Artigo escrito em 27 de julho de 2015 por Jheniffer Ferreira (inehjf ARROBA gmail.com), graduanda em Ciências Sociais pela UNESP (Marília)
A disponibilidade de modos alternativos para a inserção dos cidadãos às discussões políticas e decisões públicas nos sistemas democráticos revela como são complexos os anseios de emancipação e união dos indivíduos convivendo em sociedade. Os cidadãos estão estabelecendo novas formas de organização prática e reflexiva através de dispositivos pessoais conectados à internet para obter mudanças positivas na discussão pública. Através de softwares livres e outros artefatos do mundo conectado busca-se um aprimoramento colaborativo das instituições e partidos políticos.
Fui convidada pela Open Knowledge Brasil (OKBr) para escrever para o blog da organização algumas considerações sobre o debate “Democracia e Internet: Criando uma cultura de participação política no século XXI”, que ocorreu no dia 23 de julho no Centro Cultural São Paulo, localizado no bairro Paraíso, na capital paulista. O evento promovido pelo projeto Eu voto da OKBr propôs uma discussão aprofundada sobre as ferramentas tecnológicas para o uso e acesso a dados, decisões e construção do que é público, assim como sobre as novas iniciativas de participação política pela internet que estão surgindo no Brasil e no mundo.
O debate propunha, a princípio, trazer à tona os desafios, limites e inovações de uma democracia na etapa ciberespacial da humanidade e discutir quais os potenciais da internet e de uma inteligência coletiva para lidar com as crises de representatividade que acontecem em muitos países da América Latina.
Os convidados para o debate foram Ariel Kogan, realizador da plataforma Eu voto; Heloisa Pait, professora de sociologia da UNESP e especialista em sociologia dos meios de comunicação; Marina Silva, ex-ministra do meio ambiente e ex-candidata à presidência da República; Milton Jung, jornalista, âncora da rádio CBN e implementador da plataforma Adote um vereador; e Santigo Siri, co-fundador do Partido de la Red na Argentina. Os principais palestrantes, Marina e Santiago, atraíram grande número de pessoas ao evento e além de um rico intercâmbio de ideias, deram visibilidade ao tema, as iniciativas como a da OKBr e a outras personagens coadjuvantes.
Nesse texto conto um pouco das experiências que tive durante o evento como expectadora e voluntária, mas adianto que além desta temática do debate também encontrei questões de outra espécie. Acrescento aqui impressões de uma área não documentada, as comunicações face-a-face e situações criadas entre os convidados reconhecidos publicamente e os anônimos.
Quando a passos de chegar na entrada da sala onde aconteceria o debate mais tarde, antecipada como combinado aos que ajudariam na organização do evento, eu estava com as mãos frias e um pouco soadas, tentava me concentrar no que eu penso que sei fazer de melhor e lembrava do conselho da minha mãe “com educação, todo lugar pode ser apropriado”, cada vez mais perto da porta da sala eu perdia o controle sobre meu equilíbrio emocional. Não tinha noção clara de qual dos vários fatores mentais me trazia mais ansiedade, penso que os mais relevantes naquela hora eram: gostaria de não cometer deslizes muito memoráveis perto da minha professora orientadora da faculdade que estaria ali, tal que havia me convidado para assistir o debate porque estava o tema em relação direta com nosso projeto acadêmico em desenvolvimento; tinha aceitado a missão de viajar do interior do estado de São Paulo para a capital para escrever para o blog OKBr a pedido da organização, algo sobre o evento a meu critério; eu mesmo antes do evento começar, enquanto estava numa espécie de portaria da sala, pensava que não conseguiria escrever nada tão importante, com Marina Silva de convidada, a mulher de milhões de votos na última eleição presidencial, tinha certeza que os registros do evento seriam feitos por bons e experientes profissionais, o que teria eu a dizer?
São Paulo continuava tão deslumbrante como em minhas memórias, cheia de histórias cruzadas e pessoas visualmente tão opostas, uma composição tão instigante que não conseguia me centrar no que pensava que deveria, na hora H deseja sair correndo dali. Há poucas horas do evento e minha cabeça em outro universo, em arquitetura, moda, música. O Centro Cultural, estava sendo naquele dia e talvez em quase todos os outros, apropriado por vários diferentes grupos em ação, alguns na leitura, outros no ensaio de coreografias de dança, outros no piquenique, pessoas passando a observar do andar descoberto a cima o andar de baixo, e eu, tentando aproveitar a paisagem qual veria somente naqueles poucos momentos antes de levantar do banco onde estava e ir até a sala logo na entrada do Centro Cultural São Paulo. Na porta, alguém com a camiseta da OKBr conversava a minha frente com um homem que controlava a entrada das pessoas identificadas na lista de acesso permitido e isso me dava mais tempo para me centrar na minha função. Depois de liberarem minha passagem, o jogo havia começado, teria de jogar. No caminho até a sala foi um intensivo planejamento de como deveria chegar e me apresentar as outras desconhecidas pessoas da organização, me sentia como se estivesse em um dos acentos de uma montanha russa, cada passo pelas escadas antecipava o frio na barriga do momento da queda repentina e assustadora de uma atividade radical.
