Rebeca Almeida conta suas impressões sobre o evento, reflete sobre os principais temas debatidos e aponta limitações que devem ser endereçadas para garantir uma internet realmente democrática
O Fórum da Internet no Brasil (FIB15) é um evento anual que reúne representantes do governo, setor privado, academia, sociedade civil e comunidade técnica para discutir questões como inclusão digital, privacidade, liberdade de expressão, segurança cibernética e regulação das plataformas digitais. Aberto e gratuito, o principal objetivo do FIB é realizar atividades em formato multissetorial e participativo, permitindo o diálogo direto entre diferentes setores da sociedade.
O evento também funciona como preparação para a participação brasileira no Fórum de Governança da Internet (IGF) global, reforçando os princípios de universalidade, liberdade, diversidade e inovação que orientam a governança da internet no Brasil.
A edição deste ano celebrou 15 anos de realização do FIB, que é organizado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), além dos 30 anos do próprio órgão que promove debates sobre temas fundamentais para o desenvolvimento e a governança da internet no país.
A seguir, Rebeca Almeida, gestora de comunidades de Inovação Cidadã na OKBR, faz um relato de sua participação no FIB15, que ocorreu em Salvador (BA) entre 26 e 30 de maio. Ela conta suas principais impressões, reflete sobre temas discutidos — como infraestrutura digital e soberania —, e aponta limitações do evento que devem ser endereçadas para garantir uma internet realmente democrática e inclusiva.
Confira:
Destaques
O que mais me marcou no evento foi a oportunidade de conhecer e dialogar com pessoas que atuam em áreas bastante distintas, mas que compartilham a compreensão da internet como uma infraestrutura essencial, que viabiliza múltiplas formas de atuação.
Percebi a importância de refletirmos e debatermos os rumos que queremos para essa infraestrutura no Brasil, pois isso é fundamental para alcançarmos soluções viáveis, justas e participativas. Notei que existem muitos espaços e narrativas em disputa quando falamos sobre a internet, e que as implicações sociais desses debates nem sempre são evidentes. Nada está consolidado — e somente por meio do diálogo é possível construir bases sólidas. Também me chamou atenção a diversidade de iniciativas que pude conhecer, o que reforçou minha percepção de que o diálogo é possível e que a organização de coletivos engajados na construção de tecnologias e relações alternativas com a internet não só é viável, como já está em curso, em diferentes realidades — próximas ou distantes da minha.
Durante o evento, acompanhei o lançamento da campanha Internet Legal – Liberdade, Segurança e Direitos, uma iniciativa promovida por diferentes organizações e coletivos da sociedade civil, como a Coalizão Direitos na Rede (CDR), da qual a Open Knowledge Brasil (OKBR) é membro atuante. Foi uma oportunidade para conhecer ações que tornam mais tangível a construção de um horizonte mais justo para a internet brasileira. Projetos como a Rede Mocambos — uma articulação nacional de comunidades negras, indígenas, quilombolas, periféricas e tradicionais no Brasil que visa promover a autonomia, a cultura, a comunicação livre e o uso de tecnologias livres como ferramentas de resistência, preservação da memória e fortalecimento das identidades desses povos — também foram apresentados. Assim como a Fuxico (rede autônoma feminista, criada por mulheres que querem democratizar o conhecimento e a tecnologia de/entre/para mulheres), a Terra Preta Digital e vários outros.
Infraestrutura e soberania digital
Outro ponto importante foram os debates sobre serviços de nuvem e a infraestrutura da internet no país, destacando a necessidade de maior independência dos projetos brasileiros em relação aos serviços prestados por grandes empresas de tecnologia.
Além disso, qual a real relevância de permitir a construção de grandes data centers em território nacional? Até que ponto podemos desenvolver nossa própria infraestrutura? Em que medida o uso de recursos proprietários pode ser uma escolha, e não uma dependência?
