O acesso a base de dados completa com os currículos dos cerca mais de 2,7 milhões de pesquisadores brasileiros deveria ser público. Afinal, a informação dos currículos não pertence a ninguém em particular – e inclusive está em domínio público – e é administrada por uma instituição pública financiada pelos impostos dos cidadãos brasileiros. O acesso pela web só é possível em busca individuais por pesquisadores. Estranhamente o CNPq, ou ao menos os gestores da base no órgão, se recusam há anos em permitir o acesso à base completa.
O acesso à base permitiria ter um amplo panorama da ciência brasileira, estudar a relação entre pesquisadores, pesquisas, publicações, fazer comparações entre pesquisadores, universidades, regiões, áreas do conhecimento e cruzar uma infinidade de variáveis presentes nos currículos.
Hoje, para se explorar a base Lattes, é necessário fazer mineração de dados. Devido o tamanho da base, o processo é oneroso, pouco eficiente, podendo demorar meses e, sendo feito sem o acesso à forma com os dados estão estruturados, impõe dificuldades no tratamento da informação.
O autor deste post, que também é um dos coordenadores do GPOPAI-USP, vem tentando obter o acesso há dois anos, antes mesmo da aprovação da Lei de Acesso à Informação. Junto com minha colega de coordenação do grupo, chegamos conversar brevemente com Aloizio Mercadante então ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, quando este visitou a Casa de Cultura Digital, em 2011. No entanto, apesar de seu auxílio no contato com funcionários da área de TI do órgão, o acesso nunca nos foi facultado. As razões não eram claras e aparentemente provêm do próprio setor que administra a base.
Mesmo com Lei de Acesso, responsáveis pela base resistem
Com a Lei de Acesso à Informação em vigor, começamos a cruzada para ter acesso à base. Assim que a Lei entrou em vigor fizemos a primeira solicitação (23/05/2012), que teve deferimento exatamente no última dia do prazo legal (12/06), como pode ser visto no relatório gerado pelo e-SIC. No entanto, a resposta pedia outros 45 dias adicionais para atender ao pedido. Como já esperávamos há muito tempo, não apenas aceitamos o prazo adicional, como ficamos muito felizes com a resposta.
Para nossa supresa, esgotado o prazo adicional, o Serviço de Atendimento ao Cidadão do CNPq avisa que não enviaria mais à base dada à “inviabilidade dos custos reais devido ao trabalho para fazer a cópia dos dados”, em mensagem enviada por e-mail diretamente ao solicitante, no dia 13/07/2012.
Tentamos em vão rever a decisão com o ouvidor do órgão, por meio de contatos telefônicos e e-mails. Dado o falso deferimento à solicitação, perdemos o prazo de recurso em terceira instância. Apelamos à Controladoria-Geral da União (CGU), mas a resposta foi de que deveria ser ingressada nova solicitação junto ao CNPq. Assim, após “cair no conto”, começamos outra vez.
“Custos reais”/ Quais?
Iniciada outra solicitação, desta vez, questionamos sobre quais seriam os “custos reais”, de modo a investigar melhor as razões do indeferimento. Responderam que seria de “R$ 10.680,00, valor caso fosse executado durante o horário regulamentar de trabalho (horário de trabalho nos dias uteis)”. Ao pedirmos informações detalhadas, responderam que esse valor era calculado com base na homem/hora pago a empresa que faz gestão de seus bancos de dados (Algar Tecnologia) e enviaram o link com o contrato do órgão público com a empresa. O relatório gerado pelo e-Sic pode ser visualizado aqui.
Então tínhamos aí algo novo para testar com relação à Lei de Acesso: uma negativa baseada no custo elevado da informação. Como esse custo está relacionado ao atendimento do interesse público da comunidade científica brasileira, ao nosso ver, o valor era irrisório. Mas havia o risco do argumento do interesse publico não ser aceito como justificativa para forçar o órgão a disponibilizar a base. Considerando que uma decisão negativa da CGU ou da Justiça poderia criar um precedente negativo para a aplicação da lei, decidimos levar isso para a OGP (Open Governament Partnership – Parceria para o Governo Aberto). A ideia é que a abertura da base Lattes fosse incorporada às ações do governo brasileiro.
Com esse objetivo, durante o diálogo governo-sociedade civil no 2o Plano de Ação do Governo junto à OGP, foi formulada a proposta da abertura pública da base Lattes com base no pagamento do valor por eles solicitado. A proposta entrou no rol das priorizadas pela sociedade civil, sendo a quinta mais votada. Ficamos satisfeitos, pois agora o CNPq estava cercado e sem argumentos mais para negar o acesso, No entanto, para nossa surpresa…
CNPq recusa o acesso, alegando razões de risco à integridade de dados
As propostas formuladas pela sociedade civil foram enviadas pela CGU aos órgãos federais responsáveis pela sua implementação. Surpreendentemente o CNPq apresentou novos argumentos para não permitir o acesso publico à base – a resposta completa pode ser vista no aqui. O texto é bastante obtuso, pois deturpam a proposta feita, como se já estivessem cumprindo com o solicitado. Cabe ressaltar, que as instituições conveniadas com o CNPq só tem acesso parcial à base (por exemplo, a USP que possui cópia dos dados de seus pesquisadores) ou pode extrair dados de forma controlada. De modo geral os pontos centrais do documento são esses:
- se disponibilizada com acesso “indiscriminado”, informações curriculares poderiam ser alteradas;
- como a base “só existe porque os dados são confiáveis e protegidos”, “violar este princípio seria acabar com a Base”.
Encurralado, o CNPq atira contra a própria política de dados abertos do governo, argumentando que a abertura ao público coloca em risco a integridade dos dados.
Tal argumento contraria as modernas políticas de abertura de dados feito não apenas pelo governo brasileiro, mas no mundo todo. A experiência internacional tem mostrado uma vasta possibilidade de usos inovadores de dados públicos relacionados com aumento dos mecanismos de transparência e controle social, ganhos de eficiência por parte do Estado, investigação científica para pesquisadores e uma infinidade de cruzamentos e associações criativas com benefícios sociais e econômicos. O órgão sequer apresenta um exemplo de abertura dos dados gerou risco a integridade dos mesmos ou “acabou com a base”. Simplesmente, não apresenta argumento digno de um debate sério.
Essa resposta tacanha indicaria a existência de interesses ocultos na base? Afinal, quem realmente vai sair perdendo com o acesso público? A quem interessa que fique fechada?
Sabemos que o Brasil possui a Infra-estrutura Nacional de Dados Abertos (INDA) e que o processo de abertura de dados, mesmo em ritmo moderado, está em expansão e conta com apoio da cúpula do governo. Lembramos que o Brasil é co-fundador da OGP e a criação da INDA fez parte do 1o Plano de Ação do Governo.
A postura dos gestores da base do CNPq evidencia um total descompasso com as políticas do Governo do Brasil. Mais que isso, representa um grande desrespeito ao cidadão/contribuinte brasileiro e à comunidade científica que deseja ter acesso à base. Cabe sempre lembrar que a informação pública não pertence a um punhado de servidores, mas aos cidadãos brasileiros – os 99%. A Lei de Acesso aliada às inovações de TI, estão reduzindo os espaços de segredo no Estado e o privilégio de alguns. O cerco está se fechando em torno do CNPq.
A discussão sobre a abertura da base Lattes dentro do 2o Plano de Ação foi aberta no E-democracia. É importante que a comunidade acadêmica, desenvolvedores e defensores do conhecimento aberto se posicionem a respeito do tema.