Além da cúpula global da Parceria de Governo Aberto, o país recebeu vários eventos paralelos, um deles puxado pela Open Knowledge Foundation; a coordenadora de Advocacy e Pesquisa, Danielle Bello, esteve lá e conta como foi
Qual a tecnologia que queremos para nossos governos? Como usá-la para torná-los mais transparentes, em vez de serem instrumentos de maior opacidade? Foi com essas questões que comecei uma semana agitadíssima de discussões sobre a abertura de governos em Tallinn, capital da Estônia.
Não foi por acaso que o país foi escolhido como sede da 8ª edição do Global Summit da Parceria de Governo Aberto, a OGP (da sigla em inglês para Open Government Partnership), ocorrida em 6 e 7 de setembro. A Estônia é reconhecida como líder em governo digital (já há anos) e tem reformas voltadas à transparência e à colaboração com cidadãs e cidadãos destacadas pela OGP. Participei do evento, representando a Open Knowledge Brasil (OKBR), a convite da própria OGP, por sermos parte do GT da Sociedade Civil responsável por acompanhar o 6º Plano de Ação Brasileiro para Governo Aberto.
Em paralelo à programação intensa do Summit, uma diversidade de eventos aconteceu. O primeiro deles, e também a minha primeira parada por lá, foi um encontro realizado pela Open Knowledge Foundation (OKF), em parceria com os capítulos da Open Knowledge da Finlândia e da Estônia. Começamos com uma apresentação impactante da jornalista investigativa Stefania Maurizi, que vem trabalhando desde o início no caso WikiLeaks. Com uma panorama sobre leis de acesso à informação em vários países, ela deu uma aula de litigância estratégica a partir de pedidos de acesso. “Não há democracia quando jornalistas e cidadãos não podem saber e, às vezes, a informação é questão de vida ou morte”, disse Maurizi.
O painel seguinte, que tive a enorme responsabilidade de comentar, contou com um time de peso: além de Sara Petti e Patricio Del Boca, da OKF, estavam Natalia Carfi (Open Data Charter), Kateryna Borysenko (East Europe Foundation) e Mel Flanagan (Nook Studios). O fio condutor e também mensagem final de todo o debate em torno da importância da abertura como princípio e dos desafios colocados por novas tecnologias foi o da colaboração. Construir pontes entre diferentes atores de governos e de setores variados da sociedade, nacional e internacionalmente, é a chave para criar consciência, engajamento e as soluções necessárias.
Depois, apresentei o Querido Diário em uma das “mesas temáticas de almoço”, apontando especialmente o contexto político-administrativo brasileiro, as barreiras no acesso à informação que temos, principalmente em nível local, e os atuais desafios técnicos do projeto. É muito bacana perceber como o Querido Diário causa admiração, entusiasmo e reconhecimento mesmo além das nossas fronteiras.
A Sara (OKF) fez um relato completo sobre esse dia produtivo neste post no blog da OKF.
OGP Camp
No dia seguinte, a programação oficial da OGP foi aberta. O OGP Camp foi um evento menor, com alguns convidados entre representações da sociedade civil e pontos de contato governamentais envolvidos na cocriação de planos de ação em governo aberto em todo o mundo. Além do claro incentivo à troca de experiências e construção de redes, essa edição também teve como objetivo apresentar e discutir a nova estratégia da parceria, coconstruída ao longo de 2022 e que estará vigente pelos próximos cinco anos.
A OGP parece ter finalmente compreendido que o governo aberto acontece para muito além dos planos de ação, contrapartida assumida pelos membros da Parceria para fazer parte dela. E que esses processos, por vezes, tornam-se engessados, limitando realizações maiores, já que os esforços ficam muito concentrados no ciclo dos planos e seu rígido cronograma. É preciso ir mais adiante. Além de maior flexibilidade para os ciclos, a Parceria também elegeu 10 temas prioritários, criando um novo espaço para construção, debate e disseminação de iniciativas. A mensagem de que é necessário “subir a régua” em ações visando reformas reais ficou evidente já na plenária de abertura e que isso só será possível se a sociedade civil for ouvida. Entre os temas prioritários estão Clima e Meio Ambiente, Governança Digital e Espaço Cívico.
Falando em espaço cívico, esse é definitivamente um pressuposto inegociável para que o governo aberto, de fato, aconteça. Como pontuou a copresidente do Comitê Diretor da OGP pela sociedade civil no último biênio, Anabel Cruz, na plenária de abertura, “Se o espaço cívico não for aberto, a sociedade civil não poderá desempenhar seu papel, portanto não haverá governo aberto. Temos que incorporá-lo em tudo o que fazemos, ele precisa ser transversal”.
Além de ponto recorrente em diversas falas, é também ponto de atenção: de acordo com a própria OGP, o espaço cívico na maior parte dos países membros da Parceria não está plenamente garantido. Talvez seja também um sinal de que a abordagem mais holística para iniciativas de abertura, para além de planos de ação, é urgente.
Destaques da programação
Foram dois dias de Summit, com uma agenda carregada de atividades (em geral, simultâneas, uma pena!). Para destacar algumas, no tema de tecnologias, algoritmos e accountability, teve um debate quente focado em regulação e um painel centrado em transparência e governança participativa, enquanto a proteção de defensores ambientais e seu papel importante para o enfrentamento de crises climáticas foi tema de outra sessão, em que o Acordo de Escazú foi discutido. Teve ainda a jornalista vencedora do Nobel da Paz, Maria Ressa, em vários momentos da programação pautando capitalismo de vigilância, o poder das big techs na atualidade e assimetrias no acesso à informação e na proteção da privacidade entre atores privados e a população em geral.