Logo de cara encontro minha professora sentada com seu computador portátil apoiado as pernas, achei que não escaparia de demonstrar facilmente meu nervosismo, mas para minha calma, ao nos cumprimentarmos minha orientadora parecia muito mais nervosa do que eu. Ela questionaria Marina Silva e Santiago Siri, que são bons comunicadores, e estava muito receosa na escolha das melhores palavras. Quando ela decidiu ir dar uma volta para relaxar pouco tempo antes do debate, onde eu a acompanhei, girávamos de um lado para o outro como duas malucas, subindo e descendo escadas, sem saber onde estava a saída, uma cena de filme que lembro ter grifado na memória para meus futuros roteiros. Eu ria por dentro da informalidade com que nos tratávamos naquele estado conjunto de nervosismo, mesmo atentas a nossa ética profissional. Ela ensaiava seu discurso comigo e eu mesmo sem entender seu raciocínio veloz, queria estar com ela para que se sentisse acolhida. Eu ajudando minha professora? Que máximo!
Acionava minhas bagagens acadêmicas sempre que lembrava da professora e do perfil dos leitores do blog, supunha que talvez cobrassem um embasamento mais teórico do meu texto, mas assim que algo inusitado acontecia, percebia que era muito mais complexa a minha situação interior e exterior do que as apreensões rasas das teorias que já tive contato, então ficava em uma mescla entre dois focos, foco no que por minha conta não conseguia deixar de notar e no que achava necessário guardar como informação excepcional para os leitores.
Sobre o comportamento das pessoas que eram alvos das câmeras ali eu percebi que, por ser a situação submetida ao registro audiovisual com finalidades midiáticas e potencialmente distribuída a um número significante de espectadores, havia uma rigidez performática diante das câmeras para que a imagem passada por estas figuras públicas fossem apresentadas de forma adequada, visando limitar as ambiguidades nas interpretações. A responsabilidade de apresentar e representar o papel devido é uma arte a qual damos muita atenção em nossa cultura intermediada pela comunicação de massa, “Essa atriz não está boa nesse papel”, “Isso lá é postura de um candidato à presidência?”. Os papeis sociais e as expectativas sobre cada qual, não se restringem a estas ocasiões midiáticas, estão na maioria das relações cotidianas, mas nelas parecem ser mais evidentes, porque além das posturas memorizadas e processadas a calor do momento como numa conversa face-a-face, elas podem ser revisadas e repassadas para inúmeros espectadores por gerações.
O evento foi transmitido ao vivo pelo site da OKBr e para os que ainda não assistiram também sairá uma versão editada com as principais partes do debate. A discussão foi além do idealizado assim que começavam a se fazer presentes agentes com diversos objetivos, estratégias para interação e concepções políticas. Estamos vendo a política não apenas como grandes decisões, eventos ou negociações, mas sim como um elo vital de disputa, afetividade e inclusão. Como por exemplo, as relações que tive com minha professora.
Um pouco antes do evento começar, enquanto os participantes chegavam e outros se acomodavam nas suas cadeiras, fiz duas simples perguntas a algumas pessoas que estavam aguardando o começo do debate em diferentes lugares da plateia. As perguntas foram “O que você espera do debate?” e “O que pensa sobre o título Democracia e Internet?” Bem, posso dizer que Milton Jung era uma verdadeira celebridade entre três das cinco pessoas que abordei.
