A necessária discussão da transparência no Judiciário Estadual

11 dez de 2015, por OKBR

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por Ivan de Franco e Natália Langenegger, do Internet Lab

No dia 1º de dezembro de 2015, foi lançado o Relatório da Pesquisa desenvolvida por pesquisadores do InternetLab: “Acesso à Informação no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”. A pesquisa foi fruto de Acordo de Cooperação Técnica com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) assinado em fevereiro de 2015, com vistas a avaliar a forma como o referido Tribunal cumpre as determinações da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 2011, a LAI) e a propor sugestões de ações a serem promovidas para aperfeiçoar suas práticas de transparência.

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Premissas e metodologia de pesquisa

A pesquisa tomou como premissa a constatação de que a Lei de Acesso à Informação foi elaborada tendo como principal preocupação a regulamentação de práticas de transparência no âmbito do Poder Executivo, e que o órgão administrativo de cúpula do Judiciário se manteve silente a respeito do tema por anos. Embora haja Resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que abordem temas relacionados à prestação de informações de interesse público, esses normativos, em regra, são anteriores à LAI e abordam somente alguns aspectos necessários a uma plena política de transparência. O CNJ aprovou, em sua 222ª Sessão Ordinária, que ocorreu no dia 01/12/2015, mesma data da entrega de nosso Relatório de Pesquisa, Resolução que regulamenta a lei de Acesso à Informação. Entretanto, até a data de finalização desse texto a norma não foi publicada.

A pesquisa foi desenvolvida em duas frentes: transparências ativa e passiva, que contaram com metodologias distintas entre si. A avaliação da transparência ativa consistiu na observação do sítio eletrônico do TJSP e na condução de entrevistas com funcionários do Tribunal envolvidos na gestão e disponibilização espontânea de informações. Já as práticas de transparência passiva foram avaliadas por um combinado de técnicas, consistentes na observação do site, em entrevista com funcionários do Tribunal, na análise amostral de pedidos de acesso à informação apresentados por cidadãos ao TJSP e no envio de pedidos de informação pela equipe de pesquisa.

 

Afinal, o TJSP cumpre a Lei de Acesso à Informação?

De forma geral, deve ser salientado que a estrutura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo apresenta diversos aspectos satisfatórios. Longe da imagem da caixa-preta frequentemente associada ao Poder Judiciário, há uma visível preocupação em divulgar as informações de interesse público e seu principal repositório de informações, o sítio eletrônico, é completo. Esse diagnóstico é feito também por uma análise comparativa com outros Tribunais Estaduais que, como verificado na literatura, apresentam quadros sensivelmente piores que o TJSP. De toda forma, há aspectos a serem aprimorados para que o TJSP possa, após mais de três anos da publicação da Lei de Acesso à Informação, cumprir todas as obrigações legais.

O principal canal de veiculação das informações públicas produzidas no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é seu sítio eletrônico. A disposição das informações na homepage do Tribunal é feita de forma clara, havendo em todas as suas páginas links que encaminham o usuário a informações referentes a “Dúvidas Frequentes”, “Ouvidoria” e “SIC” (Serviço de Informação ao Cidadão). Por outro lado, destacamos a necessidade de serem disponibilizadas informações em formatos que possam ser lidos por máquina e, preferencialmente, em formatos não-proprietários. Longe de ser uma mera tecnicidade, a publicação de informações nos formatos sugeridos permite análises mais complexas e localização facilitada de informações específicas divulgadas. A estrutura remuneratória de funcionários e magistrados, por exemplo, feita em formato de imagem, é severamente prejudicada pelo fato de não ser possível ordenar os vencimentos pelos valores percebidos. Vale mencionar, também, a necessidade de atualizar com maior frequência algumas informações disponibilizadas no site, notadamente as relativas às informações financeiras e orçamentárias.

 

Transparência ativa

Sobre a transparência ativa, que envolve as informações espontaneamente divulgadas pelo Tribunal, destacamos, primeiramente, um aspecto problemático: a não publicização dos processos administrativos disciplinares (PAD), que examinam as eventuais infrações funcionais cometidas por juízes e desembargadores. Desde 2011, com a Resolução CNJ/135, não há dúvidas de que esses processos devem ser públicos, assim como as decisões e os julgamentos de tais casos. Ocorre que, no caso do TJSP, esses processos não são divulgados e sequer podem ser localizados na pesquisa processual. Mais do que isso, o segredo de justiça é largamente utilizado como forma de não disponibilizar as informações sobre esses procedimentos. Num contexto em que os julgamentos do CNJ são transmitidos ao vivo, não parece razoável que os Tribunais Estaduais deixem de disponibilizar essas informações.

