Advocacy e Pesquisa

OKBR marca presença no OGP Global Summit 2023 na Estônia: saiba como foi

18 set de 2023, por

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Além da cúpula global da Parceria de Governo Aberto, o país recebeu vários eventos paralelos, um deles puxado pela Open Knowledge Foundation;  a coordenadora de Advocacy e Pesquisa, Danielle Bello, esteve lá e conta como foi

Qual a tecnologia que queremos para nossos governos? Como usá-la para torná-los mais transparentes, em vez de serem instrumentos de maior opacidade? Foi com essas questões que comecei uma semana agitadíssima de discussões sobre a abertura de governos em Tallinn, capital da Estônia.

Não foi por acaso que o país foi escolhido como sede da 8ª edição do Global Summit da Parceria de Governo Aberto, a OGP (da sigla em inglês para Open Government Partnership), ocorrida em 6 e 7 de setembro. A Estônia é reconhecida como líder em governo digital (já há anos) e tem reformas voltadas à transparência e à colaboração com cidadãs e cidadãos destacadas pela OGP.  Participei do evento, representando a Open Knowledge Brasil (OKBR),  a convite da própria OGP, por sermos parte do GT da Sociedade Civil responsável por acompanhar o 6º Plano de Ação Brasileiro para Governo Aberto.

Em paralelo à programação intensa do Summit, uma diversidade de eventos aconteceu. O primeiro deles, e também a minha primeira parada por lá, foi um encontro realizado pela Open Knowledge Foundation (OKF), em parceria com os capítulos da Open Knowledge da Finlândia e da Estônia. Começamos com uma apresentação impactante da jornalista investigativa Stefania Maurizi, que vem trabalhando desde o início no caso WikiLeaks. Com uma panorama sobre leis de acesso à informação em vários países, ela deu uma aula de litigância estratégica a partir de pedidos de acesso. “Não há democracia quando jornalistas e cidadãos não podem saber e, às vezes, a informação é questão de vida ou morte”, disse Maurizi.

O painel seguinte, que tive a enorme responsabilidade de comentar, contou com um time de peso: além de Sara Petti e Patricio Del Boca, da OKF, estavam Natalia Carfi (Open Data Charter), Kateryna Borysenko (East Europe Foundation) e Mel Flanagan (Nook Studios). O fio condutor e também mensagem final de todo o debate em torno da importância da abertura como princípio e dos desafios colocados por novas tecnologias foi o da colaboração. Construir pontes entre diferentes atores  de governos e de setores variados da sociedade, nacional e internacionalmente, é a chave para criar consciência, engajamento e as soluções necessárias.

Sara, Natalia, Patricio, Mel e Kateryna conversam, enquanto aguardo, mais ao fundo, minha vez de falar. Créditos: Jaana Süld (essa e mais fotos aqui).

Depois, apresentei o Querido Diário em uma das “mesas temáticas de almoço”, apontando especialmente o contexto político-administrativo brasileiro, as barreiras no acesso à informação que temos, principalmente em nível local, e os atuais desafios técnicos do projeto. É muito bacana perceber como o Querido Diário causa admiração, entusiasmo e reconhecimento mesmo além das nossas fronteiras.

A Sara (OKF) fez um relato completo sobre esse dia produtivo neste post no blog da OKF.

OGP Camp

No dia seguinte, a programação oficial da OGP foi aberta. O OGP Camp foi um evento menor, com alguns convidados entre representações da sociedade civil e pontos de contato governamentais envolvidos na cocriação de planos de ação em governo aberto em todo o mundo. Além do claro incentivo à troca de experiências e construção de redes, essa edição também teve como objetivo apresentar e discutir a nova estratégia da parceria, coconstruída ao longo de 2022 e que estará vigente pelos próximos cinco anos.

A OGP parece ter finalmente compreendido que o governo aberto acontece para muito além dos planos de ação, contrapartida assumida pelos membros da Parceria para fazer parte dela. E que esses processos, por vezes, tornam-se engessados, limitando realizações maiores, já que os esforços ficam muito concentrados no ciclo dos planos e seu rígido cronograma. É preciso ir mais adiante. Além de maior flexibilidade para os ciclos, a Parceria também elegeu 10 temas prioritários, criando um novo espaço para construção, debate e disseminação de iniciativas. A mensagem de que é necessário “subir a régua” em ações visando reformas reais ficou evidente já na plenária de abertura e que isso só será possível se a sociedade civil for ouvida. Entre os temas prioritários estão Clima e Meio Ambiente, Governança Digital e Espaço Cívico.