A primeira pessoa falou de forma geral da importância do evento, não sendo entusiasta de nenhum dos convidados da roda de debate; estudante de física, mencionou as transformações na economia, sociabilidade e os impactos do mundo conectado na esfera política, e também a necessidade de tratar a política como algo menos formal e distante da vida cotidiana. A segunda confessou que estava ali para ver uma personalidade e profissional que admirava muito – Milton Jung – e que não poderia responder o que esperava do evento porque não sabia nada do assunto. Depois abordei duas pessoas que aproveitaram a aproximação de Jung e me fizeram esperar até que cada qual tirasse ao menos duas fotos com ele. Uma com ar de satisfação desnorteada respondeu-me com outra pergunta depois de sentada na cadeira “O que mesmo você quer saber?” Repeti as perguntas. Uma disse que achava que a internet era um avanço e estava sendo tardiamente implementada nos processos de decisões públicas. A outra disse que o sistema político “estava estancado” e que “a polícia, por exemplo, poderia se atualizar na prestação de serviços com a internet”, melhorando sua eficiência com o uso de aplicativos que recebessem fotos, por exemplo, de atos infracionais no momento em que acontecessem. Depois que viu meu dedo finalizando o processo de gravação de áudio, a última me pergunta, “Você concorda comigo? O que você achou do que eu disse?”
Em outro momento, estava sentada como espectadora mexendo na minha câmera fotográfica – às vezes minha pinta de fotógrafa me oferece alguns desafios. De novo Milton Jung passando por entre as fileiras e uma mulher me pede “Tira uma foto dele comigo?” Eu nem sei o porquê do pedido, pois era no celular dela que queria a captura.
Enquanto os convidados e participantes esperavam por Marina Silva, estes aproveitavam para se relacionar de maneiras mais informais, explorar o que este espaço poderia oferecer. Os convidados para o debate interagiam em pé com os participantes ao lado do tablado e por entre as fileiras; em algum momento dessa interação um dos organizadores da OKBr pediu desculpas pelo atraso em relação a hora marcada para o evento começar. Um pouco depois Marina Silva chegou, pisou no piso superior no centro da sala Adoniram Barbosa e o silêncio induziu a atenção dos espectadores, que estavam dos dois lados da sala e na cobertura de quatro lados, o debate começava.
Nenhuma das opiniões ouvidas na roda mostrava em discurso um caráter de “palavras de ordem” ou verdades absolutas; os interlocutores apresentavam caminhos e ideias que deveriam ser necessariamente desenvolvidas com o apoio coletivo dos cidadãos. As iniciativas de mudança estavam ali: “democracia prospectiva”, “democratização da democracia” e “ética para direcionar o uso das tecnologias” por Marina Silva, que relacionou em suas falas problemas de nossa sociedade atual com resgates históricos dos quais foram derivados. Ela disse também que vivemos uma “crise civilizatória” no Brasil; mesmo apontando suas bases teóricas tais como Hannah Arendt, Zygmunt Bauman, Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes, foi cuidadosa ao relatar suas aspirações para não se direcionar apenas a intelectuais e especialistas no assunto. Marina Silva tratava dos problemas debatidos dentro de uma questão estrutural, mudados a longo prazo através de ações que construam processos de desenvolvimento da democracia no país. Sua concepção entrava em uma visão holística e filosófica das dificuldades encontradas, lembrando sua persistência em questões ambientais e em assuntos sobre internet. Insistia também na ideia de que os cidadãos precisam ser protagonistas na política.
Santiago Siri contou um pouco sobre a criação do Partido de la Red e sua manutenção, que o grupo político pretende numa tática “troiana” invadir o sistema político com novos horizontes de representatividade distrital em Buenos Aires. Para apoio horizontal e maior participação nos projetos de lei em tramitação foi criado o software livre DemocracyOS, que permite qualquer cidadão da cidade votar online a partir de aplicativos na internet e que está sendo adotado por iniciativas de outros países, como o aplicativo para moradores de São Paulo EuVoto. Siri apresentou seu livro recém lançado “Hackerativismo” e os tweets criados no início do partido que elencaram diferenças claras entre um sistema político estancado e um sistema político em rede.
Heloisa Pait fez os comentários sobre a apresentação das ideias dos dois palestrantes, Marina Silva e Santiago Siri. Ela questionou Marina no apontamento que a mesma fez sobre a anulação de oposições binárias e propôs encararmos como complexo humano os conflitos políticos, que são construtivos. Questionou Siri sobre uma complementaridade e não substituição da política e dos partidos pelos meios de comunicação, realçou a importância da implementação das tecnologias dentro dos partidos e uma necessidade em democratização para o acolhimento dos desejam participar.
Ariel Kogan contou um pouco sobre as experiências com o aplicativo EuVoto, onde havia votação via web dos projetos de lei de vereadores de São Paulo e um espaço onde os vereadores podem expor seus projetos. Quase terminado o debate, Ricardo Young, vereador de São Paulo que estava na plateia, subiu ao tablado e contou rapidamente sobre o projeto que publicou na plataforma, revelou ser um entusiasta dessas iniciativas de aproximação com a opinião de cidadãos da metrópole.
