Órgão se reuniu com organizações para tratar da publicação de microdados no contexto da LGPD, mas não convidou entidades dos campos da transparência e dos direitos digitais, nem publicizou materiais sobre a discussão
No último 4 de dezembro, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) realizou uma reunião em sua sede para discutir a publicação de microdados no contexto da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O encontro, no entanto, foi restrito a apenas algumas organizações que atuam com Educação, entre elas o Todos Pela Educação, o Itaú Educação e Trabalho e a Fundação Lemann. Nenhuma organização da sociedade civil do campo da transparência e dos direitos digitais foi convidada a participar.
De acordo com o Inep, em ofício enviado às entidades convidadas, o objetivo do encontro foi discutir uma proposta de diretrizes para a publicação de microdados educacionais e ouvir “diferentes demandas” para “garantir a transparência do processo”. Controversamente, entidades que vinham buscando dialogar e promover o debate público sobre o tema desde o início das mudanças ocorridas na forma de divulgação dos dados não foram convidadas.
Em fevereiro de 2022, o Inep tirou do ar toda a série histórica de bases de dados do Censo da Educação Básica e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Alegando adequação à LGPD, o órgão publicou novas bases em formato excessivamente simplificado e agregado, que descaracterizaram o formato de microdados e inviabilizaram alguns tipos de análise, como cruzamentos entre raça/cor, sexo e idade. A medida foi criticada por uma série de entidades, incluindo o campo educacional e científico, da transparência e órgãos como a Defensoria Pública da União.
Além de questionar o formato de publicação, as organizações também ressaltaram problemas na condução do processo de mudança, que não ocorreu de forma dialogada. A sociedade só tomou conhecimento das alterações após a sua efetivação, e o Inep só veio a público para justificá-las após a grande repercussão negativa. Organizações como a Open Knowledge Brasil (OKBR), a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa e a Associação de Jornalistas da Educação (Jeduca) promoveram iniciativas de diálogo:
- Saiba mais sobre o workshop sobre metodologias de avaliação para publicação de dados realizado pela OKBR e Data Privacy;
- Veja como foram os webinários para debate sobre alternativas para a divulgação dos organizados pela Jeduca.
Recentemente, a Comissão de Educação do Senado realizou uma audiência pública para ouvir diferentes setores da sociedade civil sobre o tema. Além da OKBR e da Data Privacy, também estiveram presentes a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e o Laboratório de Dados Educacionais da Universidade Federal do Paraná — ambas críticas ao novo modelo adotado pelo Inep e que também não foram convidadas pelo órgão para estar na reunião de dezembro.
Em resposta a um pedido de informação feito pela OKBR sobre a reunião, o Inep indicou que foram convidadas instituições e pessoas com quem já havia iniciado diálogo sobre o tema. O órgão informou que não foi elaborada ata, sob o argumento de que “A reunião ocorreu em forma de discussões, e não foi uma reunião deliberativa e com tomada de decisão”.
Veja a lista completa de participantes da reunião realizada em 4/12/23 fornecida pelo Inep.
Questionado se a reunião faz parte de um plano mais amplo de escuta à sociedade civil interessada, o Inep também informou que “vem buscando ampliar suas ações de comunicação com todos os interessados, tanto da esfera pública quanto privada, a fim de amadurecer as propostas hoje existentes e buscar soluções conjuntas”. Afirmou, porém, que não há novas datas definidas para novos encontros, “mas eles deverão ocorrer a partir de 2024”.
Dificuldades de diálogo
Desde o início da nova gestão federal, o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, coalizão que reúne mais de 30 representantes da sociedade civil dedicados ao monitoramento da Lei de Acesso à Informação e da qual a OKBR faz parte, vem tentando abrir diálogo com o Ministério da Educação e o Inep sem sucesso. Ofícios enviados aos órgãos solicitando agenda para debater o tema nunca foram respondidos.
Ao tomar conhecimento da reunião de dezembro, o Fórum tentou participar, enviando uma representante à sede do Inep, a diretora-executiva da Fiquem Sabendo, Maria Vitória Ramos. Ela foi impedida de participar do encontro mesmo como ouvinte, sem justificativa. O Fórum encaminhou (15/12/23) um ofício aos órgãos, questionando sobre a participação da sociedade civil e solicitando ampliação do debate sobre a metodologia de divulgação dos dados educacionais do Brasil. Em resposta, o Inep apenas reafirmou as mesmas informações enviadas anteriormente à OKBR, sem mencionar o ocorrido.