As organizações e pessoas abaixo se manifestam contrárias ao Decreto 9.690/2019, publicado no Diário Oficial da União nesta quinta-feira, 24 de janeiro. O decreto altera regras de aplicação da Lei de Acesso à Informação (LAI) no Executivo federal determinadas no Decreto 7.724/2012, ampliando o grupo de agentes públicos autorizados a colocar informações públicas nos mais altos graus de sigilo: ultrassecreto (25 anos, renováveis por mais 25) e secreto (15 anos).
Antes, apenas o presidente, seu vice e ministros, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas e consulares podiam classificar informações como ultrassecretas. E apenas eles e os titulares de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista estavam autorizados a colocar informações no grau secreto. Essas autoridades não podiam delegar a outros agentes públicos a tarefa de aplicar esse sigilo, segundo o §1º do Art. 30 do Decreto 7.724/2012.
Com o novo decreto, as autoridades podem passar a tarefa de classificação de documentos em graus ultrassecreto e secreto a servidores ocupantes de cargos em comissão do Grupo DAS de nível 101.6 ou superior e do Grupo DAS de nível 101.5 ou superior. De acordo com o Painel Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, em dezembro de 2018 havia 1.292 pessoas nesses cargos.
As mudanças colocam em grave risco o espírito da LAI de atribuir ao sigilo um caráter excepcional e de aumentar o controle e o custo político da classificação sigilosa. Ampliar o grupo de autoridades competentes para aplicar sigilo abre espaço para que o volume de informações classificadas como secretas e ultrassecretas aumente. O monitoramento da classificação dessas informações, consequentemente, é dificultado.
Associado a isso, amplia-se a possibilidade de arbitrariedade nos critérios para o que constitui motivo para sigilo. Não há hoje regulamentação clara sobre o que constitui risco à sociedade ou ao Estado que justifique adoção de sigilo, por exemplo, ou regras para determinar quando de fato é necessária a utilização dos graus máximos de sigilo. Ampliar essa decisão para os escalões mais baixos tende a gerar um comportamento conservador do agente público, reduzindo a transparência, e variação nos critérios utilizados na administração pública.
Há que se considerar ainda que, por medo de represálias e por estarem subordinados aos agentes políticos, os servidores públicos que receberem essas atribuições poderão atuar de modo reativo e classificar um maior número de informações como sigilosas para evitar a abertura e exposição do governo.
Além disso, a medida, assinada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, não foi debatida com a sociedade civil e sequer esteve na pauta da mais recente reunião do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção da CGU, realizada em 12 de dezembro de 2018 e presidida pelo atual ministro da CGU. Ainda, fato sintomático da falta de debate acerca deste decreto, apenas dois representantes do Executivo o assinaram, ao contrário dos dezesseis representantes que o fizeram na promulgação do decreto alterado (nº 7.724/2012). No limite, isso sinaliza um afastamento da administração das políticas de promoção de transparência e combate à corrupção.
Pelos motivos expostos e em defesa do direito de acesso à informação, solicitamos a revogação deste decreto.
Assinam esta carta:
- Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
- Associação Contas Abertas
- AEPPSP – Associação dos Especialistas em Politicas Públicas do Estado de São Paulo
- AMASA – Amigos Associados de Analândia- SP
- ARTIGO 19
- Brasil.io
- Bússola Eleitoral
- Ciclocidade
- Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo
- Conectas Direitos Humanos
- Congresso em Foco
- Conselho dos Assentamentos Sustentáveis da América Latina – CASA Brasil
- Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH)
- INCITI – Pesquisa e Inovação para as Cidades
- INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos
- Instituto de Governo Aberto
- Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
- Instituto Não Aceito Corrupção
- Instituto Nossa Ilhéus
- Instituto Soma Brasil
- Instituto Centro de Vida
- IP.Rec – Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife
- Lagom Data
- Movimento Cultural das Periferias
- Movimento Mães Unidas – MS
- Movimento Popular de Saúde – São Paulo
- Observatório Social de Brasília
- Open Knowledge Brasil
- Pernambuco Transparente
- Programa Cidades Sustentáveis
- Rede Nossa São Paulo
- Rede pela Transparência e Participação Social – RETPS
- Rede Ver a Cidade Três Lagoas
- Transparência Brasil
- UCB – União dos Ciclistas do Brasil
- Wiki Movimento Brasil
- Gregory Michener – Professor da Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (EBAPE-FGV) e Diretor do Programa de Transparência Pública
- Irene Niskier – Coordenadora do Programa de Transparência Pública da Fundação Getulio Vargas (PTP-FGV)
- Marcus Vinicius de Jesus Bomfim – Professor do Curso de Relações Públicas da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado – FECAP
- Maria do Socorro Mendonça – Diretora Presidente do Instituto Nossa Ilhéus
- Gabriel Siqueira – Gestor de conflitos e sustentabilidade no Irradiando Luz, pesquisador do Núcleo ORD (UFSC)
- Gustavo Sousa – Educador, empresário, diretor do Yázigi Ruy Carneiro (João Pessoa-PB)
- Zuleica Goulart – Coordenadora de Mobilização do Programa Cidades Sustentáveis
- Karine Oliveira – Coordenadora do Instituto Soma Brasil