Os cinco eventos de lançamento do estudo permitiram discutir dados abertos em diferentes contextos: da gestão de informação durante uma crise climática à elaboração de políticas públicas com equidade
De 4 de junho a 3 de julho de 2024, a Open Knowledge Brasil (OKBR) realizou o ciclo de lançamento dos resultados do Índice de Dados Abertos para Cidades (ODI Cidades) 2023 abrangendo as cinco regiões brasileiras.
Com apoio do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e de diferentes parceiros em cada local, os eventos ocorreram nas cidades de São Paulo (SP), Recife (PE), Belém (PA) e Cuiabá (MT). A sessão que ocorreria em Porto Alegre (RS) foi realizada online devido ao desastre socioambiental que afetou o Rio Grande do Sul em maio de 2024. Ao todo, 420 pessoas participaram dos lançamentos.
Ao longo da trilha, a coordenadora de Advocacy e Pesquisa da OKBR, Danielle Bello, apresentou detalhes do estudo que avaliou a qualidade e a disponibilidade dos dados abertos nas 26 capitais brasileiras. Construída a partir do Global Open Data Index da Open Knowledge Foundation e de duas edições locais anteriores, a metodologia foi reformulada para adequação ao contexto das cidades e ao modelo federativo brasileiro.
Com isso, foram avaliados cerca de 2,9 mil conjuntos de dados em 14 grandes áreas de políticas públicas, como Saúde, Educação, Finanças Públicas, Meio Ambiente e Infraestrutura Urbana, além de uma dimensão dedicada à Governança de Dados, que analisou estruturalmente as políticas de dados abertos das prefeituras.
Também foram apresentados os principais resultados do estudo, que formam um mapa inédito do estado da abertura de dados em nível municipal no país, com destaques sobre as cidades conforme a região em que os lançamentos ocorriam, de forma a traduzir mais localmente os achados — positivos e negativos — das capitais brasileiras.
Com a presença de diferentes palestrantes, sempre conectados às localidades de cada um dos cinco eventos, foi possível pautar o tema da abertura de dados e as políticas públicas em nível local.
Apesar de aspectos diversos terem se sobressaído em cada lançamento, a leitura de que a indisponibilidade de dados tem um impacto concreto na vida das pessoas foi um consenso.
“A indisponibilidade afeta todo o ciclo da política pública, da sua entrada na agenda dos governos à avaliação, impondo barreiras a uma discussão mais qualificada das ações governamentais. Isso se torna ainda mais crítico em meio a propostas e discussões eleitorais. A ausência também significa a invisibilização dos problemas e das pessoas. Se não existem dados, esses problemas e essas pessoas ‘não existem’”, declarou Danielle.
Clique nos títulos para ler os destaques dos debates em cada região:
• Lançamento Sudeste: 4 de junho, em São Paulo (SP)
Mesa de debate: Aline Ós (Señoritas Courier), Bianca Tavolari (Cebrap/FGV), Harmi Takiya (Observatório de Políticas Públicas/TCM-SP), Thalita Abdala (CGM-SP) e Danielle Bello (OKBR). Mediação de Milena Coimbra (OKBR).
Foi na capital paulista que os resultados do estudo foram apresentados pela primeira vez, e o ineditismo do ODI Cidades 2023 ficou evidente nas falas das cinco debatedoras convidadas para analisar e comentar o Índice.
Elas apontaram como a abertura de dados é crucial para a elaboração e a compreensão de políticas públicas, e como a falta deles dificulta a formulação de políticas eficazes e responsivas. “A metodologia [do Índice] apresenta um caminho mais seguro a ser seguido na hora de abrir dados”, afirmou Thalita Abdala, corregedora e chefe de gabinete da Controladoria Geral do município.
A ciclo entregadora e cicloativista Aline Ós levantou questões sobre a gestão e o acesso aos dados, muitas vezes centralizados por empresas em infraestruturas proprietárias, mas indisponíveis à sociedade, trazendo como exemplo os dados sobre pessoas trabalhadoras de plataformas. “Você não consegue saber quantos entregadores ou motoristas têm, quantos quilômetros por dia essas pessoas pedalam, dirigem seus carros, pilotam suas motos. Você não consegue saber quantas dessas pessoas morrem durante suas atividades de trabalho”, pontuou. Isso, segundo as debatedoras, se reflete na ausência de políticas voltadas ao tema.
