Um ano de colaboração e articulação: o 2024 da OKBR

20 jan de 2025, por Haydée Svab

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Em um ano de intensos debates e transformações, o cenário de dados abertos na América Latina ganhou um novo capítulo com o América Aberta 2024. O encontro conectou diversas iniciativas, como o Coda.Br, nossa já tradicional conferência focada em jornalismo de dados. 

Além disso, a atuação do Querido Diário, que expandiu sua cobertura de diários oficiais para mais de 500 cidades, e o lançamento do Índice de Dados Abertos para Cidades (ODI Cidades) evidenciaram nossa busca constante por dados mais acessíveis e transparentes. 

A atuação da OKBR não se restringiu à produção e ao acesso aos dados, mas também se estendeu à defesa de um ambiente digital mais democrático e equitativo, posicionando-se contra retrocessos e promovendo a abertura no setor público.

 

América Aberta 2024: construindo um legado de dados abertos na América Latina

O América Aberta 2024, realizado no Instituto Serzedello Corrêa em Brasília de 3 a 6 de dezembro, foi um marco histórico ao ocorrer pela primeira vez no Brasil reunindo um ecossistema engajado na promoção da transparência, participação cidadã e inovação por meio de dados. Com o tema “Conexão sem Fronteiras”, o evento teve 4 dias de programação intensa, distribuída em 15 espaços, incluindo laboratórios, auditório, anfiteatro, sala de jogos e o nosso querido Gugu-Dadados – um espaço de recreação infantil que possibilita que pessoas responsáveis, majoritariamente mães, possam aproveitar o evento. Foi a primeira vez (esperamos que de muitas) que o América Aberta propiciou esse tipo de iniciativa. 

A edição contou com mais de 2,7 mil pessoas inscritas e cerca de 1,2 mil pessoas credenciadas de 32 países, demonstrando o grande interesse da comunidade em dados, governo, tecnologia, conhecimento abertos etc. Foram 136 atividades construídas a partir de 747 propostas/sugestões recebidas, que contaram com mais de 300 palestrantes e 14 eventos paralelos, além de um time de 200 pessoas na organização. 

A preparação do evento foi um processo complexo que envolveu o uso de uma ferramenta aberta (Pretalx), um comitê local e também parceiros internacionais, sem os quais este rico encontro não seria possível. A Comissão Organizadora Local foi integrada pela OKBR (ponto focal da sociedade civil), pela Controladoria-Geral da União (ponto focal do governo), pelo NIC.Br e pelo Colab-USP. Entre os parceiros internacionais, destacam-se OEA, ILDA, OCDE, OGP e CEPAL

Mostrou-se acertada a decisão de unir esforços de eventos de peso e construir o América Aberta em 5 trilhas (Coda.Br, Abrelatam, Condatos, Semana Dados BR e Encontro de Governo Aberto), mesclando tradição e originalidade, tornando-o o maior encontro de dados abertos da América Latina. 

A Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais, Coda.Br, marcou presença no América Aberta 2024, demonstrando a importância da convergência entre dados abertos e jornalismo, e tendo em vista o necessário fortalecimento do acesso à informação e da democracia na América Latina

Esta edição do Coda.Br foi bastante marcada pela promoção da equidade e da democracia, por exemplo, abrindo espaço para temas como feminismo de dados, jornalismo local e periférico e jornalismo investigativo ambiental. Tivemos atividades práticas focadas em técnicas de análise de dados, visualização, verificação de informações e uso de ferramentas digitais para reportagens de impacto. 

O Coda.Br continua sendo um espaço crucial para a troca de conhecimentos e o desenvolvimento de habilidades para jornalistas, pesquisadores e demais profissionais que utilizam dados em seu trabalho. Com o sucesso da última edição, a comunidade já se prepara para a 10ª edição em 2025 – aguardem!

Painel “Fortalecendo comunidades amazônicas através de tecnologias livres” realizado na trilha do Coda.Br durante o América Aberta (Créditos: Acervo América Aberta)


Um dos pilares do América Aberta é a
Abrelatam, o encontro anual da rede latino-americana de dados abertos. Com o formato inovador, pela primeira vez a agenda foi construída de forma online, possibilitando a participação de pessoas para além das que puderam comparecer presencialmente. 

Essa construção começou com a série de webinars “Construindo a Abrelatam para uma América Aberta”, promovida pela OKBR com a colaboração de diversos parceiros e parceiras. Adicionalmente, foram coletados e priorizados temas por meio de consultas online. De forma inédita, em todas as 20 sessões houve facilitação nos idiomas português e espanhol. 