Mais de 250 pessoas de todo o mundo participaram da 1ª edição do OGP Camp. (Créditos da imagem: OGP).

O grupo de discussão do qual participei. Entre os países nessa roda estão Jamaica, França, Geórgia, Gana, Irlanda e Estados Unidos — além do Brasil, claro. (Créditos da imagem: OGP).

Falando em espaço cívico, esse é definitivamente um pressuposto inegociável para que o governo aberto, de fato, aconteça. Como pontuou a copresidente do Comitê Diretor da OGP pela sociedade civil no último biênio, Anabel Cruz, na plenária de abertura, “Se o espaço cívico não for aberto, a sociedade civil não poderá desempenhar seu papel, portanto não haverá governo aberto. Temos que incorporá-lo em tudo o que fazemos, ele precisa ser transversal”. 

Além de ponto recorrente em diversas falas, é também ponto de atenção: de acordo com a própria OGP, o espaço cívico na maior parte dos países membros da Parceria não está plenamente garantido. Talvez seja também um sinal de que a abordagem mais holística para iniciativas de abertura, para além de planos de ação, é urgente.

Destaques da programação

Foram dois dias de Summit, com uma agenda carregada de atividades (em geral, simultâneas, uma pena!). Para destacar algumas, no tema de tecnologias, algoritmos e accountability, teve um debate quente focado em regulação e um painel centrado em  transparência e governança participativa, enquanto a proteção de defensores ambientais e seu papel importante para o enfrentamento de crises climáticas foi tema de outra sessão, em que o Acordo de Escazú foi discutido. Teve ainda a jornalista vencedora do Nobel da Paz, Maria Ressa, em vários momentos da programação pautando capitalismo de vigilância, o poder das big techs na atualidade e assimetrias no acesso à informação e na proteção da privacidade entre atores privados e a população em geral.

Uma das minhas favoritas foi uma conversa sobre estratégias para levar o governo aberto ao mainstream, tanto para um público mais amplo da população, como nas estruturas internas dos governos, buscando mudanças culturais e sistêmicas. Entre as iniciativas, um índice que mede a transparência de parlamentos africanos e um programa (que veio da plateia!) que, entre outras coisas, faz parcerias com universidades para trabalhar acesso à informação e ciência de dados com comunidades locais. Ambas lembram coisas incríveis que temos feito por aqui na OKBR, como o Índice de Transparência da Covid-19, o Querido Diário nas Universidades e tudo que rola na nossa Escola de Dados.

Além de espectadora, também tive o prazer de ser painelista. Participei de uma conversa incrível sobre os papéis de liderança que exercemos em processos de reforma via governo aberto. Pude compartilhar algumas experiências pessoais e ouvir histórias inspiradoras de colegas batalhando também há anos por mais transparência, participação e responsabilização na Austrália, África do Sul, Quênia, Reino Unido e Chile. Falamos sobre a importância de construir confiança entre os diferentes atores participando desses processos para fazê-los avançar; sobre o valor da empatia e da escuta mútua; sobre agir estrategicamente, entendendo que na maior parte do tempo as mudanças serão pequenas e graduais, mas que às vezes haverá janelas de oportunidade para mudanças estruturais, o que exige ação rápida; sobre como nossa atuação deve ser adequada aos contextos em que estamos e o alinhamento de expectativas por todas as partes é crucial; e sobre como nossas experiências ora como governo, ora como sociedade civil nos tornaram mais capazes de compreender as limitações e as demandas de ambos os lados, sendo figuras importantes para a construção de pontes de diálogo e colaboração.

Falando no painel Examining Leadership, Roles, and Relationships in Advancing Open Government, ao lado de Saffron Zomer (Australian Democracy Network), Mukelani Dimba (South Africa Information Regulator), Caroline Gaita (Mzalendo Trust), Francis Maude (FMA) e Vlado Mirosevic (Câmara dos Deputados do Chile). Fonte: OGP.