“Dado é poder. Muitas escolhas são feitas para um número virar um dado, e isso deve fazer parte do debate. Ou seja, precisamos ter acesso não apenas à informação já pronta, mas às suas condições de produção e às suas possibilidades de aplicação, de forma que possa ser empregada, discutida, colocada de acordo com as nossas intenções”, disse Bianca Tavolari, doutora e mestre em Direito pela Faculdade de Direito da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).
Ela ainda deu exemplo da importância de se olhar para a questão do acesso e da linguagem utilizada, o que costuma ser negligenciado, além de falhas no formato dos dados – como o uso de mapas em PDF na discussão do planejamento urbano territorial de São Paulo.
De olho nas eleições
Harmi Takiya, geóloga coordenadora adjunta do Observatório de Políticas Públicas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM/SP), destacou como esse empoderamento fornecido pelos dados deve ser apropriado pela população, garantindo assim a participação mais efetiva da sociedade no controle da administração pública. “A abertura de dados permite maior controle social, além de permitir que os cidadãos fiscalizem e proponham políticas públicas”, explicou.
Considerando que a disponibilidade de dados faz parte da transparência na gestão pública e promove uma interação entre sociedade e governo, o estudo ganha ainda um destaque maior no contexto eleitoral de 2024.
“Quando falamos sobre acesso à informação, estamos falando sobre garantia de direitos. Porque, tendo informação, as pessoas conseguem entender os direitos que elas têm, os direitos alijados, quais serviços ela não está acessando. Só conseguimos olhar e descobrir algumas questões – sejam elas de equívocos, sejam relacionadas à corrupção – quando nos debruçamos sobre os dados”, afirmou Danielle.
Veja o lançamento completo abaixo, que aconteceu na Escola Superior de Gestão e Contas Públicas do TCM/SP:
• Lançamento Nordeste: 11 de junho, em Recife (PE)
Mesa de debate: Hallana de Carvalho (UFPE), Terine Coelho (Instituto Fogo Cruzado), Rodrigo Brayner (CGM-Recife) e Danielle Bello (OKBR). Mediação de Luiz Augusto Morais (UFPE).
Em Recife, foi o Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que recebeu o evento para discutir os resultados da região Nordeste, com a participação de pessoas da gestão pública, da academia e da sociedade civil na mesa de debate e na plateia. Em todas as falas, foi reforçada a centralidade dos dados abertos para o aprimoramento das políticas públicas e da atuação da sociedade nesse processo.
Rodrigo Brayner, secretário-executivo de Auditoria, Correição e Controle Social do Recife, abriu destacando a relevância de avaliações como o ODI Cidades para o avanço da abertura de dados públicos. “O Índice de Dados Abertos para Cidades é uma bússola para que as prefeituras atuem e elaborem políticas e cidades melhores”, disse. Ele também ressaltou o papel da colaboração com a sociedade civil para isso.
Terine Coelho, coordenadora de pesquisa no Instituto Fogo Cruzado, explorou esse aspecto. “O governo já faz muita coisa, nós sabemos. Com frequência, a avaliação das políticas públicas acaba não acontecendo e é aqui que a sociedade civil entra. Dados abertos são fundamentais para a construção das políticas e permitem que as analisemos e possamos criticá-las de forma construtiva”, explicou. A pesquisadora ainda falou sobre como pessoas e organizações atuam nas lacunas de informação deixadas pela gestão pública a partir da geração cidadã de dados.
Uma característica do ODI Cidades 2023 destacada no diálogo foi a linguagem utilizada em sua metodologia e no relatório de resultados. “Uma das coisas mais importantes sobre o Índice é o fato de ser acessível. Qualquer pessoa pode ler e compreendê-lo”, afirmou Hallana de Carvalho, doutoranda em Sociologia pela UFPE. A pesquisadora também ressaltou que discutir o detalhamento dos dados, com recortes territoriais, raciais e por gênero, por exemplo, como o estudo faz, é base para avançar na luta contra desigualdades.
