Advocacy e Pesquisa

OKBR defendeu que TSE mantenha publicação de dados eleitorais em audiência sobre aplicação da LGPD

15 jun de 2022, por OKBR

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Sessão reuniu entidades e especialistas para discutir a divulgação de dados cadastrais de pessoas candidatas a cargos públicos, seus antecedentes criminais e bens declarados, além de dados de financiadores e fornecedores de campanha

 

Nos dias 2 e 3/6, a Open Knowledge Brasil (OKBR) participou de uma audiência pública realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que discutiu  possíveis impactos da Lei nº 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) no processo de registro de candidatura para as eleições de 2022.

Além da OKBR, que foi representada por sua diretora-executiva, Fernanda Campagnucci, e a coordenadora de Advocacy e Pesquisa, Danielle Bello, participaram entidades e especialistas do campo de defesa dos direitos digitais, da transparência e do Direito, e representantes de órgãos públicos e partidos políticos, como  a Procuradoria-Geral Eleitoral, Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Data Privacy Brasil, Internetlab, Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Transparência Brasil e Transparência Eleitoral Brasil.

A audiência foi convocada após decisão do TSE (30/11/2021) de aceitar o requerimento de retirada dos dados pessoais da plataforma DivulgaCandContas de Luciano Reginaldo Fulco (Cidadania), suplente de vereador no Município de Guarulhos/SP, cadastrados na ocasião de candidatura para as eleições de 2020. A decisão também levou à criação de grupos técnicos e multidisciplinares, que teriam a responsabilidade de realizar um estudo de possíveis adequações do tratamento de dados pessoais no contexto eleitoral.

O processo culminou na discussão sobre a pertinência de mudanças na plataforma DivulgaCandContas e no sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe), quanto à extensão — em termos de conteúdo e de tempo de divulgação — da publicação de informações relativas ao registro de candidatura e a regularidade de atos partidários, que envolvem dados cadastrais e pessoais de pessoas que concorrem a cargos públicos, seus antecedentes criminais e listas de bens declarados. Os temas foram discutidos em quatro sessões, a partir de quatro perguntas:

  • Há necessidade de operar ajustes na plataforma DivulgaCandContas e no sistema Processo  Judicial  Eletrônico (PJe)  quanto  à  extensão  da  publicização  do  trâmite  dos  processos  de registro  de  candidatura  e  de  demonstrativo  de  regularidade  de  atos  partidários?  Em  caso  de resposta positiva, quais seriam eles?
  • Há  necessidade  de  reconsiderar  o  acesso  ao  teor  das  certidões  criminais disponibilizadas  na  plataforma  DivulgaCandContas,  inclusive  no  período  para  além  ao  “período crítico eleitoral” (do início da campanha até a data da eleição)?
  • Há necessidade de inibir a publicização na plataforma  DivulgaCandContas de algum(ns) dado(s) pessoal(is) titularizado(s) pelo(a)  requerente  do  registro  de  candidatura?  Em caso de resposta positiva, quais seriam eles?
  • Há  necessidade  de  operar  ajustes  ou  de  inibir  a  publicização  na  plataforma DivulgaCandContas  de  informações  atinentes  ao  campo   “Lista  de  Bens  Declarados”?

 

 

Como a OKBR se posicionou

A LGPD não impede a publicação de dados pessoais quando o interesse público é preponderante. No primeiro bloco, Bello defendeu que a disponibilização de informações sobre candidaturas e regularidade de atos partidários através das plataformas são importantes para a garantia de transparência e integridade de todo o processo eleitoral, chamando atenção especialmente para o repositório de dados que concentra as informações nelas refletidas. “Ainda que contenha dados pessoais, como o CPF dos candidatos,  deve-se considerar aqui o alto benefício relacionado à sua publicação na garantia de atendimento do interesse público”, disse. “É preciso permitir a identificação inequívoca de doadores, candidatos e de fornecedores de campanha — todos atores que participam do processo eleitoral e o influenciam”.

