No momento em que o Brasil vive a fase mais aguda da pandemia do novo coronavírus, com mais de 1.800 mortos por dia, sete organizações da sociedade civil divulgaram, nesta quinta-feira (04.mar.2021), uma nota técnica na qual apresentam uma avaliação crítica sobre a qualidade e a disponibilidade dos dados relativos à vacinação contra a covid-19. Os especialistas concluíram que cerca de 70% das informações que deveriam ser públicas e acessíveis à sociedade estão incompletas, indisponíveis ou inconsistentes.
O documento foi elaborado pela Open Knowledge Brasil, Transparência Brasil, Transparência Internacional – Brasil, Observatório Covid-19 BR e a Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade, com apoio do Laboratório Anticorrupção da Purpose e da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). O estudo foi endossado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Dado Capital, Instituto Oncoguia, ACT Promoção da Saúde e Fundação Avina.
As organizações avaliaram a disponibilidade e a qualidade de 30 informações, agrupadas em sete categorias: plano de vacinação, análise pela Anvisa, seringas e agulhas, Ingrediente Farmacêutico Ativo, distribuição de vacinas, aplicação de vacinas e microdados da vacinação.
Os especialistas apontaram, por exemplo, divergências entre duas fontes de informação: o OpenDataSus e o Painel do Ministério da Saúde. Eles encontraram uma diferença de quase 100 mil doses entre as duas plataformas. Além disso, há problemas de cadastro, com o caso de pessoas que aparecem até 8 vezes cada uma. “Não conseguimos entender a repetição de 25 mil pessoas que aparecem mais de duas vezes na lista dos vacinados”, destaca Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da Open Knowledge Brasil.
Entre as possíveis origens do problema, Campagnucci aponta erro no momento do cadastro dos dados e na integração dos sistemas estaduais ao federal. “É grave pois pode ser erro de cadastro na ponta ou até mesmo fraude. O Ministério deveria rever os procedimentos para minimizar esse tipo de erro”, sugere.
Até o final de fevereiro de 2021, o Ministério da Saúde (MS) apresentou quatro planos de vacinação para a covid-19, todos com lacunas que prejudicam o acompanhamento de sua execução.
Campagnucci sublinha que o objetivo da manifestação pública “é sistematizar as violações ao princípio constitucional da publicidade e ao direito de acesso a informações de interesse público praticadas pelo governo federal durante o processo de imunização da população brasileira”.
Marina Atoji, gerente de projetos da Transparência Brasil, constata que os problemas na divulgação de dados sobre o controle da pandemia se multiplicam, ao invés de serem resolvidos. “É muito grave que, mesmo diante da demanda constante por mais transparência, o Ministério da Saúde continue a se omitir tanto em seu papel de divulgar quanto no de coordenar a divulgação das informações”.
A mobilização das sete organizações acontece no momento em que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, é investigado no inquérito que apura a conduta dele em relação à crise sanitária no Amazonas. Já a Câmara dos Deputados acaba de aprovar o projeto que permite a compra de vacinas contra a Covid-19 pela iniciativa privada.
Leia aqui a nota na íntegra.
Campanha por mais transparência
A divulgação do documento faz parte da segunda fase da campanha “Caixa Preta”, criada em dezembro passado e que reivindicou mais transparência do Ministério da Saúde (MS) sobre a pandemia no Brasil.
O Fórum de Acesso a Informações Públicas, composto por diferentes organizações que acompanham o tema, e do qual a Open Knowlegde Brasil faz parte, divulgou uma nota técnica que listou sete obstáculos para acompanhar o combate à doença, como a desatualização generalizada de painéis que monitoram a distribuição de testes, medicamentos e EPIs (Equipamento de Proteção Individual).
O documento foi enviado ao MS, à Controladoria Geral da União, ao Tribunal de Contas da União e a outros órgãos de controle social, mas, até agora, as deficiências na gestão da crise sanitária não foram sanadas. Não houve nem sequer uma resposta oficial.
“O texto também ressaltou as dificuldades que os repórteres enfrentam em Brasília, com raras entrevistas coletivas do ministro Pazuello”, lembra Cristina Zahar, secretária-executiva da Abraji.
Também em dezembro de 2020, foi feita uma mobilização nas redes sociais. A hashtag #FalaPazuello, uma referência ao silêncio do ministro Eduardo Pazuello impactou mais de 14 milhões de pessoas.
Nas próximas semanas, o Laboratório Anticorrupção da Purpose Brasil vai lançar uma landing page para centralizar as principais informações sobre as vacinas (disponíveis ou não) e possibilitar que as pessoas pressionem o governo pela transparência dos dados.
“É fundamental que as pessoas tenham informações acessíveis sobre esse tema. A transparência, além de ser um direito, é condição para que haja um processo de vacinação efetivo”, declara Laila Bellix, responsável pelo Laboratório Anticorrupção da Purpose.