- Texto por Pedro Vilanova
Desde que a Operação Serenata de Amor nasceu, em setembro de 2016, a nossa equipe escuta o mesmo questionamento: “Por que vocês não mapeam também o Senado?” Bom, antes de mais nada, a Serenata nasceu como um projeto para auxiliar na auditoria das contas públicas utilizando inteligência artificial.
Nós começamos pela Câmara dos Deputados pela possibilidade técnica que os dados da casa forneceram. Desde que começamos, sempre foi possível ter acesso integral aos dados da Cota Parlamentar para deputados, inclusive com as imagens de grande parte dos documentos, desde 2011.
(Guarde essa informação dos documentos. Nós já retornaremos a ela.)
O resto da história da Serenata, a maioria das pessoas já conhece: o grupo uniu forças com a Open Knowledge e, pelo Programa de Inovação Cívica, lançou novos projetos, como o Perfil Político, o Queremos Saber e o Vítimas da Intolerância. Sempre voltados a qualificar a informação disponível e engajar a cidadania, mesmo que com dados de origens diferentes.
O nosso dia-a-dia inclui trocas de mensagens com os órgãos públicos do nosso país. Seja por pedidos de informação, seja por questionamentos diretos, estamos sempre em contato para esclarecer melhor alguns pontos em nome do conhecimento livre.
Um dos pontos que mais ajudaram no crescimento e na popularização da Operação Serenata de Amor foi a possibilidade de levar o cidadão até documentos públicos de uma forma muito rápida. Como a Câmara disponibiliza com detalhes as despesas, qualquer pessoa conseguia, ao acessar o Twitter da Rosie, checar diretamente na fonte as notas fiscais apresentadas pelos seus deputados.
É a mão dupla da transparência funcionando. A abertura de dados leva ao engajamento, que leva a um controle maior por parte da população. A Operação se popularizou e já teve seus resultados comprovados em outros textos. O problema, porém, é que esses resultados ainda estão restritos à Câmara dos Deputados.
E o Senado?
A abertura de dados referentes à Cota Parlamentar no Senado sempre foi mais conturbada. A imagem dos documentos, um dos pilares do controle como fazemos, não é disponibilizada pela Casa, mesmo que esse seja o tema de constantes pedidos nossos desde 2016.
Esse ano, ao questionarmos novamente os motivos que levam o Senado a não disponibilizar as imagens dos comprovantes fiscais, recebemos a resposta oficial de que a abertura de dados é uma decisão que cabe ao próprio parlamentar. Isto é, quem decide se o documento que detalha como o dinheiro público foi empregado será ou não disponibilizado é o senador responsável pela despesa.
De acordo com a Advocacia do Senado Federal, o senador pode escolher não disponibilizar parte ou toda nota fiscal de forma arbitrária. A exceção é caso exista alguma investigação em curso. Ou seja, a transparência e o engajamento da população dependem, acima de tudo, da boa vontade do próprio parlamentar em mantê-los.
Isso é particularmente estranho, tendo em vista que o art. 7º, III da LAI assegura o direito de acesso a qualquer informação custodiada por pessoa física (não precisaria ser um parlamentar) decorrente de qualquer vínculo com a administração pública. Isso se torna ainda mais preocupante em razão de se tratar de informações sobre despesas públicas, algo tão discutido atualmente.
Além disso, a falta desses documentos dificulta a própria análise e comunicação feita pela equipe. As normas da Cota Parlamentar são diferentes para deputados e senadores, os segundos, ao contrário dos primeiros, por exemplo, podem custear alimentação de terceiros com o dinheiro público. A análise das imagens das notas seria mais um elemento para identificar exageros e mau uso da verba pública, quando houvesse, e comunicar da maneira simples que popularizou a Serenata no trabalho junto à Câmara.
O próprio Senado já detectou problemas em sua gestão de informação, como vemos acima. Em relatório de 2014, fica clara a carência em setores de gestão do sistema e do registro das empresas dos parlamentares. Em resposta a um requerimento feito no ano passado, a Casa ainda afirmou não controlar se as despesas são feitas em empresas ativas ou cujos sócios sejam parentes dos senadores.
Bom, agora vocês já sabem. Apesar dos nossos esforços, não conseguimos atuar tornando mais transparente o uso da cota parlamentar no Senado porque não temos acesso aos documentos que detalham como os gastos foram feitos. Isso fica a critério dos senadores, e o controle das milhares de notas das suas despesas, a cargo de alguns poucos servidores da Casa. A gente continua querendo aplicar tecnologia para ajudar a democratizar esse controle.