“O Índice é, sem dúvidas, um guia com o caminho a ser seguido pelas prefeituras”, avaliou Luiz Augusto Morais, professor da casa e pesquisador na área de visualização de dados que moderou a mesa.
• Lançamento Sul: 18 de junho, em Porto Alegre (RS) (online)
Mesa de debate: Cybeli Almeida (Unisinos), Taís Motta (Unisinos), Taís Seibt (Unisinos) e Danielle Bello (OKBR). Mediação de Haydée Svab (OKBR).
As consequências das chuvas intensas e a forma como as cidades gaúchas estavam lidando com a calamidade climática que atingiu o Rio Grande do Sul em maio e junho pautaram grande parte do debate.
Já na abertura, Haydée Svab, da direção executiva da OKBR, destacou a importância da abertura de dados no atual cenário de mudanças climáticas e emergência socioambiental. “A transparência e a abertura de dados é um dos vários caminhos que precisamos trilhar tanto no sentido de construir cidades mais resilientes e sustentáveis, quanto no sentido de fortalecer o controle social e a democracia”, disse.
Professoras da Unisinos, parceira da OKBR no evento, Cybeli Almeida e Taís Motta chamaram atenção para a necessidade de uma comunicação mais assertiva e de uma melhor gestão da informação e de dados, que ficou evidente durante a organização de abrigos, a alocação da população atingida pela catástrofe, o controle de doações e a gestão das pessoas voluntárias.
Dados abertos para combater desinformação
Enquanto a situação mostrou a relevância da geração cidadã de dados e de ter informações rápidas e precisas sobre o que está acontecendo, a calamidade no Rio Grande do Sul também evidenciou o perigo da desinformação e como ela se propaga em momentos de crise.
Daí a urgência de garantir formatos e linguagem acessíveis e checagem da informação – serviço este que serviu de base para a criação do Verifica RS, projeto de fact-checking criado por jornalistas gaúchas com apoio da Afonte Jornalismo de Dados e do curso de Jornalismo da Unisinos.
“A falta de transparência favorece a desinformação e dificulta o nosso trabalho porque não temos os dados necessários para fazer essa checagem”, explicou Taís Seibt, também professora da Unisinos, embaixadora de Inovação Cívica da OKBR e uma das coordenadoras do projeto.
Fazendo referência a uma das principais novidades desta edição do ODI Cidades – a dimensão de Governança de Dados, que avalia as políticas de dados abertos das cidades de forma estrutural –, Danielle Bello ressaltou como uma política estruturada de dados abertos pode ajudar nessa empreitada:
“Tendo uma estrutura de governança já estabelecida, que indica quem são os responsáveis pelo ciclo de vida dos dados, da sua produção à sua divulgação, conseguimos responder muito mais rápido à demanda por informação para organizar ações públicas de combate ao que está acontecendo”.
Assista todo o debate abaixo:
• Lançamento Norte: 27 de junho, em Belém (PA)
Mesa de debate: Renata Ávila (OKF), Ediane Lima (Observatório do Marajó) e Danielle Bello (OKBR)
Em Belém, o evento aconteceu durante a 3a edição da Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais na Amazônia (Coda Amazônia).
Como não pode estar presente por questões de saúde, Renata Ávila, CEO da Open Knowledge Foundation, fez suas contribuições por vídeo gravado, explicando sobre as ações e os objetivos da organização e dando ênfase na criação do Global Open Data Index, que inspirou o ODI Cidades 2023 e foi o principal produto da OKF entre 2013 e 2017.
“O Global Open Data Index permitia, com uma tecnologia muito simples, ver quais governos estavam realmente publicando dados e se eles tinham qualidade. Era uma ferramenta fácil para incentivar os governantes a adotarem políticas de dados abertos, criando competitividade entre eles, porque existia um processo e um guia que os ajudavam a melhorar seu ranking”, explicou.