Milton Jung foi um bom comunicador e mediador, sabia ponderar e fazer as transições entre um participante e outro, também acompanhava e repassava de tempo em tempo os tweets que estavam chegando por internautas no telão ao fundo do piso elevado. Houve questões de inclusão digital à Santiago Siri pelos internautas, quais foram discutidas rapidamente por ele e Marina Silva e que ao meu ver seria necessário outro encontro como este para explorar esta problemática.
As cadeiras giratórias apesar de objetos, apontavam quem do tablado estava mais ou menos desinibido, Heloisa Pait se concentrava aparentemente quase que exclusivamente na interação com os debatedores, nos discursos deles, em suas argumentações, e, anotava algumas coisas em um bloco de papel, não girou a cadeira nem a 90° e raras vezes o fez. Suas frases quase sempre eram direcionadas a alguém específico. Ariel também não se direcionava tanto à plateia, mas estava à vontade indo com a sua cadeira perto de Milton Jung para informar-lhe de alguns procedimentos, interagindo como convidado e organizador, mexendo em seu smartphone. Ariel e Heloisa pareciam encarar os papeis menos carismáticos dali. A respeito de líderes carismáticos, disse Marina Silva que ela mesma se via como uma, mas que não gostaria que a vissem estritamente como uma figura de carisma: ela fazia anotações durante a fala de outros convidados e girava sempre a cadeira para falar aos dois lados extremos da sala e acompanhar o tweets do telão, parecia segura e bem à vontade. Santiago Siri também girava bastante a cadeira e interagia com seu smartphone nas falas dos outros convidados.
No final do debate muitas pessoas fizeram o caminho curto das cadeiras até o tablado onde estavam os debatedores e, em uma rápida folga de observação, ao retornar meu olhar para onde estavam os convidados, havia um aglomerado de pessoas ao redor de Marina Silva, decidindo entre elas quem tiraria foto com Marina primeiro. Os outros participantes conversavam mais tranquilamente em círculos com poucas pessoas em cima e ao lado do tablado central, não houve fila para registros com eles. Entre os intervalos dos registros visuais que fazia nesse cenário de fim de debate como testemunha, trocava algumas ideias com outras figuras que me interessava, tentando não ficar só por fora dos grupinhos de bate-papo.
O interessante do potencial dos meios de comunicação, é surgir deles várias formas de interpretação e sociabilização sobre uma apresentação concreta de um único acontecimento, em tempos diferentes do qual de fato aconteceu. Houve: testemunhas oculares e possíveis repercussões orais, o boca-a-boca e assunto do dia-a-dia; transmissão em tempo real e seu gigante alcance público; fotografias e registros de imagens como meios de se compartilhar virtualmente preferências e referências, enfim, formas diversas de atribuir significado ao que ocorreu, sobre as várias mediações de fontes, e, dos diferentes espaços e tempos alcançados.
Os dispositivos refletidos durante o debate como possíveis meios para aprimorar o exercício da democracia tinham uma outra finalidade política naquele final de evento. Eles serviam como ferramentas de documentação de uma oportunidade ímpar: estar ao lado de uma figura pública com vasto histórico político, reconhecida nacionalmente e com agenda lotada; pode-se pensar: “quando será que Marina Silva estará a centímetros de mim novamente?”. As pessoas estavam com seus braços no corpo de Marina no momento das fotos, em uma intimidade que somente o pretexto de fotografar proporcionaria. Diferentemente das fotos publicadas em mídias junto a citações feitas por figuras políticas, geralmente em posturas e estilos mais formais (enquadramento da cintura para cima; roupas sociais; expressões faciais neutras), ali os participantes capturavam imagens de Marina Silva de forma independente, ela não estava posando para a foto frontalmente, e as posições, ângulos e expressões estavam vulneráveis a múltiplos registros concomitantes. Isso fez uma figura amplamente conhecida parte de um contexto compartilhado com personagens anônimos, unindo trajetórias individuais e públicas, também aumentando a audiência dos participantes, organização do evento e do evento em geral.
A cobertura jornalística optou por divulgar algumas declarações políticas mais gerais de Marina em detrimento do conteúdo que ela ofereceu à proposta do Eu voto. Também, os comentários que eu ouvia ao transitar por grande parte do auditório em busca de uma descrição menos focalizada em só um tipo de relação e para capturar imagens descritivas, cochichavam alguns dos participantes críticas mais estritamente à personalidade de Marina do que sobre suas opiniões a respeito do assunto. O debate não contou com interferências do público local, apenas dos internautas.
