Advocacy e Pesquisa

Tecnologias para combate à Covid-19 falham em transparência e proteção de dados pessoais, apontam organizações

14 jan de 2022, por Danielle Bello

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Iniciativa internacional, que contou com a participação da OKBR, identificou processos de implantação de soluções tecnológicas apressados, opacos e que não garantem direitos humanos básicos, como a privacidade 

  

Uma análise sobre o emprego de tecnologias como resposta à pandemia de Covid-19 na América Latina identificou processos de desenvolvimento e implantação de soluções com diversas lacunas em relação à proteção de dados pessoais, privacidade e outros direitos humanos básicos de quem as utiliza. Barreiras no acesso à informação também foram uma constante.

O projeto #SORRIA EstamosVigiando, sob liderança do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), promoveu uma investigação simultânea no Brasil, Chile, Colômbia e El Salvador, visando fomentar a transparência, a responsabilidade e a prestação de contas quanto ao uso de tecnologias com capacidade de vigilância e o tratamento de dados pessoais coletados ou produzidos, sobretudo em contextos de crise. Além da Open Knowledge Brasil (OKBR), participaram também a Derechos Digitales, a Fundación para la Libertad de Prensa (FLIP) e o Instituto de Derechos Humanos de la UCA (IDHUCA)

De março a dezembro de 2021, as organizações realizaram uma série de pedidos de acesso à informação, relacionados à formalização de parcerias ou contratações realizadas para implantar as tecnologias; tratamento de dados pessoais, como a finalidade de coleta e uso dos dados e informações sobre armazenamento, compartilhamento e protocolos de segurança adotados; uso de códigos-livre e propriedade intelectual; estudos sobre impacto em direitos humanos e efetividade das soluções; entre outros temas.

Acesse a íntegra dos pedidos cadastrados pela OKBR.

A maioria das ferramentas analisadas são aplicativos, capazes de coletar massivamente dados pessoais e cuja instalação foi amplamente incentivada por governos. Ao todo, mais de dez tecnologias foram analisadas em profundidade nos quatro países — cinco delas no Brasil: Conecte SUS (governo federal); Monitora Covid-19 (Bahia); Dados do Bem (Goiás e Rio de Janeiro); Saúde Digital MG (Minas Gerais); e Juntos no Combate – Covid-19 (Amazonas).

Os problemas de transparência começaram já na realização dos pedidos via Lei de Acesso à Informação de cada país. A maioria das solicitações não foi plenamente respondida.

No Brasil, todos os casos exigiram a interposição de recursos para que as solicitações fossem respondidas minimamente. “Há várias más práticas identificadas, como os sucessivos encaminhamentos internos e recontagens de prazos ocorridos em Minas Gerais e o desprezo completo por prazos observado no Rio de Janeiro, que acabou nunca retornando um dos pedidos que realizamos”, explica Danielle Bello, coordenadora de Advocacy e Pesquisa da OKBR.

O caso mais crítico, no entanto, foi no Amazonas, cuja plataforma de eSIC estadual não permitia o registro de recursos, devido a um problema no site. “O diálogo precisou ser feito por telefone e e-mail. O ente chegou a negar o acesso à informação inicialmente, alegando que as informações deveriam ser obtidas com a empresa responsável pelo aplicativo. Depois, concedeu acesso parcial. Nunca acessamos nenhum documento de formalização da parceria para a implantação do Juntos no Combate – Covid-19, seja por transparência passiva ou ativa”, completa Bello.

Uma vez acessadas as informações, o diagnóstico não foi positivo, como destaca a OKBR em uma das análises produzidas ao final do processo:

A aquisição e o desenvolvimento dessas tecnologias, quando formalizados — o que nem sempre ocorre —, apoiam-se em instrumentos em geral insuficientes para garantir que a coleta, o compartilhamento e a guarda de dados pessoais cumpram princípios básicos, como os da finalidade e da proporcionalidade. Os contratos e termos tampouco trazem dispositivos para evitar que a adoção das tecnologias viole direitos fundamentais como a privacidade e a possibilidade de os indivíduos exercerem controle sobre seus próprios dados, isto é, sua  autodeterminação informativa.

A investigação também revelou que análises sobre potenciais impactos em direitos humanos pelo uso das tecnologias, ou mesmo avaliações de sua efetividade no combate à pandemia não foram realizadas em nenhum dos quatro países.

 

Veja as análises temáticas produzidas pelas organizações:

Contratos de tecnologia para combate à Covid-19 não protegem dados pessoais e direitos humanos”, por Open Knowledge Brasil

Faltas en materia de transparencia y protección de datos personales en el despliegue de tecnologías de vigilancia para combatir el Covid-19”, por Derechos Digitales (em espanhol)

Tecnologías para combatir el COVID-19: una implementación apresurada”, por Fundación por la Libertad de La Prensa (em espanhol)