E mesmo com tanta novidade, a essência da Abrelatam se manteve: as desconferências foram lugar de troca de experiências e de fortalecimento da rede. Foram debatidos temas relacionados a dados, direitos digitais, inteligência artificial, acesso à informação, dados LGBTQIA+, participação cidadã, entre outros. 

Os Espaços da Comunidade proporcionaram avançar no debate em relação à estratégia, tendo em vista a elaboração de uma agenda conjunta de dados abertos para a região. Ao final, foram traçados 4 compromissos, que podem ser vistos na íntegra neste documento, e que abordam o fortalecimento da comunidade de dados abertos, a difusão e a sensibilização para os temas relevantes para o campo e a fiscalização para evitar retrocessos e promover os avanços necessários. 

Enfim, a presença de participantes de diversos países latinos permitiu tanto (re)conhecer e respeitar nossas diferenças quanto abordar desafios comuns, como o acesso à informação, a qualidade dos dados e a criação de políticas públicas transparentes e participativas. Sem dúvida, esta Abrelatam cumpriu sua missão de articular a comunidade “datera” latino-americana.

 

Redes de colaboração e a força da comunidade

Neste último ano do programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), a OKBR passou a liderança da coalizão para a organização amazônida Casa Preta, com o entusiasmo e a certeza de que a participação no programa proporcionou muita troca e crescimento institucional a todas as organizações participantes, que também envolveu o Coletivo Puraqué, a InfoAmazonia e os coletivos PyLadies e PyData em Manaus. 

No âmbito do VAC, realizamos a terceira edição do Coda Amazônia, edição regional da Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais, articulando ainda outros atores locais para além da coalizão, como o Observatório do Marajó e a Universidade Federal do Pará (UFPA). 

O evento movimentou, em Belém/PA, o ecossistema de dados e jornalismo da região norte do país: quase 50h de atividades que correram em paralelo ao longo de 2 dias de evento e que contou com 140 pessoas, sendo 60% de estados como PA, AP, AM, RO e TO (em sua maioria mulheres a/ou pessoas negras). 

Reconhecer, dar visibilidade e proteger quem produz dados localmente, em especial nos territórios indígenas, foi um dos principais objetivos do evento. Mudanças climáticas, jornalismo de dados e ativismo ambiental se entrelaçaram num bordado tecnopolítico de jornalistas, pesquisadores/as e técnicos/as, a quem agradecemos em memória de Marina Salviati.

Consolidamos uma parceria com a Faculdade de Comunicação/UFPA e oferecemos o curso Dados 360 como uma disciplina de sua Especialização em Jornalismo de Dados, Inteligência Artificial e Pesquisa Netnográfica. E as parcerias não pararam por aí! 

Junto de #Colabora, InfoAmazonia, ((o))eco, Agência Envolverde e EcoNordeste, fortalecemos a ferramenta Diários do Clima, que foi apresentada no Reino Unido, como parte da Open Climate Reporting Initiative (OCRI), antecedendo a Conferência de Verão do Centre for Investigative Journalism (CIJ); na #OpenGoesCop – 2ª edição, uma coalizão de organizações que defendem a abertura no contexto das Conferências de Mudanças Climáticas (COP) da ONU da qual participam Wiki Green Initiatives, Open Knowledge Network, Open Climate Campaign, and Open Data Charter; e no webinar Mapeamento comunitário e controle social em tempos de crise climática, em parceria com a pessoas embaixadoras de Inovação Cívica da OKBR.

Vale sempre lembrar que o Diários do Clima é uma camada de aplicação que roda sobre o nosso Querido Diário (QD), uma demonstração prática do quanto estamos cotidianamente comprometidos na construção de uma infraestrutura cívica, que visa abrir informação pública que deveria estar mais acessível, e que apoia a atuação cidadã de pessoas e organizações – como o Panóptico, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, que usa nossa plataforma na pesquisa sobre a eficácia das tecnologias de reconhecimento facial. 

E em 2024 o Querido Diário avançou! Saiu de 350 para mais 500 cidades cobertas, com impacto potencial para mais de 30% da população brasileira; passou de meio milhão de arquivos de diários oficiais coletados; teve a revisão de sua documentação finalizada; ganhou nova funcionalidade (baixar resultados de buscas em diários oficiais em uma planilha personalizada) e passou da marca de 1k estrelas no GitHub

Um projeto dessa envergadura precisa de muita colaboração, por isso 3 grandes ações foram realizadas: a ampliação do “QD nas Universidades”, que busca aproximação com instituições de ensino e pesquisa brasileiros, alcançando UFBA, UnB, UFS, UNIT-SE, UFAL, UFU e CEFET-RJ; a estruturação de trilhas de treinamento para pessoas mantenedoras (frontend, desenvolvimento de raspadores, e produção de conteúdo) e o lançamento de novas recompensas na campanha de financiamento coletivo do Catarse. Assim, cada pessoa entusiasta do QD pode contribuir do seu jeito – e sim, isto é um convite!

