


OKBR: A articulação entre áreas costuma ser um desafio para as gestões. Você percebeu que houve um esforço maior de articulação no caso da Covid-19, e acredita que isso pode trazer frutos para as formas de trabalho no futuro?
     

Eu não sinto que esse modelo esteja amadurecido. Mas eu acredito que os estados que se deram melhor no combate à pandemia são aqueles que conseguiram convergir para o modelo que a OCDE chama de Centro de Governo estabelecido. Para o debate de entrada do Brasil na OCDE, a primeira lição de casa é que o país tenha essa discussão nacional sobre a articulação de políticas em um modelo de governança muito mais adequado do que o que temos hoje. Hoje os esforços ainda estão muito focados em gabinete de crise, em ações para garantir uma oferta de saúde adequada para suportar a pandemia. 

Com o subfinanciamento, ou os estados vão abandonar as áreas que não tem o mínimo constitucional, como saúde e educação, ou vai criar políticas mais centralizadas, articuladas, que impactam várias áreas. Quem não conseguir fazer isso, não vai conseguir sustentar as políticas a partir de agora. Aqui temos estruturado políticas assim. A questão dos acidentes de trânsito, como falei, a mortalidade infantil. Agora vamos começar com a ressocialização do sistema penitenciário, que é o quarto maior gasto dos estados. Os ODS [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável] já têm indicadores e metas bem estabelecidas, e precisaríamos criar rankings nacionais para acompanhar isso.


OKBR: Qual é a importância da transparência e como a sociedade pode contribuir, a partir do acesso à informação, para o combate à pandemia?

Tenho ficado mais convencido a cada dia, e a transparência sobre a Covid-19 reforçou isso para mim, é que é muito importante para a mobilização política. Poder comparar com os estados. Achei a metodologia do ITC-19 extremamente adequada para isso, ele traz o que é de fato importante para a população, o que as pessoas precisam saber, como a taxa de ocupação de leitos.