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OKBR assina carta aberta em defesa da neutralidade de rede

22 mar de 2024, por OKBR

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A iniciativa é de Internet Society Capítulo Brasil (ISOC Brasil) e Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio). Veja na íntegra:

Carta aberta em defesa da neutralidade de rede

Demonstramos profunda preocupação com as declarações do presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Manuel Baigorri, que se posicionou publicamente contrário à neutralidade da rede.

O posicionamento é preocupante por dois motivos. Em primeiro lugar, foi feito durante uma consulta pública em andamento, e antes de resolvida a pendência de publicação da Análise de Impacto Regulatório (AIR) sobre o tema, obrigatório por lei, o que pode ser visto como uma tentativa de influenciar o processo e desconsiderar as contribuições dos demais stakeholders interessados. Em segundo lugar, a Análise de Impacto Regulatório (AIR) sobre o tema, obrigatória por lei, ainda não foi publicada. Este instrumento é fundamental para avaliar os impactos de uma nova regulamentação e garantir que o processo seja transparente e democrático. A falta de publicação da AIR fere o devido processo legal e coloca em risco a legitimidade de qualquer decisão futura tomada pela Agência.

A fala foi proferida durante o Congresso Mundial de Telefonia Móvel de 2024, promovido pela GSMA, organização que reúne mais de 1.000 operadoras móveis e empresas de tecnologia e inovação. Ali, o presidente da Anatel manifestou seu desejo de afastar a neutralidade de rede no país, como também de adotar políticas que prejudicam uma rede livre e aberta, como a política de “network fees”.

Reproduzimos abaixo duas declarações de Baigorri que ilustram nossa preocupação:

“Há alguns anos tivemos essa discussão de neutralidade de rede e naquele tempo eu dizia, e digo isso de novo agora, que estávamos sendo enganados, porque parecia para mim que a neutralidade se dizia como algo para defender a democracia e a liberdade de expressão, mas no final do dia estavam apenas criando privilégios comerciais para algumas empresas específicas”.

“A neutralidade de rede, como a concebo, é mais um privilégio comercial criado para corporações americanas, sem um impacto significativo na inovação ou competitividade”.

Estas declarações, além de indicar uma profunda distorção do princípio de neutralidade de rede, expressam uma opinião que antecipa uma conclusão que deveria surgir a partir do processo de consulta pública em andamento sobre o tema, e também da publicação da Análise de Impacto Regulatório (AIR) sobre o tema.

Por que a neutralidade importa?

A fala do presidente da Anatel parece negar o posicionamento histórico da agência em favor de uma Internet competitiva e aberta.

A neutralidade de rede é um elemento-chave da arquitetura da Internet, e determina que os dados devem ser transmitidos por toda a Internet de forma não discriminatória, independentemente de seu conteúdo, remetente ou destinatário. A discriminação de pacotes com base em questões comerciais, como indicado em recente proposta das grandes operdoras de telecomunicações, fere expressamente esse princípio.

No Brasil, a neutralidade de rede foi estabelecida pela Lei do Marco Civil da Internet, após um extenso debate multissetorial, com participação do governo, empresas, acadêmicos nacionais e estrangeiros, além de especialistas técnicos e da sociedade civil.

Nesse contexto, ela consolida a posição da sociedade favorável aos direitos dos consumidores ante o que poderia se tornar uma oposição entre a “Internet dos ricos” e a “Internet dos pobres”, com diferenciação de acesso para “serviços especializados” que pode se refletir no preço e possibilidade de acesso do usuário final.

Seu objetivo é garantir a estrutura aberta da Internet, mantendo a isonomia no tratamento entre os pacotes de dados e a capacidade da rede de integrar-se com todas e quaisquer outras redes. Isso, por sua vez, estimula a inovação e a concorrência entre provedores de conteúdo e serviços, ao mesmo tempo que promove direitos fundamentais e acesso à conectividade.

Quem mais defende a neutralidade?

A fala do presidente da Anatel ignora que diversos países não só adotam como ativamente defendem a neutralidade de rede. Inclusive, é possível observar reiterada rejeição de propostas que instituem a cobrança de pedágio na rede, conhecida pelo termo de “network fees”. Inclusive, a Anatel realizou duas tomadas de subsídios recentes sobre o tema, a de nº 13/2023 e a de nº 26/2023 (em andamento).

As contribuições multissetoriais sobre a proposta de “network fees”, no Brasil e na Europa, são claras em apoiar a neutralidade de rede como um dos pilares da Internet. A exceção, oposta a essa posição, é encontrada apenas nas grandes operadoras de telecomunicações, um dos stakeholders que a Anatel representa.

Importante lembrar ainda que países europeus já formalmente rejeitaram a proposta da taxa de rede (como Itália e Bélgica, por exemplo), além de considerar que na Coreia do Sul,  único país onde a política foi implementada, foram registrados efeitos deletérios à competitividade (como a saída do Twitch da Coreia do Sul) e a diminuição da qualidade de serviços para consumidores (como se verifica nos serviços de streaming, também na Coreia do Sul).

Signatários

Os signatários desta carta, cuja elaboração foi iniciada por entidades da sociedade civil e da comunidade técnica e recebeu apoio de outros setores, reforçam a preocupação com os posicionamentos do presidente da Anatel, a importância do respeito ao interesse público, devido processo legal e impessoalidade associados ao cargo de presidente de Agência Regulatória, principalmente em face da fase deliberativa do tema na Tomada de Subsídios em aberto.

Assinaturas institucionais:

  • Internet Society Capítulo Brasil (ISOC Brasil);

  • Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio)

  • Instituto Nupef;

  • Instituto Bem Estar Brasil (IBEBrasil)

  • Internexo Ltda.

  • Universidade de São Paulo

  • Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

  • PrivacyMap

  • Escola Digital

  • Mazin Soares Advogados

  • PSI – Internet

  • FCLAR/UNESP

  • Faculdade de Ciências e Letras

  • Open Knowledge Brasil

  • Universidade do Estado do Rio de Janeiro

  • MBD SIA

  • Instituto Aaron Swartz

  • Nexos Digital LTDA

  • THINK TANK ABES – Centro de Inteligência, Políticas Públicas e Inovação

  • Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo – USP

  • Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCarbon)

  • VIZY Sustentabilidade e Compliance

Assinaturas individuais: 
  • Everton Vilhena Cardoso

  • Nilson Theobald Barbosa

  • Júlia Bossardi Premaor

  • Bárbara Ravanello

  • Arthur Felipe

  • Jonathan Vallonis Botelho

  • Simone Saturnino Braga

  • Thiago Luis Rosa Ribeiro

  • Itevaldo Costa Junior

Para assinar esta carta, por favor, preencha o formulário disponível aqui.

*Lista de assinaturas atualizada em 22/03/2024.

Carta publicada originalmente no site pedagionainternet.com.br, confira atualizações.