Começamos 2022 no escuro: em 10 de janeiro, o apagão de dados no Ministério da Saúde completava um mês, depois de um ataque cibernético que nunca chegou a ser devidamente explicado. Corta para a última semana do ano: o orçamento secreto, um dos piores capítulos da história de opacidade do Estado brasileiro, levou um “basta!” do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao longo de onze intensos meses entre um episódio e outro, a equipe da Open Knowledge Brasil (OKBR) monitorou as eleições e seus desafios, empreendeu novos projetos para expandir fronteiras de transparência e fortaleceu conexões que nos encheram de alegria e esperança.
Antes de puxar o fio da memória sobre as “buchas” que, ao lado de outras organizações do campo da transparência, ajudamos a segurar neste ano, vale começar celebrando uma grande conquista para a comunidade de inovação cívica e dados abertos no Brasil: a expansão do Querido Diário. Um pouco de luz do sol que pudemos lançar sobre o ambiente público.
Lançada em 2021, a plataforma reúne diários oficiais de municípios e facilita a busca das decisões e contratações nessa esfera — ainda tão opaca — de governo. De janeiro a dezembro, saltamos de 16 para 66 cidades. Isso significa que os 47 milhões de pessoas que vivem nesses locais já podem ter acesso simplificado às informações que impactam diretamente suas vidas (e é possível acompanhar a cobertura de municípios, que está sempre crescendo, neste painel).
O Querido Diário é mais que um site de busca: é uma verdadeira infraestrutura de dados abertos, que pode ser usada para monitorar qualquer assunto de interesse (dos shows de sertanejos até o uso de reconhecimento facial nas cidades). Coletivos de jornalismo locais como Paraíba Feminina, Retruco e Agência Tatu contaram histórias com o Querido Diário, que também foi objeto de estudo e pesquisa aplicada em Universidades. Sprints de programação ajudaram incluir cidades da Amazônia Legal, e muito mais vem por aí.
Enfrentamos o “deserto de dados” municipais, mas não perdemos a política de Brasília de vista. Para fazer frente às ameaças contra a democracia, seguimos apostando na incidência de políticas públicas. Identificamos e denunciamos retrocessos em todos os poderes: a tentativa (barrada, por ora!) de um pedágio digital para acesso a dados abertos; o ritmo lento da Infraestrutura Nacional de Dados Abertos (INDA); a falta de transparência na tramitação de projetos no Congresso, durante a pandemia; a ameaça de retrocesso em informações de processos judiciais, numa ação em que atuamos como amicus curiae. Foi o ano em que a Lei de Acesso à Informação completou uma década (e estivemos no Congresso para fazer um balanço).
Há retrocessos que ainda precisam ser revertidos: é o caso dos microdados educacionais do INEP, que, apesar de toda a reação pública e institucional, não foram republicados. Com a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, fizemos uma oficina com os principais envolvidos e especialistas no assunto e lançamos um relatório para documentar o caso e discutir os próximos passos. Certamente voltaremos ao tema em 2023, porque esses dados não podem permanecer fechados. E, junto com outras organizações do campo, entregamos para a equipe de transição do novo governo um mapa de tudo mais que não pode ficar de fora.
Ocupamos mais espaços para construir políticas públicas em 2023. Estreamos como integrantes do Conselho Nacional de Transparência e Combate à Corrupção (CTPCC), fomos eleitos para o grupo de trabalho que vai apoiar a construção do 6º Plano de Ação de Governo Aberto do governo federal e discutimos a Parceria para Governo Aberto (OGP) e a agenda de dados abertos com a comunidade latino-americana. Agora, no finalzinho do ano, apresentamos candidatura a uma vaga no Comitê Central de Governança de Dados vinculado ao Ministério da Economia, para monitorar a proteção de dados do Cadastro Base do Cidadão.
O epicentro político do ano foi, evidentemente, o processo eleitoral. Junto com nossa rede de pessoas embaixadoras de inovação cívica — que, aliás, chegou a mais de 150 integrantes neste ano — acompanhamos a preparação de urnas em diversas cidades. Também lançamos a #CartaPorUmGovernoEstadualAberto, com compromissos assinados por candidaturas eleitas no legislativo e executivo; e a plataforma Perfil Político, que ajudou a informar os eleitores sobre o histórico e patrimônio das pessoas candidatas.
Participamos ativamente da defesa da transparência e da integridade eleitoral, como integrantes da Comissão e do Observatório de Transparência Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); e ajudamos a impedir o retrocesso na divulgação de dados eleitorais, que quase aconteceu em nome da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), apresentando argumentos ao TSE em audiência pública.
2022 também foi o ano dos “reencontros” presenciais. A já tradicional Conferência de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais (Coda.Br) ganhou uma primeira edição regional, o Coda Amazônia, em Belém (PA). E a sétima edição do evento nacional voltou à ESPM, em São Paulo, após dois anos online, reunindo 400 pessoas em formato híbrido inédito. O encontro também marcou os 50 anos do “jornalismo de precisão”, com uma tocante homenagem a seu fundador, Philip Meyer. A comunidade de jornalismo de dados voltou a se abraçar nos “Cerveja com Dados” em diversas cidades.
Novos cursos entraram para o catálogo da Escola de Dados: uma parceria com o Fogo Cruzado formou jornalistas para analisar dados sobre segurança pública, no ano em que o registro de armas nas mãos de caçadores, atiradores e colecionadores atingiu a marca de um milhão. E a série “Publicadores de Dados” cresceu, com um curso inédito sobre o CKAN — a plataforma de código aberto mais utilizada para abrir dados no mundo.
Como organização, a OKBR se fortaleceu. Uma nova estrutura de governança foi aprovada, com a eleição de um novo conselho. A frente de Parcerias e Serviços estabeleceu acordos de cooperação com a Prefeitura do Rio de Janeiro e de Mogi das Cruzes (SP), além de abrir diálogo e apoiar governos como o de João Pessoa (PB) na construção de políticas de governo aberto.
Venha, 2023!
Muitos projetos já estão no forno, atenção ao spoiler: um “hub de minutas” colaborativas de governo aberto, o Diário do Clima e o Observatório de Tecnologias da Educação (construídos em cima da infraestrutura do Querido Diário), o Índice de Dados Abertos das Cidades, novos cursos, o Coda.Br e o Coda Amazônia com mais novidades…
Este será um ano ainda mais especial para a OKBR: vamos completar uma década em 2023. Celebraremos com todos que fazem e já fizeram parte dessa história. À nossa rede de pessoas e organizações parceiras, um muito obrigada por seguirem caminhando conosco!
Seu apoio é vital para nós continuarmos existindo e para expandir nosso trabalho – abrir dados, criar ferramentas, ensinar técnicas e apoiar comunidades que promovem o conhecimento livre ao redor do Brasil. Conheça as várias formas de doar recursos para apoiar a organização e junte-se ao programa de membresia da Escola de Dados.
Apoiando a OKBR, você se junta a Open Society Foundations, Instituto Hivos, Google News Initiative, Fundação Lemann, Imaginable Futures, Python Software Foundation, Abraji, Knight Center, PCDaS/Fiocruz, Tableau, ESPM, Transparência Brasil, Núcleo Jornalismo, Tactical Tech, Lagom Data, Pulitzer Center e outras dezenas de pessoas que acreditaram no nosso trabalho neste ano.