Em paralelo à agenda oficial,  aproveitamos a presença da Controladoria-Geral da União (CGU) e de membros do GT da Sociedade Civil para uma reunião sobre o 6º Plano Brasileiro para Governo Aberto com a consultora de apoio às Américas da OGP, Carolina Cornejo. Estiveram presentes o diretor de transparência e governo aberto, Otávio Neves, e a coordenadora-geral de promoção de governo aberto, Raquel Pereira, pela CGU, além de mim (OKBR) e a professora Paula Schommer (Grupo de Pesquisa Politeia – Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC) pela sociedade civil. Além de atualizar o andamento da cocriação, tivemos uma conversa franca sobre os desafios e problemas que temos enfrentado ao longo do processo, como prazos curtos e cronograma que prejudicam a capacidade e a qualidade da participação da sociedade civil e a transparência precária em relação a decisões e processos internos.

A vez é dos governos locais

Uma mensagem clara desse Summit é a proeminência de governos subnacionais em processos de abertura. Pela primeira vez, realizou-se uma Assembleia do Programa Local da OGP (que foi gravada e pode ser assistida aqui), permitindo o diálogo direto entre todos os membros.

Há muita coisa interessante acontecendo por aí. Por exemplo, o Marrocos criou recentemente um programa, com uma rede com mais de 60 membros, para promover localmente  princípios e iniciativas de governo aberto, incentivar trocas e construir capacidades para reformas. A Argentina está entrando no segundo ciclo do programa federal de capacitação e fomento a práticas locais e que, nesta edição apoiará 70 iniciativas a partir de uma perspectiva de Estado aberto. A Espanha agregou em seu Plano de Ação Nacional a realização de mais de 50 iniciativas subnacionais, construindo uma política de Estado com estrutura multinível.

Junto com as professoras Paula Schommer (UDESC) e Gabriela de Brelaz (UNIFESP), acompanhei um encontro extraoficial com pessoas que têm feito iniciativas como essas acontecerem em seus países. Compartilhamos um pouco do movimento para a criação da Rede Brasileira de Governo Aberto em que estamos envolvidas por aqui, que pretende extrapolar os limites da parceria e ampliar conexões e que, diferente das demais, vem nascendo de baixo para cima, puxada muito fortemente por atores trabalhando com essa agenda em nível local no país.

Representantes da OGP e de governos e da sociedade civil de México, Espanha, Marrocos, Colômbia, Filipinas e Brasil. Fonte: foto própria.

Hoje, o Brasil tem quatro governos subnacionais no Programa Local da OGP. O estado de Santa Catarina e as cidades de São Paulo (SP), Osasco (SP) e Contagem (MG). Todos estiveram representados no Summit, além da CGU e algumas das organizações da sociedade civil envolvidas no nível federal.

Delegação brasileira no OGP Global Summit 2023. Fonte: foto própria.

Passado o evento, o que fica?

Apesar de estar envolvida com governo aberto há quase 10 anos e trabalhando diretamente nessa agenda desde 2018, essa foi a primeira vez que tive a oportunidade de estar em um evento dessa magnitude. 

Por um lado, é estimulante estar em contato com pessoas e iniciativas tão diversas, ver como há caminhos sendo traçados de forma diferente para chegar aos mesmos objetivos que temos.  A potência de experiências subnacionais mostram como o trabalho em nível local, mais próximo das pessoas, é central para o avanço da agenda. Por outro, é preocupante como ainda precisamos avançar no diálogo com grupos mais amplos e diversos da sociedade civil e dentro dos governos e com outras plataformas de políticas públicas e de construção colaborativa. A sustentabilidade de iniciativas, para que sobrevivam aos ciclos de governo e a momentos de crise, é um desafio posto. 

Da Estônia, ficam as conexões construídas ali, as histórias compartilhadas, as ideias que se tornam sementes para (re)pensarmos iniciativas e uma certeza: não há caminhos para o fortalecimento da democracia e o aprimoramento das políticas e serviços públicos senão por governos mais abertos e pela colaboração e construção conjunta com a sociedade.

Parte das mais de 2 mil pessoas que participaram do OGP Global Summit 2023. Fonte: OGP.

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