No que diz respeito à divulgação de informações sobre a atividade judicante, há uma preocupação do Tribunal, demonstrada pela informatização e posterior digitalização de processos, em viabilizar acesso ao andamento processual de todas as demandas em trâmite no Tribunal e à integralidade das decisões de primeira e segunda instâncias. Essa divulgação ainda encontra limitações envolvendo i) processos físicos, ajuizados anteriormente à digitalização dos processos ou em trâmite em cartórios que ainda não dispõem de processos digitalizados; ii) processos penais, devido à incompatibilidade de sistemas ou não informatização do Ministério Público e das Delegacias; e, iii) causas consideradas segredo de justiça. A despeito desta preocupação do TJSP em divulgar a integralidade das decisões proferidas desde a informatização e digitalização de processos, é crucial que conste nas páginas de pesquisa jurisprudencial e do banco de sentenças informações claras sobre a composição da data-base. Essas informações são especialmente relevantes porque conferem mais credibilidade aos esforços de transparência empreendidos pelo Tribunal e permitem ao cidadão avaliar a representatividade das decisões que venha a consultar.

Os mecanismos de busca de decisões do site do TJSP são de fácil manejo, havendo também informações claras e de fácil acesso sobre como utilizá-los. Seria recomendável, todavia, que novas parametrizações fossem disponibilizadas nesses mecanismos, como a possibilidade de pesquisa por classe processual. Além disso, é fundamental que o andamento processual e as decisões judiciais sejam divulgados em formato legível por máquina, tal como feito no novo mecanismo de busca de sentenças, que, por sua vez, merece maior destaque na página inicial do sítio eletrônico do Tribunal.

Por fim, destacamos que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo divulga as informações que considera classificadas segundo o sigilo previsto na Lei de Acesso à Informação. Ocorre que as justificativas utilizadas são, em regra, genéricas, não tratando de informações individualizadas. Além disso, a classificação das informações não está acompanhada da data em que isso ocorreu. Esses apontamentos não são meros detalhes, pois a não divulgação de informações públicas é exceção e, assim sendo, deve ser devidamente justificada e submetida ao escrutínio público. Da forma como são classificadas as informações hoje, pode-se pensar que um conjunto grande e indefinido de informações é classificado sem termo final para seu desvelamento. Importante reforçar que, em qualquer caso, não há sigilo eterno e, mesmo após um longo período, as informações devem ser publicadas.

 

Transparência passiva

Sobre a transparência passiva, que consiste nas informações públicas que devem ser divulgadas após pedido de qualquer pessoa, destacamos que o Serviço de Informação ao Cidadão (SIC) do TJSP é a principal porta por meio da qual cidadãos podem apresentar solicitações de informação ao Tribunal. Dessa forma, é fundamental que essa página do site seja o mais completa e de fácil compreensão possível. De forma geral, o sistema funciona satisfatoriamente: o formulário de pedido de acesso à informação é completo, o cidadão recebe por e-mail o número de protocolo e, no mais das vezes, o Tribunal responde à demanda.

Por outro lado, em razão de sua importância, vale destacar detalhadamente aspectos que devem ser aprimorados na página do SIC do Tribunal. Em primeiro lugar, seria importante haver um mecanismo de acompanhamento eletrônico dos pedidos de acesso à informação, de forma a possibilitar ao cidadão saber com facilidade qual o andamento do procedimento de resposta ao seu pedido. Além disso, deve ser possibilitado ao cidadão anexar documentos no formulário do SIC, o que permitirá a realização de pedidos mais complexos. É fundamental haver um campo específico que permita a apresentação de recurso contra decisão negativa de acesso à informação ou qualquer tipo de resposta insuficiente, campo hoje inexistente. Mais ainda, seria necessário haver na página do SIC explicações sobre a possibilidade e procedimentos possíveis para a apresentação de recurso contra resposta ou omissão a pedido de acesso à informação.

Ainda sobre o mesmo respeito, é importante que o Judiciário entenda a necessidade de responder a todas as demandas que lhe são trazidas pelos cidadãos. Enfatizamos esse aspecto pois, tanto na análise amostral de pedidos de acesso à informação apresentados por cidadãos ao TJSP quanto na análise dos pedidos realizados pela equipe de pesquisa, identificamos perguntas sem resposta, principalmente quando a matéria se mostrava politicamente sensível. Por fim, foi possível constatar que o Tribunal não realiza relatórios periódicos sobre as solicitações que lhe são apresentadas por cidadãos, prática esta que poderia ser utilizada para aprimorar seus esforços de transparência ativa e, consequentemente, para reduzir a quantidade de pedidos de acesso à informação apresentados.

 

Continuidade do diálogo acadêmico sobre o Judiciário

Os aspectos descritos buscaram sumarizar uma pesquisa que durou quase um ano e que resultou em um relatório robusto. Convidamos a todas e todos que se interessam sobre o tema a lerem a pesquisa publicada e, querendo, contatar-nos para estabelecer o necessário diálogo sobre uma pesquisa acadêmica. E, mais do que divulgar amplamente os resultados, achamos fundamental haver continuidade nesse tipo de análise externa da política de transparência (e de outras mais!) no âmbito do Judiciário. Isso é fundamental para não reservar momentos como esse a isoladas políticas de gestão dos Tribunais.

O projeto “Acesso à Informação no Tribunal de Justiça do estado de São Paulo” continuará: no início do ano que vem, organizaremos um evento de lançamento e discussão de nosso Relatório de Pesquisa. Nesse espaço, discutiremos, também, o estado da arte da transparência no Poder Judiciário e perspectivas para o futuro. Aguardem!