Equipe “Evolução do Querido Diário”, que participou da Residência em TI fomentada pela Universidade de Brasília (UNB), parte do programa QD nas Universidades (Créditos: Arquivo pessoal)

 

A abertura é o caminho

O ano de 2024 começou com a reformulação de nosso Monitor da INDA, a Infraestrutura Nacional de Dados Abertos (INDA), que é fundamental para a disseminação e o compartilhamento de dados abertos e informações públicas. A OKBR é a única organização da sociedade civil a fazer esse monitoramento de forma consistente. 

Em janeiro, destacamos que o Plano de Ação 2023-2025 divulgado pelo governo trazia o status de execução de cada atividade, mas sem um nível de detalhamento que possibilitasse um controle social efetivo. Em julho, divulgamos que mais da metade das ações seguia em atraso e, finalmente, em setembro, o Plano de Ação avançou, com prazos repactuados, após provocação da OKBR. O ano se encerrou com a perspectiva, sinalizada pela CGU no Plano de Integridade e Combate à Corrupção 2025-2027, de que haverá aumento da participação da sociedade civil no Comitê Gestor da INDA. 

Ainda no início de 2024, mantendo a tradição do Dia dos Dados Abertos (Open Data Day – ODD), uma mobilização mundial em prol da abertura de dados, a OKBR apoiou financeiramente a realização de oito eventos em diferentes cidades. Além disso, participamos do ODD 2024 Datos Abiertos para el uso de la Inteligencia Artificial, a convite da Secretaria de Governo e Transformação Digital do Peru, evidenciando como os dados abertos podem ser pontos de conexão entre o governo e a sociedade civil. Também no contexto do ODD, apresentamos o Querido Diário no WikiDataLab, a convite do Wiki Movimento Brasil.

Contudo, nem tudo é celebração. É necessário haver pressão da sociedade civil para que haja mais abertura de dados. Sem eles, a promoção da integridade e do controle social ficam comprometidos. Assim, lançamos o Índice de Dados Abertos para Cidades (ODI Cidades) nas 5 regiões do país, com participação total de 420 pessoas. Trata-se de uma avaliação da disponibilidade e qualidade dos dados abertos governamentais a partir de uma perspectiva cívica identificando gargalos em áreas de interesse público e com potencial de orientar políticas de dados abertos. 

Já no forno desde 2023, o ODI Cidades ganhou o mundo: as 26 capitais do Brasil foram classificadas em 5 níveis de abertura (opaco, baixo, médio, bom e alto) a partir da avaliação de 111 conjuntos de dados divididos em 15 áreas de políticas públicas. 

Com metodologia replicável e resultados disponibilizados num ebook gratuito e numa plataforma web navegável, o ODI alcançou reconhecimento público, tendo cobertura de veículos como Agência Brasil, CBN, O Globo, Isto É, SBT News, Rádio NovaBrasil FM, R7, TV Cultura e Folha de São Paulo

Ao longo dos lançamentos, foi possível aprofundar o olhar sobre as cidades, em quais aspectos se saíam melhores e os porquês. Todavia, o cenário geral de indisponibilidade de dados foi sempre presente. Quando faltam dados abertos sobre vagas nas escolas, filas para consultas, áreas de risco, poda de árvores, equipe de defesa civil etc, fica perceptível como a falta de informação tem impacto concreto na vida das pessoas. Em coluna para a Folha de São Paulo, escrita junto da Fiquem Sabendo, exploramos mais o ODI, essas lacunas e as eleições como oportunidade de alteração desse quadro.

Lançamento do ODI Cidades 2023 em São Paulo (SP) (Créditos: Dus Hamanaka Mandell)

 

Abertura em governo para fortalecimento da confiança

No segundo semestre de 2024, lançamos a campanha #CartaPorUmaCidadeAberta com objetivo mobilizar a sociedade civil e as candidaturas que concorreram às eleições municipais de 2024 pelo compromisso com a transparência e abertura de dados públicos nas cidades brasileiras. Contamos com 22 candidaturas aderentes, das quais 7 foram eleitas, além de 75 apoios de entidades/indivíduos. 