Bello também salientou que os dados disponibilizados pelo TSE são de grande utilidade não apenas para embasar as decisões dos eleitores, como para a realização de investigações, auditorias, pesquisas e apurações jornalísticas, ampliando a própria capacidade de fiscalização e controle da Justiça Eleitoral.

Campagnucci, que representou a OKBR nos demais blocos, argumentou que a solução não pode ser a remoção completa dos documentos, o que causaria prejuízo ao controle social, mas sim o estabelecimento de uma padronização para a coleta de dados e  documentos, como as certidões criminais disponibilizadas na plataforma. “É importante salientar a responsabilidade do Judiciário como agente de tratamento de dados pessoais, devendo assegurar tanto a proteção de dados como a publicidade de informações de interesse público”, pontuou.

Com relação à temporalidade das informações, Campagnucci discorda da publicização apenas durante um “período crítico eleitoral”, entre o início da campanha e a data da eleição, pois considera que os dados têm relevância histórica, logo que os candidatos concorrentes a cargos públicos exercem influência sobre a vida política do país. “Reforçamos que a  influência de atores que participam do processo eleitoral não ocorre somente no momento de registro e prestação de contas da candidatura; por exemplo, os efeitos políticos da doação financeira só poderão ser avaliados durante a atividade política de um candidato eleito“, disse. Ela também destacou a necessidade de coletar e divulgar dados demográficos de participantes do processo eleitoral, como sexo e raça/cor, fundamentais para a fiscalização de políticas como a destinação de verbas proporcionais para candidaturas negras ou cotas femininas.

“Nós que trabalhamos com governança de dados já usamos há muitos anos a noção de ciclo de vida dos dados, não estando restrita à discussão sobre dados pessoais. Nessa perspectiva de gestão da informação, ela não necessariamente significa que a informação deva ter uma temporalidade restrita, mas que sua necessidade e qualidade devem ser permanentemente avaliados. Isso porque o reúso de dados é dinâmico. Portanto, é necessário estabelecer procedimentos de gestão para avaliar o ciclo de vida dos dados, o que não significa, necessariamente, que dados de interesse público devam ter sua publicação suspensa no contexto de uma política de abertura de dados.” 

Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da OKBR

Por fim, Campagnucci retomou o histórico do acesso aos dados de declarações de bens, que, antes de ser centralizado no TSE, precisava ser solicitado a cada Tribunal Regional Estadual. Destacou também a relevância das informações para o controle social do crescimento patrimonial de agentes públicos, e de grandes trabalhos do jornalismo investigativo que jogaram luz à questão. São exemplo o projeto “Controle Público”, da Folha de S.Paulo, e a reportagem “Os homens de bens da Alerj”, dO Globo. “Num país frequentemente descrito como “sem memória”, esse repositório cumpre uma função pública ainda mais relevante. Ao longo dos 90 anos da Justiça Eleitoral, o TSE se tornou o grande guardião da memória histórica sobre o cenário político brasileiro”, concluiu.

Apesar de algumas divergências no debate, as entidades e especialistas participantes  aconselharam que a Corte não omita a maior parte dos dados de candidatos eleitorais em decorrência de adequações à LGPD. Dentre as sugestões, estão o aprofundamento da discussão sobre o conceito de “ciclo de vida” dos dados, readequação da coleta dos dados e o  mascaramento de parte de dados pessoais, desde que adote o mesmo padrão de dados abertos usado por outros órgãos públicos, possibilitando a realização de cruzamentos entre bases da Receita Federal e do Portal da Transparência do Governo Federal, por exemplo.

 

Acesse a decisão que levou à realização da audiência e sua convocação.

Acesse o resumo das contribuições da OKBR, enviado por escrito ao TSE.

Confira a íntegra da audiência no canal no YouTube do TSE:

Blocos 3 e 4, realizados em 3/6