Para que todo esse cenário de questionamento fosse possível estavam presentes na construção anterior ao evento jovens engajados voluntariamente, elaborando e experimentando novas formas de se fazer política. É importante analisar as bases colaborativas que trabalham off-line por uma maior participação cidadã via meios distintos dos tradicionais e como isso vem sendo repercutido no Brasil. As camisetas, fotos, registro visual, design gráfico, apoio no dia do evento, também foram realizações de uma colaboração voluntária e diz respeito aos métodos pelos quais pessoas estão tentando criar uma representação mais ética e de fato democrática.
Em escalas, havia responsáveis pelo espaço e responsáveis pelo evento: a organização do espaço estava dividida em diferentes funções. Não precisamos esperar que todos saíssem do local para irmos jantarmos juntos (organizadores, voluntários e uma das convidadas). No tumulto, e na preocupação de meus receptores de São Paulo me deixarem para trás, fiquei de olhos neles e perdi de vista os outros convidados da roda. Seria natural que assim como Heloisa, os palestrantes fossem ao jantar com a gente, mas não foram, destacando em minhas reflexões o motivo de tanto valor de uma foto com uma figura pública. Até sair da sala cheia de luzes, passava em minha imaginação uma aproximação dos políticos palestrantes com nós que organizávamos em escalas o evento, mas esta sensação é desfeita assim que os perdemos de vista, no caminho a pé do Centro Cultural ao restaurante árabe algumas quadras de distância, eu desfazia o entusiasmo de aproximação.
O contexto das relações mediadas pelas mídias de massa, da formação mental do indivíduo sobre seus desdobramentos e sobrepostos estímulos, tornam as situações muito mais complexas do que podemos elencar. O “mundo real” e o “mundo virtual” tornam-se um a extensão do outro, e essa grande troca de conhecimento simultâneo é uma grande evidência de que os processos são construídos e só podem ser razoavelmente compreendidos coletivamente.
A política constante e em microescalas da qual me referi anteriormente, trata sobre as negociações de indivíduos que se formaram em contextos distintos e que convivem sobre um mesmo espaço-tempo, um auditório ou uma metrópole por exemplo, ou os que assistem mesmo que separados uma mesma transmissão em tempo real e expressam suas opiniões sobre ela. Tem-se uma dualidade de interesses entre construir algo novo, um espaço compartilhado e necessidades de apropriação particular dessa sociabilidade e desses espaços. Os conflitos entre nossas meta-narrativas e necessidades ordinárias. Por trás de nomeações, títulos, visibilidade e agenda, existem humanos que ainda ensaiam e adaptam suas ações em simultaneidade à comunicação recebida. Eles fazem política em transitáveis escalas, algo inescapável.
O que lembrar desses eventos públicos e mediáticos? Quais as responsabilidades de se estar nele? Quais questões acrescentar em meio a experientes políticos? Era muito do que eu pensava enquanto o evento acontecia, em qual seria a melhor forma de compartilhar todas incertezas ali estabelecidas e as derivadas delas.
Para ter coragem de escrever, especulei a hipótese de que toda discussão onde nos propomos a uma reflexão de fato pode ser validada, complexa e mais uma perspectiva dentre tantas outras. O desejo individual de compartilhamento e esclarecimento dos desafios construídos coletivamente pela experiência humana são talvez uma das maiores expectativas que criamos aos meios de comunicação, à democracia, à liberdade de expressão.
As manifestações que foram fomentadas no Brasil e em outros países do globo em seus últimos anos evidenciam formas de interação inéditas, de experimentação e criação de uma ética pela transparência, sobretudo nos sistemas políticos e imprensa. Os protestos e reivindicações online e off-line estão sendo fortificados por seu potencial de transmissão e pela vontade por parte dos cidadãos de estarem juntos em um momento de transformação de valores, processos cognitivos, dos consensos, conflitos, questionamentos, memória coletiva. O que não significa que deixamos de agir sobre valores fortes e perspectivas tradicionais, construídas culturalmente em um longo tempo de existência.
Ver também
- Tecnologia e Representação: substitutos ou complementares?, por Heloisa Pait, conselheira consultiva da Open Knowledge Brasil
- Democracia e Internet: um novo ecossistema da participação Social, por Ariel Kogan, conselheiro deliberativo da Open Knowledge Brasil