Como qualquer outra política, abertura em governo não se faz só no momento da campanha. Por isso, colaboramos na organização do 5º Encontro Brasileiro de Governo Aberto, que ocorreu em Osasco/SP, e que foi palco do lançamento da Rede Brasileira de Governo Aberto (RBGA). 

A RBGA, que a OKBR co-fundou e da qual participa ativamente, publicou sua Carta de Princípios em maio de 2024 e vem se consolidando como um fórum vibrante de debate qualificado e articulação sobre o assunto. 

Também participamos da Open Gov Week e colaboramos com a formação “Dados Abertos e Transparência”, parte da 7ª edição do Programa de Agentes de Governo Aberto da Prefeitura de São Paulo/SP.

Lançamos ainda o Cominutas, uma plataforma baseada no software livre Decidim, que permite colaborar na criação de normas e políticas para dados abertos, transparência, tecnologias livres e muito mais! Como parte da parceria estabelecida com o município de Curvelo/MG, demos suporte para a regulamentação local da Lei de Governo Digital e da Lei Geral de Proteção de Dados. A possibilidade de co-criação, porém, não se limita à esfera pública e a plataforma também foi utilizada no processo de debate e consolidação do Estatuto para o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas. 

 

Posicionar-se é preciso

Para além de nossas linhas de código e de pesquisa, também seguimos nos posicionando publicamente em consonância com outras organizações, coletivos e iniciativas a favor da neutralidade da rede e pela defesa e fortalecimento da democracia. Ao assinar a carta pela ratificação do Acordo de Escazú, reiteramos a necessidade de garantir a implementação plena e efetiva dos direitos de acesso à informação, de participação pública e de acesso à justiça em assuntos ambientais na América Latina e no Caribe.

Como membro do Conselho de Transparência, Integridade e Combate à Corrupção (CTICC), a OKBR colaborou com o Plano Clima e participou do G20 Social, cujo objetivo foi ampliar a participação de atores não-governamentais nas atividades e nos processos decisórios do G20.

O acesso à informação é um direito que vem sofrendo reveses, não somente no Brasil, e vemos sigilos indevidos se instaurando – muitas vezes sob a alegação de preservação do direito à privacidade, como ocorreu nas eleições municipais brasileiras de 2024 com a falta de transparência sobre CPFs das pessoas candidatas, o que dificulta bastante o controle social. Juntamente ao Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, a OKBR se manifestou contrariamente a tais sigilos. 

E, se as recentes declarações de Zuckerberg surpreenderam alguns, olhando em retrospectiva, já havia sinais sobre a resistência institucional ao trabalho de moderação: uma pesquisa do NetLab/UFRJ evidenciava a permanência de anúncios fraudulentos nas plataformas da empresa, mesmo após ordem judicial solicitando remoção. Em junho de 2024, expressamos solidariedade ao grupo que sofreu tentativa de intimidação pela big tech. 

A cada passo que a tecnologia avança, o debate social crítico acerca da mesma precisa avançar igualmente. Mais do que nunca se faz necessária uma legislação brasileira que proteja direitos, seja regulando as plataformas, seja se debruçando sobre o desenvolvimento e o uso de Inteligência Artificial. Reivindicamos, junto de outras entidades e indivíduos, maior participação e transparência na regulação de Inteligência Artificial no Brasil: é preciso garantir espaço e voz para organizações do campo de defesa e promoção de direitos humanos, representatividade multissetorial, e compromissos com diversidade e igualdade.

Fomos e continuaremos ativos em redes que fortaleçam a nossa missão de promover o conhecimento livre, a transparência e o uso de dados abertos como os principais caminhos para a cidadania ativa e a justiça social. Do América Aberta aos encontros e oficinas locais, vimos como a colaboração pode transformar barreiras em pontes, entrelaçar comunidades e inspirar ações concretas. 

Que em 2025 possamos fortalecer o legado de estímulo à construção participativa de políticas públicas, abertura de dados e controle social. Este será um ano em que lidaremos com os temas de regulação de plataformas, combate à desinformação e alfabetização em dados e em inteligência artificial. Nossas ferramentas Querido Diário e Cominutas, nossas metodologias de pesquisa como o ODI e nossos cursos permanecem a serviço do fortalecimento da democracia e da ampliação do acesso a dados e informação, de forma ética e inclusiva. Contamos com vocês em mais um passo desta jornada!

Parte da equipe executiva da OKBR durante o América Aberta (Créditos: Acervo América Aberta)