Como facilitar o diálogo horizontal entre a gestão pública, pessoas com conhecimento técnico e as pessoas usuárias — que utilizarão as ferramentas, mas não necessariamente têm tempo e recursos para compreender as implicações por trás de um simples serviço de transmissão de vídeo, por exemplo?
Essa última pergunta, em especial, me trouxe muitas reflexões, o que evidencia a urgência de mais espaços amplos de debate. Durante as falas, percebi que, muitas vezes, há um interesse genuíno na construção coletiva de uma autonomia e soberania tecnológica por meio das tecnologias livres. No entanto, muitas vezes esse debate parece distante da realidade de comunidades e pessoas fora de alguns nichos de interesse. E, embora haja iniciativas concretas buscando promover esse diálogo, a disparidade entre o discurso técnico e a vida prática ainda interfere na qualidade das conversas, que podem acabar assumindo tons paternalistas. Esse é um desafio real e que não pode ser ignorado.
Outro momento significativo foi acompanhar a celebração dos 20 anos do Instituto Nupef, que atua em áreas como governança da internet, segurança da informação, inclusão digital e infraestrutura resiliente. A atividade aconteceu paralelamente ao FIB, com o lançamento da websérie Territórios Resilientes e Conectados e do podcast Vozes Quilombolas, disponíveis no YouTube. A realização da atividade intercalada ao Fórum permitiu a presença de diferentes atores e organizações parceiras do Nupef. Celebrar essa instituição me permitiu dialogar com pessoas que atuam diretamente com a implementação de redes comunitárias de acesso à internet em áreas remotas do território nacional, destacando as dificuldades de acesso e também a qualidade desse acesso como desafios reais que muitas comunidades vêm enfrentando.
Pontos de atenção
Apesar da proposta multissetorial e participativa do FIB, que busca o diálogo direto entre diferentes setores da sociedade, algumas críticas apontaram falhas justamente nessa intenção. Em alguns momentos, foi perceptível uma predominância de determinados perfis nas mesas e painéis — pessoas com formações acadêmicas, representantes institucionais e do setor privado, e especialistas da área técnica — o que, embora relevante, pode acabar limitando a diversidade de perspectivas. Apesar de ter visto representatividade de comunidades periféricas, indígenas, quilombolas e de pessoas com experiências mais diretas com os efeitos da exclusão digital, o evento poderia ter um caráter menos elitista ou de nicho.
Outro ponto observado foi a dificuldade de acessibilidade e clareza na linguagem utilizada em algumas atividades.
Embora o Fórum pretenda ser um espaço aberto a todas as pessoas, o excesso de jargões técnicos ou termos pouco acessíveis pode afastar justamente quem deveria estar no centro da discussão: as pessoas comuns usuárias da internet, cujas experiências cotidianas são diretamente afetadas pelas decisões sobre infraestrutura, privacidade e regulação.
Em certos momentos, mesmo iniciativas com intenções inclusivas acabaram transformando o espaço em um ambiente mais informativo do que, de fato, participativo.
Essas limitações não anulam a relevância do FIB, mas evidenciam a necessidade contínua de mais espaços de debate, onde possamos aprimorar mecanismos de escuta, representação e inclusão. Garantir a presença ativa de diferentes realidades sociais, econômicas e culturais é essencial para que os diálogos sobre o futuro da internet no Brasil sejam verdadeiramente democráticos. Isso passa não só pela escolha de temas e pessoas convidadas, mas também pelo cuidado com a linguagem, a metodologia dos encontros e a disposição para ouvir vozes que historicamente foram silenciadas ou invisibilizadas nesses espaços.
Encerrar minha participação no FIB com essa reflexão me fez valorizar ainda mais os esforços que já estão sendo feitos — por organizações da sociedade civil, coletivos e iniciativas independentes — para ampliar esses diálogos e ocupar espaços de decisão.
E, para isso, é fundamental garantir que a escuta não seja apenas institucional, mas também afetiva, política e transformadora. Afinal, uma internet realmente democrática só será possível se for pensada com, por e para todas as pessoas.