Monitorar políticas públicas e dar devolutivas
Ediane Lima, gestora de projetos do Observatório do Marajó, elogiou o estudo e enfatizou como dados são importantes para a efetivação e a fiscalização de políticas públicas na ponta. “Será que as populações que realmente necessitam estão tendo acesso às políticas públicas? Por isso, informação é uma das ferramentas principais na busca por direitos e no processo de incidência política, não importa em qual território estejamos”, disse. “Se for possível fazer recortes raciais, por renda, então teremos um cenário melhor de como as políticas estão sendo efetivadas e se estão chegando a quem realmente necessita, para quem foram construídas e pensadas.”
Ela também apontou semelhanças entre o processo de realização e a lógica de avaliação do ODI Cidades 2023 e o Índice de Transparência e Governança Pública (ITGP) do Marajó, realizado desde 2022 pelo Observatório do Marajó com apoio técnico e metodologia da Transparência Internacional – Brasil. A rotatividade de servidores públicos e seu impacto na construção de diálogo com as equipes dos municípios e a importância de dar devolutiva para as prefeituras são algumas das confluências observadas entre os dois estudos.
“Na sua metodologia, o Índice já é um caminho a ser seguido, pois ali encontram-se as diretrizes básicas para quem quer começar. Outra forma que encontramos de dar um passo além e indicar bons modelos foi destacar boas práticas de abertura e publicação de dados que encontramos ao longo do estudo. São as chamadas bases estreladas”, explicou Danielle.
Saiba mais sobre esse lançamento na documentação do Coda Amazônia 2024
• Lançamento Centro-Oeste: 03 de julho, em Cuiabá (MT)
Mesa de debate: Milienne Paixão (Wiki Movimento Brasil), Karen Ribeiro (IC-UFMT) e Danielle Bello (OKBR). Mediação de Ana Lara Casagrande (UFMT).
Para encerrar o ciclo de eventos, o lançamento em Cuiabá contou com uma plateia bastante participativa e repleta de representantes do setor público no Instituto de Computação da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).
No debate, destacaram-se questões relacionadas às ausências de dados e como elas afetam políticas públicas concretas e a geração e democratização do conhecimento. “Os resultados do Índice apenas confirmam a sensação que nós, que trabalhamos com pesquisa, temos ao buscar dados públicos em nível municipal: um verdadeiro deserto”, disse Ana Lara Casagrande, professora do Instituto de Educação da UFMT e mediadora da mesa.
Milienne Paixão, analista de projetos na Wiki Movimento Brasil, apontou que a falta de transparência e a inexistência de dados afetam diretamente o saber sobre os locais, as pessoas e suas culturas. “Dados abertos permitem, por exemplo, que os artigos da Wikipédia sejam atualizados com informações mais precisas, com base em fontes confiáveis, alimentando essa memória. São também muito importantes no combate à desinformação”, explicou.
Olhar para as desigualdades
Karen Ribeiro, professora e pesquisadora da casa e consultora no projeto ELLAS – Equality in Leadership for Latin America STEM, abordou o papel da sociedade civil na produção e análise de dados, também enfatizando os prejuízos da indisponibilidade de informações. “Dados em formato aberto e completos são necessários para identificar e discutir os fatores que influenciam que determinados grupos da sociedade acessem ou não certos espaços, e pensar políticas que possibilitem esse acesso”, pontuou.
“Precisamos de informações sobre gênero, raça/cor, a existência ou não de deficiências, a dimensão territorial, porque elas mostram quem está de fato acessando as políticas e serviços públicos e quem não está”, afirmou Danielle, explicando que o ODI Cidades 2023 buscou cobrar e incentivar a inclusão de variáveis como essas nos conjuntos de dados avaliados.
Ela também alertou para a importância dessa discussão nas eleições: “Quais as propostas que as pessoas candidatas têm para pensar as políticas, considerando as desigualdades presentes em nossa sociedade?”.
Questões sobre a estrutura normativa brasileira voltada à abertura de dados e os desafios dos governos em relação à infraestrutura e à proteção de dados pessoais também foram trazidas pelo público presente. Na avaliação das pessoas que participaram, uma legislação nacional específica sobre dados abertos é necessária, especialmente para resolver possíveis conflitos entre transparência e privacidade. Também apontaram que a sensibilização de agentes públicos sobre a agenda de dados abertos segue sendo um gargalo, resultando na escassez de recursos humanos, orçamentários e tecnológicos para esses fins.