Em meados de 2016, um grupo de desenvolvedores decidiu utilizar a tecnologia para analisar dados abertos em busca de possíveis casos de mau uso do dinheiro público. A intenção era denunciar irregularidades e obter devolução de verba para que fosse empregada em benefício da população brasileira.
Assim, em 7 de setembro daquele ano, nascia a Operação Serenata de Amor. E hoje relembramos a trajetória da iniciativa, seus números e a marca que a Operação deixou na inovação cívica brasileira.
Como surgiu a Operação Serenata de Amor
A ideia era simples: criar uma ferramenta capaz de analisar, de forma automatizada, milhares de notas fiscais de reembolso por meio da Cota para Exercício de Atividade Parlamentar (CEAP), a “verba indenizatória” dos deputados federais. Usando classificadores, a robô — chamada de Rosie — detectaria valores incomuns e sinalizaria os gastos suspeitos em tuítes, pedindo a ajuda das pessoas para verificá-los e, caso realmente fosse um caso de mau uso da verba, denunciá-los à Câmara visando que o dinheiro fosse devolvido.
A iniciativa não só deu muito certo, como teve um impacto enorme no campo da inovação cívica no Brasil, tornando-se referência para os temas de tecnologia, combate à corrupção e engajamento de comunidade. Dezenas de palestras e entrevistas foram dadas e o reconhecimento veio em um número impressionante de apoiadores e premiações — dentro e fora do país! O projeto é objeto de estudo acadêmico até hoje e segue influenciando a criação de novas ideias na área.
Em 2018, a Serenata passou a ser gerida e monitorada pela Open Knowledge Brasil, momento em que se criou o Programa Ciência de Dados para Inovação Cívica. Desde então, foram lançadas várias iniciativas que estenderam a ideia original de se usar tecnologia e dados abertos para ampliar o acesso à informação e fortalecer a democracia. Tivemos o Perfil Político, o Justa, o Vítimas da Intolerância e o Parlametria. Também criamos uma rede de pessoas Embaixadoras que colabora para espalhar o conceito de inovação cívica pelo país.
Serenata para todo o Brasil
A Operação Serenata de Amor nasceu, fez muito barulho, mostrou a que veio e decidiu expandir seu impacto para o Brasil, atuando não somente com os dados da Câmara dos Deputados, mas mirando também as 5.570 prefeituras brasileiras. Fruto de uma necessidade de quem acompanha a gestão pública, o Querido Diário, lançado em julho de 2021, pretende abrir, unificar e integrar de forma inteligente — cruzando dados e identificando suspeitas — as informações divulgadas pelos diários oficiais brasileiros. Hoje, elas se encontram presas em PDFs que dificultam o acesso à informação e o uso desses dados de forma automatizada.
Serenata em números
Nestes cinco anos, mais de 3 milhões de reembolsos foram analisados pela Rosie — todos podem ser encontrados no Jarbas, a interface visual das análises —, e mais de 17.700 suspeitas foram identificadas. Depois de mais de 600 denúncias feitas à Câmara dos Deputados, 134 reembolsos foram cancelados e R$50.569,18 foram devolvidos aos cofres públicos.
E tudo isso foi construído a partir de uma comunidade de pessoas que apoiaram o projeto de várias maneiras. A primeira campanha de financiamento coletivo, que custeou o início da Operação, foi apoiada por 1.296 pessoas e arrecadou R$ 80.424,00 em dois meses no modelo “tudo ou nada”! Já a campanha de financiamento recorrente, que cobre os gastos com manutenção, banco de dados e remuneração da equipe, chegou a receber R$11.370,00 e já teve 1.266 apoiadores.
Mas nem só de dinheiro vive uma iniciativa open source. Para viabilizar a Serenata, 102 pessoas desenvolvedoras contribuíram com linhas de código em nosso repositório no Github. Ainda em 2016, a Serenata foi o projeto mais favoritado do Brasil e hoje conta com mais de 4.300 pessoas acompanhando suas atualizações.
O gráfico abaixo registra a evolução da Operação. Nele é possível notar o intenso apoio de desenvolvedores que a Rosie recebeu para se estabelecer em seus primeiros anos, restando atualmente ao time de Inovação Cívica da OKBR monitorar e executar correções para garantir que ela possa seguir fazendo seu trabalho com sucesso.
Fonte: GitHub Insights – Contributors
Alguém segura a Rosie?
Quando se fala em inteligência artificial e automatização, a robô da Serenata é um sucesso absoluto: os tuítes suspeitos já foram visualizados mais de 13 milhões de vezes, tendo sido reportadas mais de 1.300 suspeitas — praticamente uma por dia desde janeiro de 2017 —, seguindo critérios como maiores chances de a suspeita ser verdadeira e existência de uma conta do(a) respectivo(a) deputado(a) no Twitter. A Rosie possui 40,7 mil seguidores em sua principal rede social, além de 6,5 mil no Facebook e 548 no grupo do Telegram.
No entanto, houve alguns momentos em que a Rosie parou de tuitar: quando as próprias regras do Twitter a consideraram spam — e uma campanha bem-sucedida de mobilização foi levantada para que a rede social revisse as regras para “bots cidadãos”; quando a Câmara alterou a base de dados que alimenta o sistema de análise e gerou a “quebra” do código; e recentemente, quando havia tantos dados para processar que nossa infraestrutura não estava dando conta, a Rosie parou por tanto trabalhar! Isso evidencia a complexidade de manutenção de um sistema como esse. Estamos sempre de olho!
Onde está a Serenata?
A Operação Serenata de Amor se mantém viva e transparente!
Durante esses cinco anos, todos os passos foram registrados nas redes sociais e no canal do Medium, que compilou os relatórios mensais de prestação de contas para a comunidade. Em 2020, eles passaram a ser publicados no site da Open Knowledge Brasil. Após 50 edições, o relatório se transformou na Pull, uma newsletter gratuita sobre as atividades do Programa de Inovação Cívica. Para seguir acompanhando os passos dessa iniciativa que mudou o Brasil, assine aqui.
Vida longa à Serenata!