Entenda o que é o Decreto-Lei 200, por que ele está sendo revisado, e como esse processo pode ser uma oportunidade para aprimorar os mecanismos e a efetividade da participação social
O Decreto-Lei 200, de 1967, é a norma de referência de consolidação legislativa sobre organização administrativa até os dias atuais. É nela que estão definidos, entre outros pontos, o que é uma autarquia, empresa pública ou fundação pública, e que estabelece os princípios fundamentais da administração pública como planejamento, coordenação, descentralização, delegação de competência e controle. Por se tratar de uma normativa de mais de 50 anos, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) iniciaram tratativas para revisá-la.
Essa revisão se estrutura em quatro eixos:
- Estrutura organizacional;
- Governança, planejamento e orçamento;
- Parcerias em políticas públicas;
- Inovação e controle.
O eixo de Parceiras em política públicas, especificamente, conta com três subdivisões:
- Articulação e atuação interfederativa;
- Parcerias com a sociedade civil;
- Participação social.
Com o objetivo de divulgar a iniciativa do governo e também coletar insumos para a construção de um mapa temático que subsidiará a nova normativa, a AGU promoveu uma série de quatro webinars, cada um dedicado a um eixo, ao longo de outubro. A Open Knowledge Brasil participou do webinar realizado em 15 de outubro de 2024.
Confira no vídeo acima o webinar “Parcerias em políticas públicas”, parte do processo de revisão do Decreto-Lei 200/67, que contou com a participação de Haydée Svab, da direção executiva da OKBR
Oportunidades para a participação social
Em sua fala no painel “Participação social”, Haydée Svab, diretora-executiva da Open Knowledge Brasil, começou destacando as principais dores do processo participativo, como a não obrigatoriedade da participação social na concepção, validação e monitoramento das políticas públicas como regra geral, e o não reconhecimento do ganho social que atividades político-participativas representam e o trabalho em que elas incorrem. Para ela, é preciso que a economia e a política do cuidado sejam transversais às questões participativas:
“Se queremos de fato ter mais mulheres, mães, pessoas de grupos mais vulneráveis [nos processos participativos], é preciso que se dê condições materiais e que se reconheça, por mecanismos estruturais e institucionais, o ganho social que as atividades político-participativas nos trazem enquanto sociedade. Isso se desdobra, por exemplo, em leis e dispensas”, reforçou.
No sentido de trazer propostas, Haydée elencou quatro aspectos relevantes para que um processo participativo seja efetivo, a saber:
- Relação com a realidade das pessoas, para que haja sentido no emprego do tempo investido em atividades participativas;
- Caráter vinculante, ou seja, contar com reconhecimento/espaço institucional, o que implica caráter deliberativo ou de veto;
- Sistematização transparente de processos de consulta e co-criação, de maneira que se fomente credibilidade crescente nos processos;
- Devolutiva explícita dos processos participativos, indicando inclusive porque determinadas ações foram tomadas ou diretrizes priorizadas em detrimento de outras.
Por fim, ela destacou tanto o potencial positivo quanto os desafios aportados pelo uso de ferramentas digitais nos processos de participação, e pontuou a relevância de temas transversais, como a promoção da diversidade e a importância da conectividade significativa, para que possamos diminuir efetivamente as desigualdades e fortalecer o pleno exercício da cidadania no ambiente digital.
Agenda da participação
Além de Haydée Svab, participaram do painel “Participação social”:
- Valmor Schiochet, secretário nacional adjunto de Participação Social da Secretaria Geral da Presidência da República;
- Mauricio Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA);
- Lídia Marcelino Rebouças, especialista social sênior do BID;
- Adrian Lavalle, presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP);
- Ivo Cípio Aureliano, advogado do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e integrante da Rede de Advogados e Advogadas Indígenas da Amazônia Brasileira.
O painel teve mediação de Gustavo Justino de Oliveira, professor de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo (USP).
A partir das diversas falas, foi possível ter uma fotografia da agenda da participação nos espaços institucionais, passando pelos seus principais escopos e limitações. O debate levantou temas como a relação do ciclo participativo com a accountability necessária aos financiamentos promovidos por organismos multilaterais como o BID; os direitos da participação e a essencialidade do devido processo legal participativo a partir do campo ambiental; e a territorialidade como requisito de uma cultura participativa efetiva para os povos indígenas.
Haydée destaca a fala do professor e presidente do CEBRAP Adrian Lavalle, que recomendou a regulação das instituições participativas e das ferramentas para além do seu desenho em si, mas com foco em como se relacionam com a operação regular das políticas públicas, de forma que seja isso que garanta a efetividade dos formatos.
Ao final, foi possível refletir sobre os impactos sociais da agenda de participação social na gestão pública e sociedade como um todo.