Uma das minhas favoritas foi uma conversa sobre estratégias para levar o governo aberto ao mainstream, tanto para um público mais amplo da população, como nas estruturas internas dos governos, buscando mudanças culturais e sistêmicas. Entre as iniciativas, um índice que mede a transparência de parlamentos africanos e um programa (que veio da plateia!) que, entre outras coisas, faz parcerias com universidades para trabalhar acesso à informação e ciência de dados com comunidades locais. Ambas lembram coisas incríveis que temos feito por aqui na OKBR, como o Índice de Transparência da Covid-19, o Querido Diário nas Universidades e tudo que rola na nossa Escola de Dados.
Além de espectadora, também tive o prazer de ser painelista. Participei de uma conversa incrível sobre os papéis de liderança que exercemos em processos de reforma via governo aberto. Pude compartilhar algumas experiências pessoais e ouvir histórias inspiradoras de colegas batalhando também há anos por mais transparência, participação e responsabilização na Austrália, África do Sul, Quênia, Reino Unido e Chile. Falamos sobre a importância de construir confiança entre os diferentes atores participando desses processos para fazê-los avançar; sobre o valor da empatia e da escuta mútua; sobre agir estrategicamente, entendendo que na maior parte do tempo as mudanças serão pequenas e graduais, mas que às vezes haverá janelas de oportunidade para mudanças estruturais, o que exige ação rápida; sobre como nossa atuação deve ser adequada aos contextos em que estamos e o alinhamento de expectativas por todas as partes é crucial; e sobre como nossas experiências ora como governo, ora como sociedade civil nos tornaram mais capazes de compreender as limitações e as demandas de ambos os lados, sendo figuras importantes para a construção de pontes de diálogo e colaboração.
Em paralelo à agenda oficial, aproveitamos a presença da Controladoria-Geral da União (CGU) e de membros do GT da Sociedade Civil para uma reunião sobre o 6º Plano Brasileiro para Governo Aberto com a consultora de apoio às Américas da OGP, Carolina Cornejo. Estiveram presentes o diretor de transparência e governo aberto, Otávio Neves, e a coordenadora-geral de promoção de governo aberto, Raquel Pereira, pela CGU, além de mim (OKBR) e a professora Paula Schommer (Grupo de Pesquisa Politeia – Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC) pela sociedade civil. Além de atualizar o andamento da cocriação, tivemos uma conversa franca sobre os desafios e problemas que temos enfrentado ao longo do processo, como prazos curtos e cronograma que prejudicam a capacidade e a qualidade da participação da sociedade civil e a transparência precária em relação a decisões e processos internos.
A vez é dos governos locais
Uma mensagem clara desse Summit é a proeminência de governos subnacionais em processos de abertura. Pela primeira vez, realizou-se uma Assembleia do Programa Local da OGP (que foi gravada e pode ser assistida aqui), permitindo o diálogo direto entre todos os membros.
Há muita coisa interessante acontecendo por aí. Por exemplo, o Marrocos criou recentemente um programa, com uma rede com mais de 60 membros, para promover localmente princípios e iniciativas de governo aberto, incentivar trocas e construir capacidades para reformas. A Argentina está entrando no segundo ciclo do programa federal de capacitação e fomento a práticas locais e que, nesta edição apoiará 70 iniciativas a partir de uma perspectiva de Estado aberto. A Espanha agregou em seu Plano de Ação Nacional a realização de mais de 50 iniciativas subnacionais, construindo uma política de Estado com estrutura multinível.
Junto com as professoras Paula Schommer (UDESC) e Gabriela de Brelaz (UNIFESP), acompanhei um encontro extraoficial com pessoas que têm feito iniciativas como essas acontecerem em seus países. Compartilhamos um pouco do movimento para a criação da Rede Brasileira de Governo Aberto em que estamos envolvidas por aqui, que pretende extrapolar os limites da parceria e ampliar conexões e que, diferente das demais, vem nascendo de baixo para cima, puxada muito fortemente por atores trabalhando com essa agenda em nível local no país.
Hoje, o Brasil tem quatro governos subnacionais no Programa Local da OGP. O estado de Santa Catarina e as cidades de São Paulo (SP), Osasco (SP) e Contagem (MG). Todos estiveram representados no Summit, além da CGU e algumas das organizações da sociedade civil envolvidas no nível federal.
Passado o evento, o que fica?
Apesar de estar envolvida com governo aberto há quase 10 anos e trabalhando diretamente nessa agenda desde 2018, essa foi a primeira vez que tive a oportunidade de estar em um evento dessa magnitude.
Por um lado, é estimulante estar em contato com pessoas e iniciativas tão diversas, ver como há caminhos sendo traçados de forma diferente para chegar aos mesmos objetivos que temos. A potência de experiências subnacionais mostram como o trabalho em nível local, mais próximo das pessoas, é central para o avanço da agenda. Por outro, é preocupante como ainda precisamos avançar no diálogo com grupos mais amplos e diversos da sociedade civil e dentro dos governos e com outras plataformas de políticas públicas e de construção colaborativa. A sustentabilidade de iniciativas, para que sobrevivam aos ciclos de governo e a momentos de crise, é um desafio posto.
Da Estônia, ficam as conexões construídas ali, as histórias compartilhadas, as ideias que se tornam sementes para (re)pensarmos iniciativas e uma certeza: não há caminhos para o fortalecimento da democracia e o aprimoramento das políticas e serviços públicos senão por governos mais abertos e pela colaboração e construção conjunta com a sociedade.
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